24.5.12

Memórias Parlamentares: Intervenções sobre o Alentejo

INTERVENÇÃO DE JOAQUIM MIRANDA - 21/2/1981
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Miranda.
O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: São evidentes e reconhecidos os desequilíbrios regionais. O distrito de Portalegre não foge à regra.
Com a mais baixa população do continente, sendo embora o sexto em termos de área; com uma população activa que em 1970 ultrapassava em pouco as 58 000 pessoas, das quais 57 % ligadas à agricultura; localizado no interior, o distrito de Portalegre é uma região extremamente carenciada e com problemas a que urge dar solução.
O peso do sector agrícola é evidente e é nele mesmo que surgem situações confrangedoras.
As zonas regadas não são devidamente aproveitadas, como acontece no período de rega do Caia, e aos projectos existentes não é dada execução. Assim acontece com a barragem de Pisão, de importância fundamental para os concelhos de Crato e Alter do Chão; com a barragem da Apertadura, em Marvão, com elevado significado para o desenvolvimento agrícola deste concelho e decisiva para o regular abastecimento de água de Portalegre, particularmente agora que se avança para a instalação de uma zona industrial, e é ainda o caso do projecto de Alqueva que, sendo embora de maior relevância para outros distritos, beneficiará também algumas zonas dos concelhos do sul do distrito.
É conhecida a importância da pecuária no sector primário. Mas o matadouro regional de Portalegre - para a instalação do qual já foram adquiridos terrenos -, vital para o desenvolvimento da pecuária, particularmente se integrado num plano mais vasto de recolha e abate de gado, não é iniciado.
Não é dado qualquer apoio à introdução de novas culturas, e as experiências positivas existentes, nomeadamente com o tabaco - introduzido pelas cooperativas da Reforma Agrária -, ou com o algodão - cujos resultados obtidos nas experiências feitas em Elvas parece terem sido animadores -, não são minimamente fomentadas.
Ao nível da florestação existem projectos, alguns ambiciosos, como o da serra de S. Mamede. Mas não se passa dos projectos. E é elucidativo, neste campo, que até há relativamente pouco tempo, e talvez hoje ainda, não esteja colocado na capital do distrito um único engenheiro silvicultor.
É evidente que tais factos, a par com a sistemática destruição das unidades colectivas e cooperativas da Reforma Agrária, com o abandono sistemático das terras pelos reservatários e com o fraco peso dos outros sectores de actividade, vão-se traduzindo num crescente aumento do desemprego, hoje novamente um dos maiores problemas do distrito.
No campo das indústrias agro-alimentares e outras ligadas à agricultura muito poderia e deveria ser feito, mas pouco existe. E esta é uma área económica que pensamos ser de privilegiar e fomentar.
De resto, toda a actividade (industrial é limitada, como se depreende da fraca população activa que lhe ; adstrita - 15% em 1970 -, pese embora a existência de algumas unidades de razoável dimensão e significado económico.
Mas se a realidade é esta e se dela deveria decorrer um impulso à introdução de novas unidades industriais, os factos mostram, ao contrário, que mesmo algumas das existentes estão a encerrar, como acontece com as de menor dimensão do sector corticeiro, nomeadamente em Ponte de Sor ou com a IFAL, no concelho de Gavião.
Outras laboram com tecnologia ultrapassada, daí resultando quer baixas produtividades e falta de competitividade quer os inevitáveis acidentes de trabalho, como o recentemente verificado na empresa Robinson, em Portalegre, onde um operário foi fatalmente triturado por uma máquina.
Por outro lado, outras há que vão sendo alvo de negociatas obscuras com multinacionais, como é o caso da Cimbor, em Ponte de Sor, virada para o fabrico de produtos de borracha, cujas instalações foram vendidas à General Motors após despedimento colectivo de cerca de 200 trabalhadores, sem que lhes tenha sequer sido previamente garantido emprego na empresa a constituir.
E não deixa de ser significativo que os governos da «AD» não tenham dado qualquer resposta a um requerimento formulado pelo Grupo Parlamentar do PCP na sessão legislativa anterior sobre o assunto, mesmo estando em causa a venda de uma empresa cujo capital social era maioritariamente de um banco nacionalizado, o Banco Português do Atlântico.
E que dizer ainda das reservas de urânio em Nisa? Conhece-se a sua importância, mas nada se sabe, nem as próprias autarquias, quanto às intenções do actual Governo sobre as mesmas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O papel das autarquias locais poderá ser relevante - e sê-lo-á - para a modificação deste estado de coisas.
Mas como se não bastasse já o não cumprimento integral da Lei de Finanças Locais, assiste-se ainda, para agravar a situação, ao protelamento e a um verdadeiro boicote por parte do Governo aos inúmeros projectos de investimentos intermunicipais.
São estações de tratamento de lixo que não avançam: são albufeiras para abastecimento de água às populações que não se constroem, como a de Gáfete; são iniciativas no campo turístico que se adiam, como as que se pretendem para as barragens de Póvoa e Meadas e do Caia.
E a propósito do turismo quero salientar a importância que a recente constituição da Comissão Regional de Turismo de S. Mamede pode representar para o desenvolvimento do distrito de Portalegre, embora seja evidente que não basta a sua existência e sejam conhecidas as manobras que a têm envolvido.
Importa, antes de mais, melhorar as vias de comunicação, particularmente rodoviárias e ferroviárias, quer com vista a uma mais rápida ligação com o exterior, quer facilitando as deslocações entre as diversas zonas do distrito.
A restauração da estrada entre Portalegre e Estremoz é urgente; as obras que desde há anos vem sendo efectuadas na estrada que liga Monforte à fronteira devem ser definitivamente concluídas; o projecto antigo para uma outra entre Portalegre e Alter do Chão importa que seja iniciado.
Impõe-se o aproveitamento, apetrechamento e divulgação das ricas potencialidades turísticas, como é o caso do triângulo constituído por Portalegre, Marvão e Castelo de Vide; impõe-se a instalação de infra-estruturas mínimas, nomeadamente junto das várias barragens existentes e particularmente nas de Póvoa e Meadas, Caia, Montargil, Maranhão, Belver e Fratel, já hoje bastante procuradas, quer por nacionais de mais fracos recursos ou praticantes da pesca desportiva, quer por espanhóis das zonas fronteiriças.
Impõe-se que as termas como as de Castelo de Vide e Cabeço de Vide não tenham o fim alcançado por outras, como as de Fadagosa, recentemente encerradas por não disporem dê um mínimo de condições.
É necessário, evidentemente, fazer o levantamento, preservar e divulgar o rico património arqueológico monumental e artístico e acarinhar o artesanato local.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não confundimos desenvolvimento com crescimento nem mesmo com desenvolvimento económico. O desenvolvimento carece de ser encarado numa perspectiva mais ampla e eminentemente social.
Daí que aborde ainda algumas outras questões que, quanto a nós, devem merecer a melhor atenção, senão mesmo tratamento prioritário.
Concelhos há ainda no distrito dei Portalegre sem que qualquer escola oficial de ensino secundário. Os cursos complementares são apenas ministrados em Portalegre, Elvas e Ponte de Sor, havendo alunos que efectuam diariamente percursos de 70 km e 80 km para assistirem às aulas respectivas; aí temos a selectividade e o insucesso escolar. Alunos há que por falta de transportes com horários adequados e sem condições financeiras para se instalarem nas localidades referidas saem de casa às 6 horas da manhã, regressando a elas às 7 ou 8 horas da noite; e a droga, a prostituição e outras situações de igual dramatismo naturalmente proliferam.
A falta de professores profissionalizados é grande; as condições de acesso à profissionalização e de fixação é má; e, evidentemente, a qualidade de ensino é confrangedora.
Não existe qualquer estabelecimento de ensino superior, e a de há muito prometida escola de ensino superior curto vai sendo aditada.
Pouco ou nada é feito no campo da alfabetização Mas logo que surgem grupos culturais que se lançam nessa e noutras actividades, como o «Semeador». de Portalegre, que já alfabetizou mais de 200 pessoas, 55 das quais aprovadas em exame da 4.ª classe; que têm em actividade um grupo de teatro que levou à cena 10 peças por todo o distrito; que criou uma escola de música hoje frequentada por 70 alunos dos 5 aos 15 anos; que agora está empenhado na recolha e publicação de obras e textos evocativos do património cultural, artístico e histórico da cidade de Portalegre, quando surgem tais grupos culturais, dizia, de imediato aparecem também as recusas de apoio, as tentativas de os liquidar.
Na verdade, que outra classificação se poderá dar à recusa de atribuição de um subsídio para alfabetização a este grupo, o que pela primeira acontece, quando ela apenas se fundamenta numa informação negativa do Governo Civil, que se baseia em inadmissíveis e antidemocráticos critérios de discriminação política?
É ainda no campo cultural que outras situações ocorrem dignas da maior apreensão.
Três dos 5 abrigos pré-históricos pintados conhecidos em Portugal encontram-se na serra de Louções, no concelho de Arronches. Pois o único aproveitamento que deles é feito é, precisamente, como abrigo de caçadores, que ali fazem lume em dias invernosos.
No local conhecido por Vidrais, em Santo António das Areias, encontram-se vestígios de diversas civilizações, nomeadamente do neolítico, Idade do Ferro e romana. Aí a pilhagem dos objectos é permanente, ao ponto de ainda recentemente uma pessoa da região vendia machados de pedra a quem os quisesse comprar e pedia por uma ânfora romana intacta 150$.
Os exemplos poderiam ser multiplicados tantas vezes quantos os diversos achados arqueológicos dispersos por todo o distrito, nomeadamente e para além dos já referidos, os de Aramenha, de Vaiamonte, Crato, Ervedal, Ponte de Sor, Nisa; tão diversos que hoje podemos ver no Museu Arqueológico dos Jerónimos, entre os melhores painéis de mosaicos romanos ali existentes, os da Villa Lusitano -Romana, de Torre de Palma; em museus do Porto encontramos objectos de Vidrais; em museus da RFA, moedas de S. Salvador de Aramenha.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este estado de coisas tem de acabar. Mas a política seguida pela «AD» e pelos seus governos não resolve os problemas das populações; agrava-os. É uma política centralizadora e obscurantista. Numa palavra, antidemocrática.
É pois imperioso iniciar uma nova política, que ponha cobro às situações como as que agora referi.
Uma política que se proponha terminar com as assimetrias regionais, que avance com a descentralização, que reconheça os direitos das autarquias locais, que acarinhe e fomente a participação das populações no equacionamento e resolução dos seus problemas e aspirações."
Aplausos do PCP, do MDP/CDE, da UEDS e do deputado António Arnaut do PS.
21/2/1981 – Págs 1121 /22