27.2.18

OPINIÃO - Precariedade: promessas são para cumprir

Portugal vive em estranha contradição: ninguém defende a precariedade, pelo contrário, todos dizem querer combatê-la. E é precisamente pelas boas intenções que se ficam os falsos consensos. Da liberalização da lei laboral aos falsos estágios, as mudanças nesta área têm sido arrancadas a ferros.
Apesar das promessas eleitorais do PS, pouco se avançou no combate à precariedade no setor privado. Houve alguma recuperação do número de trabalhadores abrangidos pela contratação coletiva mas, no essencial, o código laboral é o mesmo que sustentava a política dos baixos salários promovida pela Direita, que o PS tanto critica. As medidas de penalização do uso excessivo de contratos a prazo, várias vezes anunciadas, ainda não viram a luz do dia. As empresas de trabalho temporário - modernas traficantes de mão de obra - continuam a lucrar com a precarização absoluta.
No setor público, no entanto, foi possível dar passos concretos em nome da decência. Depois de anos em que Mota Soares, ex-ministro do CDS, se negou a divulgar o número de precários no Estado, foi possível fazer esse levantamento e chegar a um acordo para o Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP) - mesmo com o voto contra do PSD e CDS.
Chegaram então os números da triste realidade de um Estado que, para suprir funções permanentes, há anos que usa e abusa de dezenas de milhares de precários: contratos a prazo e recibos verdes, trabalho gratuito de desempregados em programas ocupacionais, recurso a empresas de outsourcing. Só nas autarquias, um em cada sete trabalhadores é precário, sempre a assegurar funções permanentes. Dessas 15 758 pessoas, metade são desempregados com contratos ocupacionais.
No combate à precariedade não há lutas mais importantes que outras. O Estado deve empenhar--se tanto em proteger os direitos laborais no privado como em ser um exemplo de boas práticas e não um manual de selvajaria laboral.
O PREVPAP abriu a possibilidade de dar um contrato com direitos a milhares de trabalhadores que há anos sustentam os serviços públicos. A expectativa que criou foi imensa e não pode ser defraudada.
Além dos atrasos, começam a surgir queixas de bloqueios ao processo a partir das autarquias (as poucas que aderiram, ainda) e organismos públicos. Por exemplo, a Universidade de Aveiro recusa-se a integrar 300 pessoas; a freguesia da Penha de França, em Lisboa, despediu mais de 20 trabalhadores com dez anos de casa; na Águas de Portugal, os trabalhadores contratados há anos através de empresas de prestação de serviços não estão a ser reconhecidos, em contradição com a lei.
O Governo tem de se comprometer com o sucesso do PREVPAP. Há milhares de pessoas à espera, este não é tempo para recuos e muito menos para deitar tudo a perder.
Mariana Mortágua in "Jornal de Notícias" - 27/2/2018