9.2.17

CINEMA: Perguntas sem azedume

"Querida é a edil, que coalha as mentiras pelo seu funil"
Eu sei que Alter do Chão é quase uma cidade e tem o dobro de habitantes do concelho de Nisa. A mesma ideia se aplica em relação a Vila Velha de Ródão, aqui ao lado, ambas vilas e sedes de concelho, onde há sessões de cinema todos os fins de semana. É o que se chama uma população cinéfila. Como Nisa em tempos foi - e não sei se terá deixado de ser - com uma programação cinematográfica digna das melhores salas do país. Agora, é o que se (não) vê! Podia perguntar, sem azedume, por que é que isto acontece, mas já sei a resposta, antecipada. A Câmara, a anterior, a da outra senhora, só deixou dívidas e mais dívidas. Sequelas que a dinâmica obreira do presente camarário se tem disposto a resolver e ou a aniquilar. Resolver, seria, por exemplo, colocar a ADN nos eixos, ou seja no principal caminho e objectivo para que devia estar concentrada: a (re)organização e gestão da Etaproni. Assim e de uma cajadada mataram-se dois coelhos: fechou-se, de vez, a Etaproni, facilitando as rosas e as rosetas do concelho vizinho (mantendo-se o discurso, qual Trump(a) caseiro, de que Nisa está primeiro) e aniquilou-se a ADN, sem apelo nem agravo.
Falemos, então, dos 40 anos de poder local, em Nisa, porque nesta terra ainda há quem tenha memória. Os dois primeiros mandatos autárquicos (1976-1979; 1979-1982) foram de gestão socialista. Dois presidentes de Câmara sérios, que fizeram coisas boas e coisas menos boas. Nunca foram questionados ou obstaculizados (antes pelo contrário, pela oposição). Fizeram obras - algumas a contra-gosto, quanto ao local, mas necessárias e indispensáveis - e, naturalmente, deixaram dívidas que os executivos subsequentes tiveram que ir amortizando. Não veio mal ao mundo, houve investimento, trabalho (principalmente mão de obra local) supriram-se enormes carências básicas da população de um concelho, o nosso, com 20 povoações.
E, é preciso que se diga, de forma clara, que, graças ao poder local conseguiu estancar-se uma das principais "sangrias" de que o concelho padecia: o êxodo rural, o abandono das terras, a desertificação humana. Nunca houve, por parte dos elencos municipais subsequentes a 1982 -os documentos estão aí para o comprovar - qualquer alusão a dívidas ou erros de gestão anteriores - para justificar o que quer que fosse e, principalmente, a incapacidade de mostrar obra e clareza programática de objectivos municipais como no presente acontece.
O concelho está moribundo, inerte, tem cada vez menos gente e não são os Tonis Carreiras (que respeito, enquanto pessoa) nem as montras iluminadas do Posto de Turismo (sem qualquer nota de desprimor para quem, profissionalmente, executa esse trabalho) ou a pseudo agenda cultural,  que lhe dá vida e imprime o ritmo do progresso.
A saída da Naturtejo - pensada e executada por uma só "cabeça"- sem justificação de qualquer ordem, tirou (e nada acrescentou) uma mais valia ao concelho.
O estilo de trabalho da Câmara - um executivo de cinco eleitos - faz lembrar os tempos da monarquia mais conservadora e retrógada. Não se estimula - antes pelo contrário - a participação democrática, o debate dos problemas, a análise e discussão das grandes linhas de força do desenvolvimento do concelho. Concentrou-se o poder numa só pessoa, um poder autocrático, em que tudo gira à sua volta e como se não houvesse mais vida para além da cabeça bem pensante da praça do pelourinho. 
Não foi este, o tipo de Poder Local imaginado pelos capitães de Abril. Não foi este o Poder Local Democrático vigente, em Portugal, até meados dos anos 80. Ser autarca era uma honra. Um louvor e reconhecimento por parte da população e um orgulho para quem, eleito, a pudesse servir e resolver problemas e carências de vária ordem.
Hoje, ser autarca - o fato, à medida, não serve a todos - é uma garantia de emprego, de poder e de gestão de negócios. Uns, claros; outros, bem obscuros.
Ah! Falávamos de cinema. Dos espectáculos que havia e já não há. A vida é um filme com um epílogo que tanto pode ser fascinante como doloroso. A vida, como a gestão camarária e outras gestões, é para ser partilhada. Ninguém sabe tudo e todos não sabem nada. Vem-me à memória um poema de Brecht (Quem construiu Tebas, a das sete portas...) no qual alude à importância dos construtores, dos operários e cidadãos anónimos que construíram a cidade. A história regista o nome dos reis e dos "importantes" (também de alguns tiranos), mas nem uns nem outros são nada sem aqueles que lhe dão sustento, seja pelo voto, seja pelos impostos, seja pelo trabalho.
Vivemos em democracia, em liberdade, com direito de expressarmos a nossa opinião e de criticarmos o que nos parece mal. Um poder local democrático, que sabe ouvir, que estimula a população a participar na gestão da coisa pública; que decide em função da análise das opiniões e dos anseios dessa população, só pode orgulhar-se de ser alvo de crítica. É sinal de que, por um lado, nem tudo corre sobre rodas e de, por outro, haver cidadãos (munícipes) atentos que não alienam o seu pensamento por "dá cá aquela palha". 
A crítica é a arte de melhorar a vida e, para um verdadeiro autarca, devia constituir um bálsamo para enfrentar cada dia.
Recorrer, frequentemente, à alusão aos "outros", de outra "cor" - já passaram mais de três anos, caramba!-, o endereçar de culpas ao passado, é, só por si, revelador de um estado de espírito de quem não está bem consigo próprio e com a sua consciência.
E tem consciência da fragilidade do trabalho desenvolvido!
Mário Mendes