26.1.12

DORA MARIA entrevistada pelo "O Mirante"

Dora Maria, a fadista com raízes nisenses, deu uma interessante entrevista ao semanário "O Mirante", um dos mais importantes órgãos de comunicação da imprensa regional e particularmente do Ribatejo.
Aqui deixamos registada as impressões da nossa conterrânea, com a devida vénia ao jornal "O Mirante".
Dora Maria é uma fadista que gosta de cantar o mar e o amor e que já se desiludiu da aventura na política
A professora de Abrantes que canta o fado a dançar
Dora Maria, 36 anos, lançou em Abril do ano passado o seu primeiro trabalho: “Mar de Tanto Amar”. No domingo, 29 de Janeiro, pelas 16h00, é este espectáculo que leva a todos os que acorrerem ao Cine-Teatro da Chamusca, terra natal de dois dos seus acompanhantes, Bruno Mira, na guitarra portuguesa, e João Chora, na viola de fado. Pretexto para conhecermos um pouco melhor esta professora de Abrantes que dá aulas em Alpiarça e canta o fado a dançar, espontaneamente.
Começou a ouvir a mãe a cantar fado para os amigos e para a família. Aquilo soava-lhe bem aos ouvidos. Dora Maria, voz rouca a emoldurar um rosto bonito, diz que sempre gostou de cantar, fosse fado ou outro género musical. Fez parte de um coro da igreja, participou em festivais da canção infantil, enfim, em tudo o que metia música à mistura.
Apesar de ter renegado o fado na adolescência, nos anos 80, “porque era foleiro os jovens cantarem o fado”, havia de se render à arte mais tarde, quando foi estudar Português-Francês para Beja. Com a música sempre a palpitar no coração, entrou para a Tuna Académica, da qual fez parte cinco anos. “Havia alguns fados no repertório e, como viram que tinha algum jeito para a coisa, puseram-me como solista. Lembro-me que cantava Dulce Pontes, que era uma nova forma de cantar fado”, conta a O MIRANTE numa sala da Casa Museu dos Patudos, em Alpiarça, vila para onde se desloca todos os dias de Abrantes para dar aulas de ensino básico.
Foi com 18 anos que se apercebeu que não podia viver sem cantar fado. “Aquilo sai-me com toda a alma e procurei cantar numa casa de fados em Beja, chamada Ufos, por onde passaram nomes como Ana Sofia Varela e o António Zambujo”, recorda.
Na altura, apesar de ser mais nova, a razão falou mais alto que o coração. Não querendo descurar os exames, uma vez que se encontrava no último ano do curso, lamenta ter rejeitado o convite de um grupo que ia actuar no Pavilhão da Argentina, durante a EXPO’98. “Ouviram-me e consideravam que seria interessante aliar o tango ao fado. Mas não aceitei. Se calhar teria sido uma experiência única”, reconhece.
Amor e mar
Não é que desgoste de ser professora mas é a cantar fado que se sente realizada, até porque é uma actividade que respeita os seus horários de noctívaga assumida. “Gosto de viver de noite e dormir de dia. Gosto da noite e custa-me imenso levantar cedo. Mas as coisas não estão fáceis e tenho que empurrar as minhas duas vocações, os meus dois barcos”, atesta.
A linguagem empregue remete para o nome do seu primeiro álbum, lançado em Abril de 2011, que se chama “Mar de Tanto Amar”. Dora Maria gosta de cantar o mar e o amor, unindo-os em metáforas. Foi ela que escreveu o poema que dá nome ao CD, que pode ser comprado após os seus espectáculos ou através da página de fãs que tem no facebook. Ao todo canta 14 temas alguns dos quais com sonoridades originais emprestadas pela arte do acordeão de André Natanael Teixeira ou pela flauta transversal de Ricardo Alves.
Tem em Amália Rodrigues, Fernando Farinha, Fernando Maurício as suas referências musicais, admirando ainda alguns fadistas da sua geração como Kátia Guerreiro ou Ricardo Ribeiro.
“A minha política é a música”
Dora Maria Valente Caldeira nasceu em Lisboa a 19 de Junho de 1975 mas com sete meses os pais mudam-se para Abrantes, numa tentativa de aproximação às suas raízes alentejanas de Nisa, Portalegre. Nunca actuou nas festas do concelho de Abrantes mas já subiu ao palco do Cine-Teatro S. Pedro. Recorda que antes de começar a cantar com a nova formação de músicos (Bruno Mira e João Chora) pertenceu, durante alguns anos, a um grupo de fados amador de Abrantes mas pouco se passava na cidade.
“Abriu um restaurante na cidade e desafiei para que se fizesse lá uma noite de fados pelo menos uma vez por mês. Neste momento, tem havido noites de fados em Abrantes em restaurantes, associações ou salões”, conta satisfeita por ter espoletado a rotina de fado em Abrantes.
No seu trajecto, a fadista abrantina conta ainda com uma passagem pela política que a desencantou. Numa altura em que quis ter uma participação mais activa como cidadã concorreu nas últimas autárquicas à presidência da Junta de Freguesia de Alferrarede pelo PSD. Perdeu para o candidato socialista, acabando por ser eleita membro da assembleia de freguesia.
Apesar da desilusão não se arrepende. “Foi uma experiência pela qual me dei de alma e coração mas, sinceramente, não tenho vontade de continuar. Vou cumprir o mandato até ao fim mas depois saio. A minha política é a música”, atesta.
Uma tarde de fados na Chamusca
O espectáculo “Mar de Tanto Amar” que sobe ao Cine-Teatro da Chamusca no domingo, 29 de Janeiro, realiza-se de tarde para ir ao encontro das pessoas desta terra. Ao longo da tarde vão ser cantados 17 ou 18 fados de compositores tradicionais, dois originais (com composição de José Horta, músico do Tramagal e poemas de José Alberto Marques, um poeta de Abrantes).
Em cima do palco, André Natanael Teixeira (acordeão) e Ricardo Alves (flauta transversal), emprestam sonoridades diferentes ao fado. Na guitarra portuguesa está Bruno Mira e na viola ao fado João Chora que é convidado para cantar alguma coisa. No contrabaixo vai estar Rui Santos. “Há ainda um momento de poesia, por Raúl Caldeira, porque o trabalho dos poetas é muito importante para os fadistas”, refere Dora Maria.
E se o público está à espera de ver em cima do palco uma fadista estática, a sentir de olhos fechados as palavras, desengane-se. É que Dora Maria não consegue cantar o fado sem ondular a cintura, como se essas palavras a serpenteassem, coreografando o que canta. “Aquilo sai-me espontaneamente, não é premeditado. Se não fossem as pessoas a dizerem-me que o faço, não tinha reparado mas tenho uma vocação para a dança”, refere.
E, por este motivo, os olhos de Dora Maria falam com entusiasmo da estreia do espectáculo “Fados de corpo e alma”, onde João Chora participa com voz, no dia 25 de Fevereiro, no Centro Cultural Gil Vicente, no Sardoal, onde bailarinos de danças de salão vão coreografar fados.
in "O Mirante" – 26/1/2012