8.11.24
OPINIÃO: Um dia sombrio
Desta vez não se pode apontar o dedo às distorções provocadas por um sistema político anacrónico. Donald Trump não só conseguiu a maioria no colégio eleitoral, como deverá vencer a eleição popular. Ou seja, terá mais votos do que Kamala Harris, ao contrário do que aconteceu na primeira vitória, em 2016, sobre Hillary Clinton (a contagem ainda não terminou, mas tem uma confortável vantagem de quase cinco milhões de votos).
Há evidências mais do que suficientes de que os americanos escolheram para presidente um misógino que já se gabou de agredir sexualmente as mulheres, um racista que diz que os imigrantes envenenam o sangue do país (para além de comerem cães e gatos domésticos), um aspirante a fascista que promete usar os militares para reprimir inimigos internos e exprime pública admiração pelo estilo e pelos métodos de ditadores como o chinês Xi Jinping, o russo Vladimir Putin ou o norte-coreano Kim Jong-un.
Com semelhante cadastro, parece quase impossível encontrar uma explicação para a sua eleição. Mas não é surpreendente. Para lá das bizarrias e delírios que fomos retendo dos comícios, Trump conseguiu passar a imagem de um político que vai melhorar a vida dos americanos, capaz de lhes garantir prosperidade económica (menos impostos, melhores empregos, inflação controlada) e maior segurança (combate ao crime violento e à imigração ilegal). Falou para o bolso e para a tranquilidade dos cidadãos e conseguiu até a proeza extraordinária de ver o seu apoio crescer entre as mulheres brancas, os negros e os latinos, tantas vezes os alvos preferenciais da sua retórica violenta. Sendo certo que, do outro lado, estava uma mulher negra, o que não seria um pormenor nem sequer na civilizada Europa.
Como escreveu Tom Nichols, um lúcido crítico de Trump, na The Atlantic, “foi um dia sombrio para os EUA e para as democracias em todo o Mundo”. Os americanos serão os primeiros a sentir na pele a disrupção de Trump, mas os efeitos chegarão à Europa em que estamos inseridos. Mas ainda não é o fim do Mundo. Melhores dias virão.
• Rafael Barbosa – Jornal de Notícias - 07 novembro, 2024