Com a extinção do CDS iminente, o PSD vira-se para o que até hoje era inimaginável. Mas convém acordar e perceber que o “ticket” para as próximas eleições é Rio/Ventura. Ao abrir esta porta, Rio faz o que na realidade sempre sonhou: dar um pontapé no “sistema” e enterrar a história do PSD.
Entre a covid, a crise financeira, as férias, aconteceu uma grande mudança no mapa político. Foi ultrapassado um marco que até agora ninguém tinha tido coragem em ultrapassar: o PSD decidiu fazer aquilo de que nunca o CDS se lembrou (ainda). Admitiu que o Chega pode ser seu parceiro político “se mudar”. A notícia foi dada por Rui Rio na entrevista que deu a Vítor Gonçalves, da RTP, e o facto marca um antes e um depois na política portuguesa. Quebrou-se um consenso forjado em 1974 segundo o qual a nossa direita era “civilizada” e a que não fosse “civilizada” seria rejeitada pelo sistema, nomeadamente pelos representantes da própria direita – isso acabou.
Portanto, o que se passou agora assinala uma mudança de paradigma e radical. Se o Chega “mudar”, se passar a ter “uma posição mais moderada”, Rui Rio está ali para os abraços. Para já, enquanto o partido “continuar numa linha de demagogia e populismo”, não. Não há memória de um político de direita “do sistema” se ter entregue nos braços da extrema-direita da forma como Rio o fez. Ah, mas Rio diz que não é do sistema… Ups. Talvez aqui esteja a explicação para tão grande corte epistemológico com a história do PSD.
João Miguel Tavares percebeu isto antes de nós, os que acreditaram que Rui Rio “falava falava” mas na realidade não queria dizer “aquilo”. João Miguel tem razão: bastava levar a sério as palavras de Rio contra o sistema, o Parlamento, o poder judicial ou a comunicação social. Era um exercício simples. E no entanto, relativamente a Rui Rio e a sua capacidade de acolher Ventura no colo entrámos em “denial”. Não, o homem era um moderado, aos 20 anos tinha sido apoiante de Francisco Pinto Balsemão. Pois era.
Escreveu João Miguel Tavares: “Finalmente, percebi Rui Rio e a sua estratégia. Rio não quer nenhum Bloco Central. A sua aposta é num governo liderado pelo PSD com André Ventura à pendura em 2023, ou mesmo um pouco antes disso, se a situação económica se agravar enormemente e o Governo não aguentar. Se até lá Ventura galgar para próximos dos 10%, roubando algum eleitorado ao PCP e à abstenção, e se Rio conquistar sete ou oito pontos percentuais ao PS, bastar-lhe-ia chegar próximo dos 35% para um governo de direita voltar a ser possível, tendo Rio como primeiro-ministro”.
Com a extinção do CDS iminente, o PSD vira-se para o que até hoje era inimaginável. Mas convém acordar e perceber que o “ticket” para as próximas eleições é Rio/Ventura. Ao abrir esta porta, Rio faz o que na realidade sempre sonhou: dar um pontapé no “sistema” e enterrar a história do PSD.
Ana Sá Lopes - "Público" - 1/8/2020