Manhã cedo a raposa abandona a cama, espreguiça-se,
penteia-se e num andar miudinho, percorre a sua zona habitual.
Lânguida, pêlo sedoso, olhar sensual, bafo quente e focinho
húmido, a raposa é das espécies mais frequentes e procuradas em Nisa.
Os homens procuram-nas nos raposeiros, dos mais conhecidos
aos anónimos.
Nisorro que se preze, conhece os raposeiros da Tapada dos
Montesinhos, do João Bicho junto à Tapada do Canhoto, da tapada do Lobo, da
Safra Grande ao Caneiro, do Mendanho, da Tapada dos Canchos junto à Barroca do
Salgueiro, do ti Bonito à Fonte do Freixo, da Tapada do Boloteiro, do Júlio
Frade ao Tarabau, do Zé Perfeito aos Jogadores, dos Pombais, das Mouzinhas
junto ao Cadete e o da Cruz Travassos.
Qual o caçador que ainda não deu uma saltada ao raposeiro da
Pedra da Menacha, aos da Costa da Lapa, ao dos Palanques, o da Tapada dos
Touros, da Tapada da Quarta, da Marofeira, das Fontainhas e por aí fora?
Algumas raposas são conhecidas de vários caçadores que, por
vezes, trocam comentários brejeiros acerca dos falhanços tidos em encontros
ocasionais.
Outras, finas de maneiras, despertam a cobiça dos olhares,
estimulam o lúdico dos que tentam aprisioná-las, mas encontram sempre forma de
ficar longe do alcance dos predadores.
A caça à raposa é ancestral em Nisa. Muitas vezes é
motivo de festa o prólogo da caçada, conversa-se, come-se e bebe-se como
preliminares do objectivo final.
Outras vezes o jogo é a dois, entre presa e predador num
ambiente mais calmo e sossegado, em que a sedução da raposa é tão ou mais
manhosa que a astúcia do caçador, confundindo-se por vezes quem é quem, neste
jogo.
No campo, ou perto da casa dela, o andar furtivo, o falar
murmurado, a troca de olhares cúmplices, a espera, o encontro ou desencontro,
são rituais conhecidos de muitos.
Em dias normais ou em dias de mercado é vê-los, sós ou em
grupo, com olhares gulosos apreciando as raposas; e elas... vaidosas,
irreverentes, nas suas vestimentas prateadas, douradas, mescladas, com gravatas
ou sem elas, com sapatos de cor diferente ou igual à restante indumentária,
olhar brilhante, de penteado solto ao vento ou trabalhado em caracóis
lindíssimos.
Os mais jovens caçadores, gabarolas e mentirosos, juram ter
passado a mão nesta ou naquela raposa; os mais velhos, saudosos de peripécias
que ainda hoje lhes fazem brilhar os olhos, recordam tempos idos, em que em
dias seguidos caçavam lindas raposas, nos milheirais ou feijoais.
Dos mais antigos há quem, com basófia, afirme mesmo que,
depois de a extenuar soltava a raposa, para daí a algumas horas voltar a
caçá-la com o mesmo entusiasmo.
Entusiasmo mesmo é o encontro.
De repente, ela surge. Pára, atenta, perscruta o horizonte
visual. Se lhe desagrada o que vê ou ouve, volta-se e abandona o local. Mas se
acredita no que lhe é dado observar, avança confiante a entregar-se.
Do alto do talefe, avisto duas belíssimas raposas, que pelo
porte e andar um célebre escritor descreveria como balzaquianas. Experientes,
olham pelo canto dos olhos e circundam-me, com que ignorando a minha presença;
ao dobrarem a parede julgo ouvir risos abafados, ou seria ilusão dos sentidos?
Não me admiraria, porque caçadores há, que me juraram ter
avistado raposas na praça, e, até em certas horas, circulando de mansinho no
Rossio.
Sublime Natureza, que criaste tão belo animal.
Coelhos, lebres, perdizes, entusiasmam multidões, mas para
despertar paixões não há como uma raposa.
Em Nisa, apaixonei-me por uma, que adoro e que regularmente
visito.