Assistimos, nos nossos dias, a
um constante ataque a direitos humanos, entre os quais o direito ao trabalho que,
num país democrático, julgaríamos intocáveis e indestrutíveis e que vão sendo aniquilados,
em nome de chavões como “mercados”, “competitividade”, “regularização das
contas públicas” e outros, que fazem abater sobre a cabeça das camadas mais frágeis
da população – trabalhadores e desempregados – o cutelo do desemprego, da miséria
institucionalizada e do retrocesso civilizacional.
Há um século (1913) a situação
económica e social do país não era muito diferente. País agrícola, Portugal
enfrentava, regularmente, as variações das condições climáticas e outras. Em
Nisa, a maioria da população, pós República vivia em extremas condições de miséria.
Abundavam os braços, rareavam as ofertas de trabalho, o flagelo dos expostos não
via solução e estávamos longe, muito longe, de “sonhar” com os emissários do
FMI e da alta finança mundial...
Perante esta situação de calamidade, o presidente da Comissão
Administrativa da Câmara de Nisa, António Maria de Matos Cardoso, dirigiu-se,
em carta de 21 de Agosto de 1913, ao Ministro do Trabalho e da Previdência
Social, nestes termos:
"Excelência
A Comissão Administrativa do Município
de Niza, vem perante Vossa Excelência, representar pedindo para que consiga do
Governo da República a imediata abertura de trabalhos públicos que, de algum
modo conjurar possam a angustiosa crise em que o operariado deste concelho se
debate.
O terrível anno que vai
correndo, tem sido sob o ponto de vista agrícola, verdadeiramente calamitoso. Quando
a poeira do tempo tiver embranquecido as cabeças dos rapazes d´hoje, hão de
eles recordar este fatídico 1913, como um pesadelo que lhes vincou na alma uma
inolvidável amargura.
As searas apresentaram-se
magnificas e assim se conservaram até que, os últimos dias de Maio, um fungo “pucimia
rubigovera”, as devastou.
Havia ainda a cultura do milho.
Uma última esperança bruxuleava!
Talvez, talvez que uma pequena
compensação trouxesse... também falhou! Todos os sonhos de prosperidade ruíram;
e os agricultores sem dinheiro, perdida também a enorme energia reduzem ao mínimo
o serviço que é costume efectuar. D´hai a crise de trabalho, agravada
confrangedoramente pela carestia de vida.
E a semente do sindicalismo,
que no inverno passado foi lançada nos espíritos rudes dos trabalhadores
ruraes, lá vae germinando, mercê d´esta circunstancia que lhe é imensamente
favorável: a miséria.
A Comissão Administrativa da
minha presidência comprehende muito bem a impossibilidade de o Estado remediar
por completo esta situação. Mas pode atenuál-a. E uma das formas de o
conseguir, consistirá em abrir trabalhos públicos.
No prosseguimento da
construcção da estrada do Tejo a Amieira, encontrariam muitos braços emprego
para a sua actividade, além de assim, se efectuar uma obra de incontestável
utilidade publica.
Nas mãos de Vossa Excelência,
depõe a Comissão Administrativa do Município de Niza, esta representação, na
antecipada certeza de que não encontraria quem melhor do que Vossa Excelência
faça triumphar a obra de justiça que n´ela se reclama.
Niza, 21 de Agosto de 1913
O Presidente da Comissão
António
Maria de Matos Cardoso
Era, assim, há precisamente cem anos. E, hoje, que projectos, que planos ou estratégias têm os nossos candidatos às autarquias locais para fazer face ao desemprego e criar condições para estancar a desertificação humana do concelho?
Mário Mendes