17.12.21

OPINIÃO: Um grande acto de Humanidade

No passado dia 27 de novembro, em Caneças, no concelho de Odivelas, o Professor Eugénio Fonseca, presidente da Confederação Portuguesa do Voluntariado (CPV), falou sobre o voluntariado em contraponto com o voluntarismo. Ao contrário do que podemos pensar, os portugueses são pouco participativos e pouco organizados, isto sem colocar em causa as muitas pessoas que têm uma dedicação extraordinária nesta área. Mas é necessária formação, regulamentação, organização e impedir os aproveitamentos comerciais.
Neste mesmo encontro, ouvi a Sr.ª presidente do Conselho Diretivo do Instituto Português do Sangue (IPST, IP) a elogiar o movimento associativo na área da dádiva de sangue, representado pela Federação das Associações dos Dadores de Sangue (FAS-Portugal). É graças a este movimento, que desde os anos 80 existem reservas de sangue e por isso não morre ninguém por falta dessa preciosa fonte de vida.
Antes pelo contrário, graças aos dadores, hoje, muitos doentes conseguem minimizar o seu sofrimento e recuperarem com mais qualidade de vida. Falo dos derivados do sangue, como as plaquetas, plasma e produtos plasmáticos resultantes do fracionamento do plasma. Nesta área ainda ouvi ainda o Dr. Victor Marques, também do Conselho Diretivo do IPST, um dos grandes impulsionadores do Programa Nacional Estratégico do Plasma, lançado pelo antigo ministro da saúde, Adalberto Campos Fernandes.
É importante sabermos que ao fim de décadas estamos a conseguir aproveitar mais e melhor o plasma recolhido em Portugal. Esta importância não se revela só em poupança de dinheiro, mas em garantir a qualidade e afiançar que as doações não sejam desperdiçadas. Desperdício zero, como dizia a saudosa Dr.ª Gracinda de Sousa, é esse o principal objetivo. É preciso que as forças obscuras do passado e do presente não coloquem este desígnio em causa. É imperativo dar continuidade à luta do Sr. comendador Joaquim Moreira Alves, do Dr. Barbosa da Costa, do Dr. Domingos Guerra Maneta, do Eng. José Vieira e outros, que mesmo com ameaças de morte não desistiram desta causa.
Tenho a oportunidade e a honra de acompanhar lado a lado, o homem que recebeu o testemunho e o compromisso destes grandes lutadores pelo movimento associativo na dádiva do sangue. Joaquim Mendes Silva, o presidente da FAS Portugal, tem o mérito de comandar uma equipa unida com grupos de trabalho para as diferentes áreas e manter viva a chama da defesa do movimento associativo em torno da dádiva de sangue; os perigos espreitam e as pressões continuam.
O aviso foi dado pelo presidente da Federação Internacional das Organizações de Dadores (FIODS). O Sr. Gianfranco Massaro lamentou que na Europa se esteja a discutir a possibilidade de os restantes países aderirem ao pagamento da dádiva de plasma, como já acontece na Alemanha, Áustria e Hungria.
Os números de dádivas numa colheita de sangue, são importantes; mas também são importantes as sementes para novos dadores. Aqui entram os jovens, um grupo que quando lhes é explicado a importância das reservas de sangue, eles comparecem. Mas é preocupante como aparecem e depois desaparecem quando entram no mercado de trabalho cada vez menos recetivo ao altruísmo dos seus trabalhadores, chegando até a penalizar os mesmos.
A minha vida tem sido recheada de momentos que me dão esperança e os dadores, também merecem o nosso reconhecimento. A FAS instituiu uma homenagem simbólica aos dadores que atingem as 100 dádivas. A primeira gota de cristal que entreguei foi em Santarém, ao dador António Carlos Carregueira com 100 dádivas. Vi a satisfação, o orgulho deste grande herói e ouvi com atenção o testemunho, em que relatou o momento mais difícil no passado, ao dar sangue numa transfusão direta para salvar um jovem.
Nessa altura percebi que existia uma descriminação para com as dadoras, que por razões naturais, nunca iriam ter a oportunidade de alcançar a gota de cristal e em reuniões de direção, todos fomos unânimes em formalizar a referência das 70 dádivas para as dadoras. E foi assim que no dia 27-11-2021 em Caneças, tive a honra de entregar a 1.ª gota a uma dadora, a Dr.ª Lucília Pereira com 75 dádivas.Tive ainda a oportunidade de apresentar a nova edição da revista “Homenagem ao Dador de Sangue”, sob o lema “A DÁDIVA É UM ATO DE GENEROSIDADE QUE EXIGE CONTINUIDADE”. O voluntariado não pode ser confundido com caridade, mas como um ato de cidadania. E em tempo de “prendas”, digo-vos que, dar sem intenção de receber é um grande ato de humanidade.

* Paulo Cardoso - Programa Desabafos - Rádio Portalegre -10-12-2021