20.2.22

OPINIÃO: Ninho de vespas perigosas

 
Por vezes, a ficção torna-se realidade como acontece na obra de Júlio Verne e quando assistimos a possíveis guerras por recursos energéticos, não podemos esquecer filmes como o Mad Max. No cenário atual, até crianças e idosos aprendem a manusear armas na Ucrânia. A guerra cibernética (Dark Web), as tentativas de atentados e a guerra de nervos geoestratégica, relegaram para as calendas gregas a covid.
Hoje, ainda temos pessoas que não sabem distinguir a Rússia atual da antiga URSS e afirmam a pés juntos que tanto uma como a outra são/foram comunistas. É não perceberem que o partido de Putin domina 324 dos 450 lugares, enquanto o Partido Comunista Russo tem apenas 57 deputados. Talvez fosse importante lerem o recente livro do jornalista, historiador, José Milhazes “A Mais Breve História da Rússia – dos Eslavos a Putin”.
Putin, o autocrata imperialista e autoritário, não esconde as suas preferências pela extrema-direita e recorre à censura e à perseguição. Também não consegue esconder as suas dificuldades com o separatismo inimigo na Geórgia e na Chechénia e o separatismo amigo de Lugansk e Donetsk. Não podemos esquecer o conflito com a Geórgia em 2008, com a invasão de territórios georgianos e assim, podemos perceber o espírito imperialista em curso.
Outra dor de cabeça para Putin é a Ucrânia ser o corredor para a Europa, a servir de tampão entre a Rússia e a Alemanha; ainda mais, quando a Ucrânia se inclina para integrar a NATO e servir os interesses dos Americanos, com a União Europeia a dormir em relação a esta situação. Putin convive bem com extremistas de direita como Viktor Orbán e loucos como Trump. Agora, Bolsonaro quer o apoio de Putin e só nos falta vermos uma romaria com Le Pen, Salvini, Abascal e Ventura a apoiarem Putin.
A Ucrânia tem perdido território para a Rússia, perante o silêncio da comunidade internacional e o melhor exemplo foi a anexação da Crimeia (2014). A possível adesão à NATO e a independência política pró-europeia, mas com perigos ultranacionalistas à espreita, são motivos laterais para uma Rússia que quer ter a garantia do fornecimento energético à Europa, em especial à Alemanha e não quer ver a Ucrânia a influenciar contra a Rússia. A verdade, é que estamos perante um braço-de-ferro entre as oligarquias russa e ucraniana, com as economias a lutarem pela sobrevivência.
A Rússia tem dezenas de milhares de soldados na fronteira com a Ucrânia e Putin fala de uma histeria ocidental. A Ucrânia teme pelo aparato militar às suas portas e pede apoios, enquanto o mundo assiste a uma deslocação em massa de tropas russas e exercícios da NATO na região. Para já, temos uma guerra de palavras, quando todos sabem, que um confronto militar é mau para todos, onde todos perdem, em especial o povo ucraniano que apenas quer viver melhor e livremente.
Os acordos de Minsk não têm sido respeitados quer pela Rússia, quer pela Ucrânia e mais uma vez se coloca a questão, qual é o papel da ONU e da UE? Afinal quem controla a indústria do armamento, em especial o nuclear? A Rússia e os EUA já colocaram os seus arsenais nucleares preparados para o que der e vier.
A UE devia ter um papel mais forte neste cenário, mas a ligação à NATO, amarra a política e a estratégia europeia, impotente contra as políticas expansionistas da Rússia e dos EUA. Face à grande dependência da Europa do gás russo, é estranha a passividade da Alemanha, quando pode vir a ser um dos países mais prejudicados com o encerramento do gasoduto russo que passa na Ucrânia. E sinistro, continua a ser o silêncio do gigante chinês.
Veremos se a tendência nacionalista de Putin, não se transforma num moderno pan-eslavismo com a defesa da civilização cristã ortodoxa contra os “inimigos culturais” da Rússia. Com o falhanço da perestroika (1986) de Gorbachev, a União Soviética desmembrou-se (1991), mas com este Partido Rússia Unida de Putin, percebe-se que a toalha não foi ao chão. Talvez seja mesmo muito importante lermos Tolstói ou Dostoiévski para percebermos o espírito e a dimensão daquele povo.
O Pacto de Varsóvia foi extinto, mas a Nato não e, os EUA não desistem em “minar” os territórios vizinhos da Rússia. Tudo leva a crer que os magnatas da indústria do armamento estão eufóricos e tal como no Iraque, podemos dizer que os Americanos ansiosos de sanções e de se expandirem para leste, estão a mexer num ninho de vespas perigosas…
* Paulo Cardoso -Programa "Desabafos" / Rádio Portalegre - 18/02/2022

** Cartoon de Henrique Monteiro in https://henricartoon.blogs.sapo.pt