Pensar a morte implica conceber deixar de existir. É
difícil, não temos ideia do que significa inexistir e o vazio é sempre
assustador. Mas boa parte do que torna a ideia da nossa própria morte tão
angustiante não é a abstração do nada. É a antecipação do momento, em vida, em
que tomaremos consciência de que a morte é certa. E o medo maior é que esse
momento seja longo, doloroso ou degradante. Que o nada chegue antes de nos
irmos, que o corpo nos sobreviva, muito para além da vontade e, portanto, da
dignidade.
É fundamentalmente por isto que a eutanásia não é uma
escolha sobre a morte. É sobre a liberdade de decidir como queremos viver uma
morte quando esta se afigura insuportavelmente inevitável.
Não deixa de ser estranho que um assunto assim complexo
redunde num princípio tão elementar. Há dias pude ouvir Alexandre Quintanilha a
colocar a questão de uma forma reveladora. Dizia ele que a história está
repleta de gente para quem a forma de morrer fez parte de uma escolha de vida.
Por isso morreram pela honra, pela dignidade, por uma verdade ou por uma ideia.
Se isto é tão naturalmente aceite, o que pode haver de estranho em, perante a
morte e o sofrimento, querermos para nós um fim de vida com a dignidade que
imaginámos e desejámos?
É só quando se confunde o debate que ele, de facto, se
torna confuso. A morte assistida não é uma alternativa aos cuidados paliativos,
nem pode ser vista como tal. Portugal precisa urgentemente de desenvolver a sua
rede de cuidados paliativos, mas o acesso aos melhores serviços não erradicará
a questão de fundo: perante o sofrimento, mesmo que a dor física esteja sob
controlo, temos ou não o direito a escolher como queremos morrer? É enorme a
violência de quem acha que o humanismo está em forçar-nos ao sofrimento.
Evitemos também os fantasmas que se acenam apenas para
criar o susto. A eugenia, a eutanásia forçada, as decisões impostas. Todas
essas práticas continuarão a ser crimes tão graves e condenáveis como hoje. Do
que se fala é da despenalização da morte assistida, em casos de doença
incurável e fatal ou lesão definitiva, de doentes em situação de sofrimento
duradouro e insuportável, maiores de idade e absolutamente capazes de tomar uma
decisão em consciência.
Não pretendo ocultar a complexidade do tema e muito menos
a responsabilidade que significa legislar sobre ele. O debate tem vindo a
acontecer na sociedade portuguesa e, para além da seriedade que se exige,
também é preciso que não se debata para debater mas para decidir. O projeto de
lei que o Bloco agora apresenta respeitou esse debate, amadureceu e aprendeu
com ele. Tem a força de uma reflexão longa mas necessária, que agora se quer
transformar em mudança.
Poder decidir morrer com a dignidade com que escolhemos
viver, a derradeira liberdade que uma sociedade tolerante deve garantir.
Mariana Mortágua in “Jornal de Notícias” – 6/2/2018