A
vida na fábrica
Insaciável,
a devorar energias, a fábrica chama. O seu apelo domina a vila adormecida e
galga os campos.
As
mulheres pegam no xaile e saem a mastigar a côdea do pão de mistura. Vão a
passo ligeiro, que o portão não se abre para as que chegam mais tarde.
Levam
no corpo as fadigas da véspera. Levam nos olhos as amarguras de sempre.
Vão
entrar pela bocarra, faminta de energias.
A
buzina lança o último grito. Há mulheres que correm, tairocando para não
perderem a féria. E o portão cerra-se. Duas ainda ouviram os ferrolhos pesados
e ficaram a olhar o portão, compreendendo o destino do dia.
E
voltam pelo mesmo caminho, mais mirradas, como se ouvissem a bramação em casa.
Lá
dentro tudo se move. Giram os tambores e fogem as correias. E os teares não
param. As mulheres também. Tudo tocado no mesmo frenesi de loucura.
As
palavras são hostis. Para matar o tempo e esquecer penas, há bocas que querem
cantar. Mas da gerência veio a ordem para que se trabalhe em silêncio. Só se ouvem
as canções dos teares.
Alves
Redol in “Marés”
Desenho de Álvaro Cunhal