19.2.18

OPINIÃO: CTT devem ser públicos

Manuel Champalimaud, o maior acionista dos CTT, disse em entrevista ao "Expresso" que "os CTT, quer queiram quer não, ou se modificam e daqui a cinco anos estão totalmente diferentes ou desaparecem", acrescentado que "os CTT têm de estar irreconhecíveis daqui a cinco anos". Há nestas afirmações um determinismo que deve ser levado muito a sério.
Desde os trabalhadores da empresa ao Governo, do poder autárquico aos partidos políticos, até aos portugueses em geral, todos devem ser chamados a pronunciar-se sobre os rumos possíveis, visando salvaguardar os interesses das pessoas e a prestação do serviço público. Não se pode admitir, por distração política, por oportunismo, ou por cedência a interesses egoístas, o desaparecimento total ou parcelar das principais funções que a empresa corporiza.
As comunicações desempenharam, desde sempre, um papel fundamental e estratégico na organização e desenvolvimento das sociedades, nomeadamente nos campos da defesa, da economia, da estruturação e preservação dos estados, bem como em aspetos múltiplos dos processos de socialização. Esse papel relevante reforça-se a cada dia com a ampliação dos meios tecnológicos disponíveis.
Há uma dúzia de anos, porque incluí na minha tese de doutoramento um capítulo sobre a PT, analisei a evolução do setor das comunicações e telecomunicações. Os CTT, com toda a sua tradição enquadrada na Administração Pública, foram transformados em empresa pública em 1969. Dela emanou, em 1981, o Instituto das Comunicações de Portugal (hoje Anacom-ICP). Este instituto público, dotado de autonomia administrativa e financeira, só iniciou a sua atividade em 1989. Surgiu, pois, como regulador, devidamente orientado no enquadramento dado pela União Europeia, depois de esta ter posto em marcha o processo de privatização do serviço telefónico. Entretanto, em 1992 é feita a cisão dos CTT, separando o setor dos correios do setor das telecomunicações para este ser uma base fundamental da criação da PT.
Quanto à PT, os portugueses já constataram o significado da "excelência" da gestão, paga principescamente, ao serviço de negócios promíscuos e da oferta de chorudos dividendos a acionistas.
Com a empresa CTT privatizada apenas por razões ideológicas e para servir grupos privados, vamos ficar à espera do desastre total? Na UE só há três ou quatro países em que os Correios são controlados por privados. Será que vamos ter efetivo serviço público com provisão privada?
Em múltiplos casos, e em concreto nos CTT, é evidente que a empresa privada leva a prestação do serviço público apenas, e só, até onde ele é rentável. Para a gestão atual, quem determina o limite é o jogo da financeirização da economia e não os interesses dos portugueses e as estratégias de desenvolvimento regional. Ora, um serviço público tem de ir até onde é necessário, até onde estão as pessoas.
A degradada situação dos CTT não se resolverá com a Anacom a aplicar multas por a empresa não cumprir obrigações estabelecidas. A Anacom não impedirá distribuições de dividendos muito superiores aos lucros, nem tem meios para influenciar um bom destino para estes. A Anacom não travará processos de "reestruturação" que podem fazer desaparecer partes fundamentais da estrutura e da missão atual e futura que os CTT devem ter.
Estamos perante uma inquestionável violação de obrigações estabelecidas no contrato de concessão. Discutam-se, então, os cenários de saída: o regaste da concessão e medidas complementares, a renacionalização, outras formas de controlo público. Mas não se pode permitir que quem se apoderou dos CTT tenha condições para separar os ossos da carne, deitando a mão a esta. Os CTT devem ser públicos.O Mundo, como gostam de repetir os neoliberais, está em mudança rápida. Mas o sentido da mudança surpreende-os muitas vezes. Em vários países europeus, nomeadamente nos que têm longa experiência das consequências das privatizações dos serviços públicos, como a Inglaterra, o que está a ser exigido é a nacionalização dos caminhos de ferro, das redes de energia, dos correios. É preciso que a luta dos trabalhadores dos CTT e das populações seja forte.
Manuel Carvalho da Silva in “Jornal de Notícias" – 18/2/2018