Retrato
de Mulher
Tem
noventa anos. És velha dolorida. Dizes-me que foste a mais bela rapariga do teu
tempo – e eu acredito. Não sabes ler. Tens as mãos grossas e deformadas, os pés
encortiçados. Carregaste à cabeça toneladas de restolho e lenha, albufeiras de
água. Viste nascer o Sol todos os dias. De todo o pão que amassaste se faria um
banquete universal. Criaste pessoas e gado, meteste os bácoros na tua própria
cama quando o frio ameaçava gelá-los. Contaste-me histórias de aparições e
lobisomens, velhas questões de família, um crime de morte. Trave da tua casa,
lume da tua lareira – sete vezes engravidaste, sete vezes deste à luz.
Mas
porquê, avó, porque te sentas tu na soleira da tua porta, aberta para a noite
estrelada e imensa, para o céu de que nada sabes e por onde nunca viajarás,
para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e dizes, com a tranquila
serenidade dos teus noventa anos e o fogo da tua adolescência nunca perdia: “O
mundo é tão bonito!”
José
Saramago