22.4.24

OPINIÃO: O futuro das crianças de Abril

Há 50 anos, Portugal viveu um dos momentos mais emblemáticos de sua história recente: a Revolução dos Cravos. Desde então, o país tem sido palco de uma verdadeira montanha-russa de mudanças sociais, políticas e económicas. A Revolução de 1974 prometia uma nova era de liberdade, igualdade e fraternidade, porém, talvez tenhamos interpretado mal o manual de instruções, porque parece que o país ainda luta para descobrir como montar esse quebra-cabeça chamado democracia. Dos dramas no Parlamento aos escândalos de corrupção, às explicações (im)precisas de medidas legislativas, políticas e fiscais, Portugal provou ser um verdadeiro concorrente nas olimpíadas do caos.
Ainda assim, temos de ser sinceros. Ao longo destes 50 anos, testemunhámos uma evolução impressionante. Passámos de um país pobre e atrasado, onde os bigodes eram uma norma social incontestável, para uma nação igualmente pobre, mas inclusiva, onde a diversidade é celebrada – por vezes imposta –, a inovação e a tecnologia são veneradas e as barbas bem cuidadas ou desgrenhadas e, até mesmo aquelas faces lisas como a pele de um polvo, são toleradas. Pelo meio, Portugal enfrentou desafios que fariam qualquer equilibrista pensar duas vezes antes de se aventurar numa tal corda bamba. Ao longo dos anos atravessámos várias crises económicas – essas convidadas frequentes que parecem adorar a nossa hospitalidade – como se fossemos membros de um clube exclusivo, o qual não nos orgulhamos em frequentar, mas teimamos pertencer e que tem deixado os portugueses com pouco ar para respirar. 
Mas o verdadeiro espetáculo de tragicomédia acontece no palco político. Quem precisa de stand-up quando se tem discursos inflamados, alianças efêmeras e promessas que desaparecem mais rápido do que um pastel de nata na mesa de um café? E, como se não bastassem as cómicas e angustiantes trapalhadas governativas temos agora um partido que promete não ficar de braços cruzados e disciplinar, de vez, a criançada. Com uma retórica que oscila entre o “diz que disse” e o “quem diria”, o CHEGA tem desafiado as noções convencionais da política portuguesa, como se estivesse a jogar uma partida de xadrez num tabuleiro de Trivial Pursuit. Com um discurso que mistura nostalgia com uma pitada de nacionalismo exótico, o CHEGA conseguiu atrair a atenção e a preferência de muitos portugueses que buscam um novo enredo para a quinquagenária novela política nacional bipolarizada.
Num momento marcante da nossa história coletiva, é vital ter consciência que o verdadeiro tesouro de Portugal está nos valores de Abril, nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade que fazem acreditar que podemos ser mais do que a soma das nossas crises políticas e económicas. Valores estes que parecem ter sido congelados, como o bacalhau demolhado em vez de salgado. Impávidos, assistimos às instituições, aquelas entidades veneráveis que deveriam ser os guardiões desses valores, comportarem-se como um bando de miúdos numa corrida de sacos, todos a tentar chegar primeiro à meta, não se importando com quem tropeça pelo caminho. 
E aqui estamos nós, num impasse entre o passado e o futuro, entre o riso e a preocupação, entre o cravo e a metralhadora. Que podemos fazer? Talvez seja hora de pararmos de brincar e começar a agir como adultos responsáveis, afinal já são 50 anos. É hora de começarmos a construir um país onde todos possam ter um papel digno e igualitário, num contexto global em que os desafios sociais, económicos, ambientais e governativos são um drama de proporções épicas. A desigualdade social não é mais uma tragédia que assombra apenas as vielas estreitas e obscuras de Lisboa e Porto, mas alastrou a todo o país com a contínua bipolarização geográfica Litoral/Interior a ameaçar partir o país em dois.
Quando celebramos os 50 anos dos valores de Abril, não podemos esquecer que eles não são apenas uma linha de diálogo num velho roteiro, mas sim a essência do que significa ser português. Cabe a nós, enquanto cidadãos, garantir que esses valores não sejam apenas uma peça de museu, mas sim a bússola que guia o nosso futuro coletivo. No fim das contas, Portugal, é como uma sardinha na brasa: pequeno, mas saboroso e cabe a nós, portugueses, garantir que o cheiro a grelhado não seja apenas uma lembrança do passado, mas sim um aroma que perdure no futuro.
* Paulo Duarte in "Jornal do Fundão" - 17 de abril de 2024