Na evocação da camponesa alentejana assassinada há 70 anos (19.5.1954) pelo tenente Carrajola da GNR em Baleizão.
I
A ceifeira, nos trigais,
Traz nas mãos sonhos negados
E os dedos bem calejados
De quem já ceifou demais…
Flancos doendo, agachados,
Entre mil gestos iguais
Evoca uns pontos errados
Destas questões laborais…
Essa ceifeira não chora,
Mas começa a acreditar
Que pode bem estar na hora
De que quem assim a explora
Também se deva agachar
Tal como ela o faz agora…
II
Já não sonha, as dores são tantas
Que só pode trabalhar
Se as abafa nas mil mantas
Que inventa pr`ás disfarçar…
Faltam horas, umas quantas,
Pr`á ordem de “despegar”
E as ceifeiras, como as plantas,
Podem, às tantas, murchar…
Vai longa a jorna, ceifeira!
Já esgotada da labuta,
Tão no auge da canseira
Depois de uma tarde inteira,
Pensa enfim: - Antes a luta
Que viver desta maneira!
III
Reúne os seus companheiros
Da labuta dos trigais,
Fala dos dias inteiros
Sol a sol, sem poder mais,
Lembra a escassez dos dinheiros,
Diz que os patrões, sendo iguais,
Os tratam como aos carneiros
Que abundam nos seus currais…
É dessa reunião,
Que lhes nasce, firmemente,
Uma justa decisão
De exigirem mais do pão
Que é devido a toda a gente
Mas só não falta ao patrão…
IV
Vão em grupo e vão em paz
Falar da fome que sentem
Pois pela fome se faz
Quanto os fartos não consentem…
Encontram o capataz,
Dizem ter fome… e não mentem,
Só o não sabem capaz
De matar os que o enfrentem…
Soa um disparo… a ceifeira
Cai por terra; - O que se passa?
Catarina, à dianteira,
Jaz morta sobre uma leira
Por ter negado a mordaça
De humilhar-se a vida inteira!
* Maria João Brito de Sousa – 26.04.2012