13.1.16

DO ALTO DO TALEFE (5) - A raposa

Manhã cedo a raposa abandona a cama, espreguiça-se, penteia-se e num andar miudinho, percorre a sua zona habitual.
Lânguida, pêlo sedoso, olhar sensual, bafo quente e focinho húmido, a raposa é das espécies mais frequentes e procuradas em Nisa.
Os homens procuram-nas nos raposeiros, dos mais conhecidos aos anónimos.
Nisorro que se preze, conhece os raposeiros da Tapada dos Montesinhos, do João Bicho junto à Tapada do Canhoto, da tapada do Lobo, da Safra Grande ao Caneiro, do Mendanho, da Tapada dos Canchos junto à Barroca do Salgueiro, do ti Bonito à Fonte do Freixo, da Tapada do Boloteiro, do Júlio Frade ao Tarabau, do Zé Perfeito aos Jogadores, dos Pombais, das Mouzinhas junto ao Cadete e o da Cruz Travassos.
Qual o caçador que ainda não deu uma saltada ao raposeiro da Pedra da Menacha, aos da Costa da Lapa, ao dos Palanques, o da Tapada dos Touros, da Tapada da Quarta, da Marofeira, das Fontainhas e por aí fora?
Algumas raposas são conhecidas de vários caçadores que, por vezes, trocam comentários brejeiros acerca dos falhanços tidos em encontros ocasionais.
Outras, finas de maneiras, despertam a cobiça dos olhares, estimulam o lúdico dos que tentam aprisioná-las, mas encontram sempre forma de ficar longe do alcance dos predadores.
A caça à raposa é ancestral em Nisa. Muitas vezes é motivo de festa o prólogo da caçada, conversa-se, come-se e bebe-se como preliminares do objectivo final.
Outras vezes o jogo é a dois, entre presa e predador num ambiente mais calmo e sossegado, em que a sedução da raposa é tão ou mais manhosa que a astúcia do caçador, confundindo-se por vezes quem é quem, neste jogo.
No campo, ou perto da casa dela, o andar furtivo, o falar murmurado, a troca de olhares cúmplices, a espera, o encontro ou desencontro, são rituais conhecidos de muitos.
Em dias normais ou em dias de mercado é vê-los, sós ou em grupo, com olhares gulosos apreciando as raposas; e elas... vaidosas, irreverentes, nas suas vestimentas prateadas, douradas, mescladas, com gravatas ou sem elas, com sapatos de cor diferente ou igual à restante indumentária, olhar brilhante, de penteado solto ao vento ou trabalhado em caracóis lindíssimos.
Os mais jovens caçadores, gabarolas e mentirosos, juram ter passado a mão nesta ou naquela raposa; os mais velhos, saudosos de peripécias que ainda hoje lhes fazem brilhar os olhos, recordam tempos idos, em que em dias seguidos caçavam lindas raposas, nos milheirais ou feijoais.
Dos mais antigos há quem, com basófia, afirme mesmo que, depois de a extenuar soltava a raposa, para daí a algumas horas voltar a caçá-la com o mesmo entusiasmo.
Entusiasmo mesmo é o encontro.
De repente, ela surge. Pára, atenta, perscruta o horizonte visual. Se lhe desagrada o que vê ou ouve, volta-se e abandona o local. Mas se acredita no que lhe é dado observar, avança confiante a entregar-se.
Do alto do talefe, avisto duas belíssimas raposas, que pelo porte e andar um célebre escritor descreveria como balzaquianas. Experientes, olham pelo canto dos olhos e circundam-me, com que ignorando a minha presença; ao dobrarem a parede julgo ouvir risos abafados, ou seria ilusão dos sentidos?
Não me admiraria, porque caçadores há, que me juraram ter avistado raposas na praça, e, até em certas horas, circulando de mansinho no Rossio.
Sublime Natureza, que criaste tão belo animal.
Coelhos, lebres, perdizes, entusiasmam multidões, mas para despertar paixões não há como uma raposa.
Em Nisa, apaixonei-me por uma, que adoro e que regularmente visito.
Zé de Nisa in Do Alto do Talefe - "Jornal de Nisa nº10 -3 de Junho 1998