Um grande Poeta nisense que partiu
Que rodeia o corpo e a ausência?
Essa parte ínfima
Que arde
E sempre está a arder
Na rosa insuspeitada?
- Yves Namur – in “Figuras do
Muito Obscuro - Tradução de Fernando Eduardo Carita.
Faleceu no sábado, em Lisboa, após doença prolongada,
Fernando Eduardo Louro Carita, natural de Nisa, onde nasceu a 27 de Maio de
1961.
Tinha 52 anos, o Fernando Eduardo Carita, nome como era
conhecido nos anais da literatura e da poesia e deixa publicadas algumas das
mais significativas obras da moderna poesia portuguesa.
Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas (português e
francês) foi professor na Escola Prof. Mendes dos Remédios, de Nisa e mais
tarde na Escola Secundária Ferreira Dias (Agualva-Cacém), estabelecimento onde
viria a interromper a sua actividade docente, já minado pela grave doença com
que viria a falecer, uma doença que enfrentou com uma coragem e determinação
inigualáveis.
O ensino do Português, a poesia e a família, foram os grande
amores de Fernando Eduardo Carita.
Publicou três livros: A Obscura Espiritualidade da Matéria
(1988) edição de autor; A Salvação Pelo Vazio / Le
salut par le vide (edição bilíngue traduzida para o francês por Marie Claire
Vromans.) (2005); A casa, o Caminho / La maison, le chemin (edição bilíngue
traduzida para o francês por. Marie Claire Vromans) (2008).
Para além da colaboração em
diversas revistas da especialidade, dois dos seus poemas foram publicados no
número 177 – Maio de 2011 da Revista Colóquio /Letras – Poesia.
Traduziu inúmeros textos de
conhecidos autores, entre estes Yves Namur, poeta belga, cuja tradução deu a
conhecer em Portugal, “Figuras do Muito Obscuro”, livro prefaciado por Nuno
Júdice.
Fernando Eduardo Carita foi um
dos 40 escritores entrevistados por Ana Marques Gastão para o
Diário de Notícias e reunidas num volume de 468 páginas, O Falar dos Poetas,
publicado pela Afrontamento.
“ A poesia de Fernando Eduardo Carita pode ser visto como
possuidor de uma consciência singular, marcado pelo aforismo e parábola - um
estilo sentencioso, que, no entanto, não dispensa um íntimo registo, lírico que
questiona o mundo, o significado de significado, a casa - linguagem - o que lhe
aparece como o símbolo de um lugar perdido que o poema tenta ressuscitar. A
temática de sua poesia gira em torno das questões do nome, da autoridade do
autor, a inexorabilidade do tempo, o processo da identidade de um sujeito que
se pergunta de forma permanente, dentro do poema, sobre a ausência de Deus. Ele
é um autor discreto que se tornou uma das vozes mais originais da poesia
contemporânea Português.” - António Carlos Cortez
1
Todo o homem é uma invenção cuja patente
Não terá sido ainda descoberta em nenhum arquivo
Da história,
Invenção até hoje nunca reclamada por ninguém,
A solidão de um homem é esta vivência agónica de uma
orfandade
Que o deixa abandonado a si mesmo,
É também a sensação obsidiante de ninguém ter ainda
aparecido
Para o registar como concepção original sua,
Em constante sobressalto vive o poeta assombrado por este
completo e enigmático
Desamparo que sempre o exporá aos perigos decorrentes de
processos de uma falsificação
Abjecta e aleatória quando não indiscriminada,
E haverá porventura um dia em que nem ele próprio sequer
saberá se é ou não
Uma mera cópia fidedigna ou uma grosseira contrafacção.
" Poema
60 "
Nascer aqui é falhar ainda
O silêncio das árvores em crescimento,
Nascer aqui é sempre demasiado tarde
Para ir beber à fundura de um poço,
Nascer aqui dói às pedras
Que excederam a altura da casa,
Nascer aqui impede os cães de conduzir
A cegueira dos espelhos desde o olhar até à visão,
Nascer aqui afugenta o invisível para longe da vida,
Nascer aqui é um ruído de fundo
Para dissuadir a hospitalidade do tempo à nossa mesa,
Nascer aqui é demasiado tarde para sermos
perpendiculares
À oferenda mútua dos corpos,
Nascer aqui desfaz a aritmética dos passos sem
caminhante,
Nascer aqui muda-nos a todo o instante de origem e
destino,
Nascer aqui atenta contra o trabalho escultórico
De uma minuciosa nudez dos pensamentos para pôr a
salvo
O vazio de nascer agora e por fim em nenhum lugar.
In “A Salvação
Pelo Vazio”
O Fernando Eduardo Carita morreu. Como escrevia um colega
seu “ a Ferreira (Dias) perde um professor, um colega.
A Ferreira não perde um Amigo, um Poeta, um Pensador.”
Aos pais, professores João Maria e Maria Manuela, aos irmãos
Filipe Manuel e João Paulo, a todos os familiares e amigos, expressamos
sentidas condolências.
O Fernando Eduardo partiu mas onde quer que se encontre, o
céu estará mais perto.
E, nós dele, através da poesia que nos deixou.
Mário Mendes in "Alto Alentejo" - 26/6/2013