INTERVENÇÃO DE JOAQUIM MIRANDA - 21/2/1981
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o
Sr. Deputado Joaquim Miranda.
O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Presidente, Srs.
Deputados: São evidentes e reconhecidos os desequilíbrios regionais. O distrito
de Portalegre não foge à regra.
Com a mais baixa população do continente, sendo embora o
sexto em termos de área; com uma população activa que em 1970 ultrapassava em
pouco as 58 000 pessoas, das quais 57 % ligadas à agricultura; localizado no
interior, o distrito de Portalegre é uma região extremamente carenciada e com
problemas a que urge dar solução.
O peso do sector agrícola é evidente e é nele mesmo que
surgem situações confrangedoras.
As zonas regadas não são devidamente aproveitadas, como
acontece no período de rega do Caia, e aos projectos existentes não é dada
execução. Assim acontece com a barragem de Pisão, de importância fundamental para
os concelhos de Crato e Alter do Chão; com a barragem da Apertadura, em Marvão,
com elevado significado para o desenvolvimento agrícola deste concelho e
decisiva para o regular abastecimento de água de Portalegre, particularmente
agora que se avança para a instalação de uma zona industrial, e é ainda o caso
do projecto de Alqueva que, sendo embora de maior relevância para outros
distritos, beneficiará também algumas zonas dos concelhos do sul do distrito.
É conhecida a importância da pecuária no sector primário.
Mas o matadouro regional de Portalegre - para a instalação do qual já foram
adquiridos terrenos -, vital para o desenvolvimento da pecuária,
particularmente se integrado num plano mais vasto de recolha e abate de gado,
não é iniciado.
Não é dado qualquer apoio à introdução de novas culturas, e
as experiências positivas existentes, nomeadamente com o tabaco - introduzido
pelas cooperativas da Reforma Agrária -, ou com o algodão - cujos resultados
obtidos nas experiências feitas em Elvas parece terem sido animadores -, não
são minimamente fomentadas.
Ao nível da florestação existem projectos, alguns
ambiciosos, como o da serra de S. Mamede. Mas não se passa dos projectos. E é
elucidativo, neste campo, que até há relativamente pouco tempo, e talvez hoje
ainda, não esteja colocado na capital do distrito um único engenheiro
silvicultor.
É evidente que tais factos, a par com a sistemática
destruição das unidades colectivas e cooperativas da Reforma Agrária, com o
abandono sistemático das terras pelos reservatários e com o fraco peso dos
outros sectores de actividade, vão-se traduzindo num crescente aumento do
desemprego, hoje novamente um dos maiores problemas do distrito.
No campo das indústrias agro-alimentares e outras ligadas à
agricultura muito poderia e deveria ser feito, mas pouco existe. E esta é uma
área económica que pensamos ser de privilegiar e fomentar.
De resto, toda a actividade (industrial é limitada, como se
depreende da fraca população activa que lhe ; adstrita - 15% em 1970 -, pese
embora a existência de algumas unidades de razoável dimensão e significado
económico.
Mas se a realidade é esta e se dela deveria decorrer um
impulso à introdução de novas unidades industriais, os factos mostram, ao
contrário, que mesmo algumas das existentes estão a encerrar, como acontece com
as de menor dimensão do sector corticeiro, nomeadamente em Ponte de Sor ou com
a IFAL, no concelho de Gavião.
Outras laboram com tecnologia ultrapassada, daí resultando
quer baixas produtividades e falta de competitividade quer os inevitáveis
acidentes de trabalho, como o recentemente verificado na empresa Robinson, em
Portalegre, onde um operário foi fatalmente triturado por uma máquina.
Por outro lado, outras há que vão sendo alvo de negociatas
obscuras com multinacionais, como é o caso da Cimbor, em Ponte de Sor, virada
para o fabrico de produtos de borracha, cujas instalações foram vendidas à
General Motors após despedimento colectivo de cerca de 200 trabalhadores, sem
que lhes tenha sequer sido previamente garantido emprego na empresa a
constituir.
E não deixa de ser significativo que os governos da «AD» não
tenham dado qualquer resposta a um requerimento formulado pelo Grupo
Parlamentar do PCP na sessão legislativa anterior sobre o assunto, mesmo
estando em causa a venda de uma empresa cujo capital social era
maioritariamente de um banco nacionalizado, o Banco Português do Atlântico.
E que dizer ainda das reservas de urânio em Nisa? Conhece-se
a sua importância, mas nada se sabe, nem as próprias autarquias, quanto às intenções
do actual Governo sobre as mesmas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O papel das autarquias
locais poderá ser relevante - e sê-lo-á - para a modificação deste estado de
coisas.
Mas como se não bastasse já o não cumprimento integral da
Lei de Finanças Locais, assiste-se ainda, para agravar a situação, ao
protelamento e a um verdadeiro boicote por parte do Governo aos inúmeros
projectos de investimentos intermunicipais.
São estações de tratamento de lixo que não avançam: são
albufeiras para abastecimento de água às populações que não se constroem, como
a de Gáfete; são iniciativas no campo turístico que se adiam, como as que se
pretendem para as barragens de Póvoa e Meadas e do Caia.
E a propósito do turismo quero salientar a importância que a
recente constituição da Comissão Regional de Turismo de S. Mamede pode
representar para o desenvolvimento do distrito de Portalegre, embora seja
evidente que não basta a sua existência e sejam conhecidas as manobras que a
têm envolvido.
Importa, antes de mais, melhorar as vias de comunicação,
particularmente rodoviárias e ferroviárias, quer com vista a uma mais rápida
ligação com o exterior, quer facilitando as deslocações entre as diversas zonas
do distrito.
A restauração da estrada entre Portalegre e Estremoz é urgente;
as obras que desde há anos vem sendo efectuadas na estrada que liga Monforte à
fronteira devem ser definitivamente concluídas; o projecto antigo para uma
outra entre Portalegre e Alter do Chão importa que seja iniciado.
Impõe-se o aproveitamento, apetrechamento e divulgação das
ricas potencialidades turísticas, como é o caso do triângulo constituído por
Portalegre, Marvão e Castelo de Vide; impõe-se a instalação de infra-estruturas
mínimas, nomeadamente junto das várias barragens existentes e particularmente
nas de Póvoa e Meadas, Caia, Montargil, Maranhão, Belver e Fratel, já hoje
bastante procuradas, quer por nacionais de mais fracos recursos ou praticantes
da pesca desportiva, quer por espanhóis das zonas fronteiriças.
Impõe-se que as termas como as de Castelo de Vide e Cabeço
de Vide não tenham o fim alcançado por outras, como as de Fadagosa,
recentemente encerradas por não disporem dê um mínimo de condições.
É necessário, evidentemente, fazer o levantamento, preservar
e divulgar o rico património arqueológico monumental e artístico e acarinhar o
artesanato local.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não confundimos
desenvolvimento com crescimento nem mesmo com desenvolvimento económico. O
desenvolvimento carece de ser encarado numa perspectiva mais ampla e
eminentemente social.
Daí que aborde ainda algumas outras questões que, quanto a
nós, devem merecer a melhor atenção, senão mesmo tratamento prioritário.
Concelhos há ainda no distrito dei Portalegre sem que
qualquer escola oficial de ensino secundário. Os cursos complementares são
apenas ministrados em Portalegre, Elvas e Ponte de Sor, havendo alunos que
efectuam diariamente percursos de 70
km e 80
km para assistirem às aulas respectivas; aí temos a
selectividade e o insucesso escolar. Alunos há que por falta de transportes com
horários adequados e sem condições financeiras para se instalarem nas
localidades referidas saem de casa às 6 horas da manhã, regressando a elas às 7
ou 8 horas da noite; e a droga, a prostituição e outras situações de igual dramatismo
naturalmente proliferam.
A falta de professores profissionalizados é grande; as
condições de acesso à profissionalização e de fixação é má; e, evidentemente, a
qualidade de ensino é confrangedora.
Não existe qualquer estabelecimento de ensino superior, e a
de há muito prometida escola de ensino superior curto vai sendo aditada.
Pouco ou nada é feito no campo da alfabetização Mas logo que
surgem grupos culturais que se lançam nessa e noutras actividades, como o
«Semeador». de Portalegre, que já alfabetizou mais de 200 pessoas, 55 das quais
aprovadas em exame da 4.ª classe; que têm em actividade um grupo de teatro que
levou à cena 10 peças por todo o distrito; que criou uma escola de música hoje
frequentada por 70 alunos dos 5 aos 15 anos; que agora está empenhado na
recolha e publicação de obras e textos evocativos do património cultural,
artístico e histórico da cidade de Portalegre, quando surgem tais grupos
culturais, dizia, de imediato aparecem também as recusas de apoio, as
tentativas de os liquidar.
Na verdade, que outra classificação se poderá dar à recusa
de atribuição de um subsídio para alfabetização a este grupo, o que pela
primeira acontece, quando ela apenas se fundamenta numa informação negativa do
Governo Civil, que se baseia em inadmissíveis e antidemocráticos critérios de
discriminação política?
É ainda no campo cultural que outras situações ocorrem
dignas da maior apreensão.
Três dos 5 abrigos pré-históricos pintados conhecidos em
Portugal encontram-se na serra de Louções, no concelho de Arronches. Pois o
único aproveitamento que deles é feito é, precisamente, como abrigo de
caçadores, que ali fazem lume em dias invernosos.
No local conhecido por Vidrais, em Santo António das
Areias, encontram-se vestígios de diversas civilizações, nomeadamente do
neolítico, Idade do Ferro e romana. Aí a pilhagem dos objectos é permanente, ao
ponto de ainda recentemente uma pessoa da região vendia machados de pedra a
quem os quisesse comprar e pedia por uma ânfora romana intacta 150$.
Os exemplos poderiam ser multiplicados tantas vezes quantos
os diversos achados arqueológicos dispersos por todo o distrito, nomeadamente e
para além dos já referidos, os de Aramenha, de Vaiamonte, Crato, Ervedal, Ponte
de Sor, Nisa; tão diversos que hoje podemos ver no Museu Arqueológico dos
Jerónimos, entre os melhores painéis de mosaicos romanos ali existentes, os da
Villa Lusitano -Romana, de Torre de Palma; em museus do Porto encontramos
objectos de Vidrais; em museus da RFA, moedas de S. Salvador de Aramenha.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este estado de coisas tem de
acabar. Mas a política seguida pela «AD» e pelos seus governos não resolve os
problemas das populações; agrava-os. É uma política centralizadora e
obscurantista. Numa palavra, antidemocrática.
É pois imperioso iniciar uma nova política, que ponha cobro
às situações como as que agora referi.
Uma política que se proponha terminar com as assimetrias
regionais, que avance com a descentralização, que reconheça os direitos das
autarquias locais, que acarinhe e fomente a participação das populações no
equacionamento e resolução dos seus problemas e aspirações."
Aplausos do PCP, do MDP/CDE, da UEDS e do deputado António
Arnaut do PS.
21/2/1981 – Págs 1121 /22