Nisa
e o seu artesanato no olhar de uma jovem *
Passamos
dos tecidos para a cortiça. Quem olha para os sobreiros não imagina
que se podem fazer da cortiça inúmeros objectos com algumas
utilidades, mas é bem verdade!
Com
57 anos, António Policarpo é comprador e tomador de cortiça desde
novo, mas faz objectos desde que a Feira de Artesanato teve início
em Nisa.
Aprendeu
sozinho, mas para criar uma peça a cortiça tem que ter uma certa
preparação, então o senhor António deu-nos a explicação, com
orgulho no seu trabalho, sendo, actualmente, a única pessoa que faz
este trabalho em Nisa.
Para
fazer um canado (1), recipiente onde os lavradores levavam a comida -
mais propriamente, o almoço – para o campo, primeiramente tira-se a
cortiça do sobreiro, desde a terra até ao limite. Esta operação é efectuada com a ajuda de uma tranca (de pau) de dois metros para
auxiliar o companheiro e com uma machada.
Depois
de retirada fica a secar, indo em seguida a cozer. Depois com uns
pesos endireita-se a cortiça. Sendo esta de primeira, quando estiver
direita tira-se-lhe a côdea (casca preta) com umas facas, as quais
já lhe têm chegado ao peito. Após lhe ter titrado a côdea,
torna-se a meter a cortiça em água morna e enrola-se para tomar a
forma do canado. Prega-se o fundo com pregos de madeira feitos pelo
senhor António e depois colam-se os enfeites. Seguidamente, para lhe
colocar a asa que normalmente é de madeira de salgueiro, marca o
meio com duas sovelas. Depois de verificado o meio, coloca-se a asa,
lixando-a para ficar lisa.
Outra das peças bastante conhecidas em Nisa são os couchos (2), os quais
servem para colocar a comida já pronta, mas normalmente são
conhecidos para servir as sopas de peixe.
A
maneira de se fazer um coucho é de facto interessante. Depois da
cortiça passar pelas fases já descritas anteriormente, marca-se a
largura da cortiça em terra bem dura. Cava-se a terra pela zona
marcada e leva-se a cortiça ao lume, indo logo para o buraco
escavado. Faz-se pressão afundando a cortiça e tapa-se com terra.
Depois de tapada bate-se com um maço (instrumento utilizado pelos
calceteiros para bater a calçada) e fica assim uns dias, sendo
fundamental regar a terra e ir sempre batendo com o maço. Passados
uns dias está o coucho feito, mas nem sempre, pois como nos diz o
senhor António, custa-lhe muito quando ao enrolar a cortiça para
fazer um canado e ao tirar a cortiça debaixo da terra, a cortiça se
parte, dizendo que um cuidado a ter é a cortar e a dobrar a cortiça,
acrescenta também que as peças pequenas são as mais chatas de
fazer.
Os
objectos fundamentais para trabalhar a cortiça são facas, objectos
corticeiros e lixas para lixar as peças.
Para
retirar a cortiça, depende dos anos, mas a partir de Maio e Junho é
o mais habitual. Dois meses é o tempo necessário para tirar a
cortiça, mas só de nove em nove anos, em menos tempo é proibido,
já que a cortiça ainda não está feita.
Anteriormente
foi falado na cortiça de primeira, mas da primeira à quinta são
boas para fabricação. Existem outros tipos de cortiça, como a
cortiça virgem – primeira vez que é tirada -, a acortiça
secundeira, que como o próprio nome indica, é a segunda vez de nove
em nove anos, que é retirada e finalmente a cortiça amadia, quando
já foi refinada e
tem
a qualidade exigida para a produção de rolhas.
Bom,
mas que objectos tem o senhor António para vender? Objectos vários
que como distracção, trabalho e diversidade são criados: couchos,
canados, chapéus, tropeças (bancos usados antigamente), bancos
normais, colmeias, moinhas, canados para pôr o gelo juntamente com a
garrafa, miniaturas,, machadinhos e cabaças (para conterem água).
É
nos tempos livres que imagina e cria estes objectos, por vezes
esquecendo-se do almoço. Os preços vão desde os quinhentos
escudos, como é o caso de canados em miniatura, a dez contos como
canados grandes e couchos. Afirma que os compradores além dos
estrangeiros, em Portugal são mais da zona norte.
Trabalhos
já vistos na televisão, foram os que mostram D. António e sua
esposa, e afirma que na vila de Nisa estes objectos vendem-se mal,
então é caso para dizer que “santos da casa não fazem milagres!”
NOTAS
(1) - Noutras zonas do Alentejo designa-se por tarro e segundo a Infopédia este é "recipiente
onde se recolhe o leite que se vai ordenhando" ou uma "espécie
de tacho de cortiça, com tampa, onde os pastores do Alentejo levam
os alimentos".
(2) - O coucho descrito neste texto é o de maior tamanho e com finalidade diferente do outro, mais pequeno e que é próprio para beber água pelos
trabalhadores no campo alentejano, no sul de Portugal.
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Patrícia Porto – Fev. 1997