9.4.24

NISA, Branca Alentejana (VII)

Nisa e o seu artesanato no olhar de uma jovem *
Passamos dos tecidos para a cortiça. Quem olha para os sobreiros não imagina que se podem fazer da cortiça inúmeros objectos com algumas utilidades, mas é bem verdade!
Com 57 anos, António Policarpo é comprador e tomador de cortiça desde novo, mas faz objectos desde que a Feira de Artesanato teve início em Nisa.
Aprendeu sozinho, mas para criar uma peça a cortiça tem que ter uma certa preparação, então o senhor António deu-nos a explicação, com orgulho no seu trabalho, sendo, actualmente, a única pessoa que faz este trabalho em Nisa.
Para fazer um canado (1), recipiente onde os lavradores levavam a comida - mais propriamente, o almoço – para o campo, primeiramente tira-se a cortiça do sobreiro, desde a terra até ao limite. Esta operação é efectuada com a ajuda de uma tranca (de pau) de dois metros para auxiliar o companheiro e com uma machada.
Depois de retirada fica a secar, indo em seguida a cozer. Depois com uns pesos endireita-se a cortiça. Sendo esta de primeira, quando estiver direita tira-se-lhe a côdea (casca preta) com umas facas, as quais já lhe têm chegado ao peito. Após lhe ter titrado a côdea, torna-se a meter a cortiça em água morna e enrola-se para tomar a forma do canado. Prega-se o fundo com pregos de madeira feitos pelo senhor António e depois colam-se os enfeites. Seguidamente, para lhe colocar a asa que normalmente é de madeira de salgueiro, marca o meio com duas sovelas. Depois de verificado o meio, coloca-se a asa, lixando-a para ficar lisa.
Outra das peças bastante conhecidas em Nisa são os couchos (2), os quais servem para colocar a comida já pronta, mas normalmente são conhecidos para servir as sopas de peixe.
A maneira de se fazer um coucho é de facto interessante. Depois da cortiça passar pelas fases já descritas anteriormente, marca-se a largura da cortiça em terra bem dura. Cava-se a terra pela zona marcada e leva-se a cortiça ao lume, indo logo para o buraco escavado. Faz-se pressão afundando a cortiça e tapa-se com terra. Depois de tapada bate-se com um maço (instrumento utilizado pelos calceteiros para bater a calçada) e fica assim uns dias, sendo fundamental regar a terra e ir sempre batendo com o maço. Passados uns dias está o coucho feito, mas nem sempre, pois como nos diz o senhor António, custa-lhe muito quando ao enrolar a cortiça para fazer um canado e ao tirar a cortiça debaixo da terra, a cortiça se parte, dizendo que um cuidado a ter é a cortar e a dobrar a cortiça, acrescenta também que as peças pequenas são as mais chatas de fazer.
Os objectos fundamentais para trabalhar a cortiça são facas, objectos corticeiros e lixas para lixar as peças.
Para retirar a cortiça, depende dos anos, mas a partir de Maio e Junho é o mais habitual. Dois meses é o tempo necessário para tirar a cortiça, mas só de nove em nove anos, em menos tempo é proibido, já que a cortiça ainda não está feita.
Anteriormente foi falado na cortiça de primeira, mas da primeira à quinta são boas para fabricação. Existem outros tipos de cortiça, como a cortiça virgem – primeira vez que é tirada -, a acortiça secundeira, que como o próprio nome indica, é a segunda vez de nove em nove anos, que é retirada e finalmente a cortiça amadia, quando já foi refinada e tem a qualidade exigida para a produção de rolhas.
Bom, mas que objectos tem o senhor António para vender? Objectos vários que como distracção, trabalho e diversidade são criados: couchos, canados, chapéus, tropeças (bancos usados antigamente), bancos normais, colmeias, moinhas, canados para pôr o gelo juntamente com a garrafa, miniaturas,, machadinhos e cabaças (para conterem água).
Quanto a exposições já foi a muitas, nomeadamente, Fundão, Marvão, FIL (Lisboa), Santarém, França e algumas mais de que não se lembra.
É nos tempos livres que imagina e cria estes objectos, por vezes esquecendo-se do almoço. Os preços vão desde os quinhentos escudos, como é o caso de canados em miniatura, a dez contos como canados grandes e couchos. Afirma que os compradores além dos estrangeiros, em Portugal são mais da zona norte.
Trabalhos já vistos na televisão, foram os que mostram D. António e sua esposa, e afirma que na vila de Nisa estes objectos vendem-se mal, então é caso para dizer que “santos da casa não fazem milagres!”
NOTAS
(1) - Noutras zonas do Alentejo designa-se por tarro e segundo a Infopédia este é "recipiente onde se recolhe o leite que se vai ordenhando" ou uma "espécie de tacho de cortiça, com tampa, onde os pastores do Alentejo levam os alimentos".
(2) - O coucho descrito neste texto é o de maior tamanho e com finalidade diferente do outro, mais pequeno e que é próprio para beber água pelos trabalhadores no campo alentejano, no sul de Portugal.
* Patrícia PortoFev. 1997