4.11.24
OPINIÃO: Paradoxo valenciano
Não deixa de ser paradoxal que em tempos caracterizados pelo individualismo assistamos a uma enorme onda de solidariedade com as populações de Valência. Perguntei ao meu amigo Alberto Barciela, empresário e intelectual galego, como se explica esta aparente contradição entre as correntes do egoísmo, pejadas de ética individual imediatista, e o auxílio que efetivamente tem sido prestado à comunidade valenciana no terreno. “Em todos nós há uma vontade de sobrevivência (...), que se acentuou com a evolução global aparentemente ‘dessocializante’, onde predomina o exercício do indivíduo. No entanto, da mesma necessidade de nos justificarmos, da procura de uma salvação individual, pessoa a pessoa, nasce também a necessidade de ser [solidário] com os outros. Não faria sentido nascer para estar sozinho”, respondeu-me.
Os mortos em Gaza ou em Beirute valem tanto como os que pereceram na tragédia valenciana, mesmo aqui ao lado de Portugal. No entanto, os vizinhos, próximos ou distantes das vítimas, acorreram ao autêntico cemitério criado pelas forças da natureza, paradoxalmente acionadas por incúria dos humanos ao permitir a elevação da temperatura dos oceanos.
s autoridades valencianas denotaram uma dupla lentidão: em primeiro lugar, nos avisos à população, para que esta pudesse proteger vidas e bens; por outro lado, na reação à ajuda desinteressada oferecida por milhares de cidadãos. Tanto assim, que as referidas autoridades apelaram ao regresso a casa dos voluntários ou a que, pelo menos, não se deslocassem de carro, por estarem a impedir o acesso dos meios de emergência. Curiosamente, os desastres climáticos próximos humanizam-nos mais do que as guerras mortíferas seguidas à distância, pela televisão ou jornais.
• Pedro Araújo – Jornal de Notícias - 04 novembro, 2024