Manuel Champalimaud, o maior acionista dos CTT, disse em
entrevista ao "Expresso" que "os CTT, quer queiram quer não, ou
se modificam e daqui a cinco anos estão totalmente diferentes ou desaparecem",
acrescentado que "os CTT têm de estar irreconhecíveis daqui a cinco
anos". Há nestas afirmações um determinismo que deve ser levado muito a
sério.
Desde os trabalhadores da empresa ao Governo, do poder
autárquico aos partidos políticos, até aos portugueses em geral, todos devem
ser chamados a pronunciar-se sobre os rumos possíveis, visando salvaguardar os
interesses das pessoas e a prestação do serviço público. Não se pode admitir,
por distração política, por oportunismo, ou por cedência a interesses egoístas,
o desaparecimento total ou parcelar das principais funções que a empresa
corporiza.
As comunicações desempenharam, desde sempre, um papel
fundamental e estratégico na organização e desenvolvimento das sociedades,
nomeadamente nos campos da defesa, da economia, da estruturação e preservação
dos estados, bem como em aspetos múltiplos dos processos de socialização. Esse
papel relevante reforça-se a cada dia com a ampliação dos meios tecnológicos
disponíveis.
Há uma dúzia de anos, porque incluí na minha tese de
doutoramento um capítulo sobre a PT, analisei a evolução do setor das
comunicações e telecomunicações. Os CTT, com toda a sua tradição enquadrada na
Administração Pública, foram transformados em empresa pública em 1969. Dela
emanou, em 1981, o Instituto das Comunicações de Portugal (hoje Anacom-ICP).
Este instituto público, dotado de autonomia administrativa e financeira, só
iniciou a sua atividade em 1989. Surgiu, pois, como regulador, devidamente
orientado no enquadramento dado pela União Europeia, depois de esta ter posto
em marcha o processo de privatização do serviço telefónico. Entretanto, em 1992
é feita a cisão dos CTT, separando o setor dos correios do setor das
telecomunicações para este ser uma base fundamental da criação da PT.
Quanto à PT, os portugueses já constataram o significado
da "excelência" da gestão, paga principescamente, ao serviço de
negócios promíscuos e da oferta de chorudos dividendos a acionistas.
Com a empresa CTT privatizada apenas por razões
ideológicas e para servir grupos privados, vamos ficar à espera do desastre
total? Na UE só há três ou quatro países em que os Correios são controlados por
privados. Será que vamos ter efetivo serviço público com provisão privada?
Em múltiplos casos, e em concreto nos CTT, é evidente que
a empresa privada leva a prestação do serviço público apenas, e só, até onde
ele é rentável. Para a gestão atual, quem determina o limite é o jogo da
financeirização da economia e não os interesses dos portugueses e as
estratégias de desenvolvimento regional. Ora, um serviço público tem de ir até
onde é necessário, até onde estão as pessoas.
A degradada situação dos CTT não se resolverá com a
Anacom a aplicar multas por a empresa não cumprir obrigações estabelecidas. A
Anacom não impedirá distribuições de dividendos muito superiores aos lucros,
nem tem meios para influenciar um bom destino para estes. A Anacom não travará
processos de "reestruturação" que podem fazer desaparecer partes fundamentais
da estrutura e da missão atual e futura que os CTT devem ter.
Estamos perante uma inquestionável violação de obrigações
estabelecidas no contrato de concessão. Discutam-se, então, os cenários de
saída: o regaste da concessão e medidas complementares, a renacionalização,
outras formas de controlo público. Mas não se pode permitir que quem se
apoderou dos CTT tenha condições para separar os ossos da carne, deitando a mão
a esta. Os CTT devem ser públicos.O Mundo, como gostam de repetir os neoliberais, está em
mudança rápida. Mas o sentido da mudança surpreende-os muitas vezes. Em vários
países europeus, nomeadamente nos que têm longa experiência das consequências
das privatizações dos serviços públicos, como a Inglaterra, o que está a ser
exigido é a nacionalização dos caminhos de ferro, das redes de energia, dos
correios. É preciso que a luta dos trabalhadores dos CTT e das populações seja
forte.
Manuel Carvalho da Silva in “Jornal de Notícias" – 18/2/2018