Poucas vilas da categoria da
nossa haverá em todo o país que tenham dado à Igreja Católica tantos e tão
dignos sacerdotes.
Há 40 ou 50 anos contavam-se
por muitas dezenas os clérigos que, por várias dioceses, honravam a terra natal pelo ardor do seu prosetilismo, formação espiritual e esplendor de
cívicas virtudes. Era uma denodada e numerosa falange não só de operários da
vinha do Senhor, como se diz em linguagem bíblica, mas ainda de itemeratos
pioneiros da civilização que, nas suas paróquias, se impunha como exemplares
mentores das populações confiadas ao zelo apostólico de tão dedicados pastores
de almas.
Era, porém, a sua vida familiar
uma das facetas de maior realce no conjunto dos altos predicados que lhes
exornavam o carácter.
Na quási totalidade originários
de gente humilde, geralmente filhos de artistas e até de trabalhadores rurais,
logo que ascendiam ao altar, começavam a ser o amparo e arrimo dos ascendentes,
irmãos, sobrinhos e outros parentes, que, à sua sombra, conseguiam
valorizar-se, alçando-se – quantos deles! – às mais honrosas e eminentes culminâncias
sociais.
No antigo Seminário de
Portalegre os alunos de Nisa eram sempre em grande número e, com essa reserva
permanente, de ano para ano ia crescendo a legião dos que, como ministros do
culto, assim firmavam o alto renome dos padres da nossa terra. E este justo
conceito de exemplares levitas e íntegros homens de bem cercava-os de uma auréola
de respeitosa simpatia, alteando-os como figuras de primacial relevo no meio em
que agiam.
Eu poderia citar, a propósito,
uma infinidade de nomes desde Frei Adão Dinis, vergado ao peso de dura penitência
em tempos tão distantes que deles se evola o perfume da lenda...
Teria até especial prazer, se a
idade e o gravame das correlativas inerências me permitisse ainda reunir, em
selecta colectânea, as virtuosas e egrégias biografias dos meus patrícios que,
pelo fervor do apostolado e por seu magnânimo sentir, se podem contar entre os
mais preclaros elementos do clero português. Seria, pelo tema e pelo número dos
focados, um consolador florilégio em cuja leitura se comprazeria o orgulho
bairrista.
Infelizmente é já tarde para o
tentar!... Que outro procure fazê-lo e prestará a Nisa assinalados serviços!
Limito-me a evocar, neste breve
artigo, os méritos e préstimos de quantos Deus elegeu para, como seus
delegados, atraírem sobre a nossa querida terra as bênçãos celestiais.
Os padres de Nisa!... Aqui lhes
rendo, sobretudo à memória dos que a morte levou, o merecido preito do meu
apreço e admiração! Tantos e tão dignos! Mas, dessa corte de indefectíveis
soldados de Cristo, quantos restam hoje?
Perpassam-me neste momento pela
memória as cerimónias da Semana Santa de há meio século e parece-me estar vendo
a Igreja Matriz com os cadeirais da capela-mor repletos de eclesiásticos, todos
nossos conterrâneos, e um grupo notável de seminaristas que com a sua presença,
contribuíam para maior luzimento das funções do culto.
Com o tempo tudo mudou! Dos
presbíteros nisenses que, pelo número e qualidade, granjearam nomeada, apenas
resta uma escassa dezena! Desses só um vive na sua terra: o antigo vigário, sr.
Pe Joaquim Paralta que, apesar de octogenário, ainda cumpre, como pode, as
obrigações do seu sagrado ministério. Os outros, são os últimos abencerragens
da estrénua legião de apóstolos, que no extinto Seminário de Portalegre
adquiriam envergadura para os grandes voos da evangelização cristã.
Vão rareando cada vez mais as
fileiras dos sobreviventes.
Foi em 1943 o espírito jovial
do Padre José Dinis Figueiredo, que Deus chamou para si, e foi ainda há pouco o
bondosíssimo Padre João de Oliveira, cuja morte os seus paroquianos de Santo
António das Areias compungidamente choraram.
Ao serviço da Igreja ficam
apenas, além do referido padre Joaquim Paralta, os padres António da Graça
Ribeiro e António Sambado, residentes em Portalegre; Francisco Paralta, em
Elvas; Francisco Durões, em Oleiros; Manuel Carolo, Baltazar Carvalho, José
Correia e Armando da Piedade, respectivamente párocos em Estremoz, Caparica,
Ribeira de Nisa e Gavião.
Dos actuais Seminários da
diocese, não mais se ordenou um nisense. E porquê? Porque a formação do clero e
as suas responsabilidades são cada vez de maiores exigências e as autoridades
competentes entendem, e muito bem, só poder arcar com elas quem para o sacerdócio
tenha vocação.
Apesar de Cristo dizer: jugum meum suave est, há ombros tão débeis
que, mesmo assim, não podem suportá-lo... E então, na impossibilidade de
servirem como ministros de Deus, limitem-se os que Ele não chamou para tão alta
dignidade, a aperfeiçoarem-se civicamente, sob as luminosas directrizes da
formação moral adquirida nos Seminários. Serão assim mais úteis à Pátria e à própria
religião!
Mas ainda tenho esperança de,
passados alguns anos, ter o prazer de assitir à Missa Nova de um dos meus patrícios!...
E com que saudade eu relembro
agora as de tantos, e em especial as dos meus condiscípulos, já todos na paz do
túmulo!...
J. Figueiredo – in “Correio de
Nisa” – nº 6 – 26 Agosto 1945
(Artigo publicado no "Jornal de Nisa" - nº11 - 17 Junho 1998)