MUSEU DO NEO-REALISMO: Apresentação do romance "Os Reinegros", de Alves Redol

 

No dia 25 de Novembro pelas 16 horas realiza-se a apresentação do romance Os Reinegros, de Alves Redol, o qual foi proibido pela Censura prévia, ainda dactilografado, em 1945.

António Ferro prometeu a Redol que o livro seria liberto, mas nunca o foi.

Em 1972, Lyon de Castro numa atitude corajosa, publicou a 1ª edição na Colecção Obras Completas de Alves Redol.

O livro esteve 27 anos na gaveta.

Sobre este romance escreveu Mário Dionísio:

«Os Reinegros parecia-me um grande passo em frente, depois de Gaibéus, Marés e mesmo Fanga: pela excelente integração da documentação na efabulação romanesca [...] pelo grande fôlego narrativo, pela visão política, sobretudo, para mim, pela simplicidade fluente da escrita. [...] e se esse livro tivesse sido publicado na altura própria, a sua obra e o próprio romance neo-realista seguiriam porventura desde logo,ao menos nalguns casos, um rumo diferente».

M de Março e de Memórias

A vida na fábrica

Insaciável, a devorar energias, a fábrica chama. O seu apelo domina a vila adormecida e galga os campos.

As mulheres pegam no xaile e saem a mastigar a côdea do pão de mistura. Vão a passo ligeiro, que o portão não se abre para as que chegam mais tarde.

Levam no corpo as fadigas da véspera. Levam nos olhos as amarguras de sempre.

Vão entrar pela bocarra, faminta de energias.

A buzina lança o último grito. Há mulheres que correm, tairocando para não perderem a féria. E o portão cerra-se. Duas ainda ouviram os ferrolhos pesados e ficaram a olhar o portão, compreendendo o destino do dia.

E voltam pelo mesmo caminho, mais mirradas, como se ouvissem a bramação em casa.

Lá dentro tudo se move. Giram os tambores e fogem as correias. E os teares não param. As mulheres também. Tudo tocado no mesmo frenesi de loucura.

As palavras são hostis. Para matar o tempo e esquecer penas, há bocas que querem cantar. Mas da gerência veio a ordem para que se trabalhe em silêncio. Só se ouvem as canções dos teares.

Alves Redol in “Marés”

Desenho de Álvaro Cunhal