Os Bombeiros Voluntários de Nisa receberam, recentemente, um louvor do Governo, a propósito dos 75 anos de existência. O acto público de reconhecimento, justo, peca, no entanto, por residir num erro histórico, que sucessivos elencos directivos desta Associação Humanitária não têm querido rectificar. Uma vez mais e para alertar consciências "adormecidas", aqui deixamos, devidamente documentada, a história da fundação dos Bombeiros Voluntários de Nisa, uma associação que nasceu em Outubro de 1916, estando a 4 anos de completar um centenário de existência.
A história dos Bombeiros Voluntários de Nisa é rica em acontecimentos e exemplos de dedicação. Há 96 anos, mais de três dezenas de homens metia ombros à tarefa de criar uma associação voltada para o socorro e a protecção de pessoas e bens, uma iniciativa que, para a época, foi uma verdadeira aventura colectiva.
Notícia da fundação dos Bombeiros de Nisa
José Francisco Figueiredo, na sua "Monografia da Notável Vila de Nisa", aponta como razões para a criação dos Bombeiros, "um incêndio de grandes proporções, ocorrido a 18 de Outubro de 1915 e que muito impressionou a população da vila". O fogo destruiu uma dependência da casa agrícola do lavrador Augusto Serralha e de imediato, de acordo com o mesmo autor, " a firma Almadanim e Bento tomou a iniciativa de angariar fundos para adquirir o material indispensável a tais corporações".
Uma iniciativa que mereceu o melhor apoio, de tal modo que "em Setembro de 1916, já os Bombeiros de Nisa recebiam instrução, ministrada por um técnico da Corporação de Portalegre".
Nessa altura e de acordo com José Figueiredo, foi comandante e seu imediato, respectivamente, Aníbal da Graça Vieira e Albano Curado Biscaia. E, poucas mais informações, adianta sobre os Bombeiros de Nisa, além de tecer elogios à sua acção ao longo de mais de três décadas, até 1951, ano da morte do autor da "Monografia".
Documentação não falta, no entanto, para atestar a fundação e actividade dos Bombeiros de Nisa, nos primeiros anos da sua existência. Conhecemos o teor (e reproduzimo-lo, aqui) da carta enviada ao Governador Civil de Portalegre em 9 de Novembro de 1916 e na qual se dá conta da criação da Associação dos Bombeiros de Niza que tem por fim "socorrer e prover tudo quanto respeita a incêndios e calamidades". Na carta, a que se juntou um exemplar dos Estatutos, se informa ainda que "a sede é no largo Heliodoro Salgado". Foi aí, efectivamente, no largo do Boqueirão, num espaço que serviu de garagem aos Bombeiros até finais dos anos 70 e onde hoje está instalada a Caixa de Crédito Agrícola, a primitiva sede dos Bombeiros de Niza.
Em Outubro de 1916 e no auge do entusiasmo com a criação desta associação, o maestro Joaquim Augusto da Silva Aveleira, dedicava-lhe uma obra sua "Hino dos Bombeiros Voluntários de Niza", como "homenagem à briosa Corporação dos Bombeiros Voluntários de Niza"
Quem foram os primeiros bombeiros
Bombeiros Voluntários de Nisa - Março de 1922
À excepção dos indivíduos assinalados, os restantes elementos que integraram a Corporação dos Bombeiros Voluntários, tem registada a data de admissão em 30/7/1916. Nesta data, há 96 anos, nasciam, no terreno, os Bombeiros de Nisa. A fundação oficial remonta a Outubro de 1916. Aqui ficam os seus nomes:
Aníbal Dinis da Graça Vieira, proprietário - 1º Comandante; Albano da Cruz Curado Biscaia, proprietário - 2º Comandante; Júlio Pires Bento, comerciante - Chefe de Viatura; Leandro Diniz Melato, sapateiro - Chefe de Viatura; António Henriques da Silva, comerciante - Chefe da Viatura; José Dinis da Graça Vieira, proprietário - Chefe do Corpo de Salvados; João da Graça Reizinho, barbeiro - Chefe de Ambulância.
Bombeiros Activos
: Leonardo Alvega de Matos, empregado (1); José Alves Mouzinho Almadanim, regente agrícola; Francisco da Graça Zacarias (2); José Araújo Baptista, comerciante; António Tremoil, empregado público; António Bernardo Duarte Tonilhas, proprietário; António Rosário Figueiredo, sapateiro; Adelino Henriques da Silva, alfaiate; Júlio Tavares da Silva (o Marzia) (2); Joaquim Maria Pereira, alfaiate, João Diniz Correia, empregado (2); José Maria Thomaz, seleiro; Manuel Carita Gomes, alfaiate, Carlos da Graça Figueiredo, sapateiro, José Bizarro Serra (Ranisca), jornaleiro; António da Graça Maia, alfaiate, Adelino da Cruz Salgueiro (Canatário), António Maria Gonçalves, comerciante; Francisco Marquito Júnior, proprietário; João Maria Grave, proprietário - 1º Clarim (corneteiro); João Emílio Figueiredo Salgueiro - 2º Clarim (corneteiro) (3); Alberto Thomaz de Faria, empregado público; Aníbal Goulão (4); Manuel da Graça Charrinho (Bonita), jornaleiro; Jeronymo da Cruz Pimpão, albardeiro; José Maria Grave (4), Joaquim Dinis Bagulho(4), José Fernandes Grave(4) e Viriato Dinis Correia. (5)
Notas
(1) - Admitido a 11/2/1917 ; (2) - Admitidos a 12/6/1917; (3) - Admitido a 15/12/1917; (4) - Admitidos a 2/2/1920; (5) Admitido a 1/6/1924
Bombeiros por profissões
Entre os primeiros homens de Nisa que integraram a Corporação de Bombeiros, num total de 35, a maior representação (6) é de proprietários rurais, o que não será de estranhar, tendo em conta que a actividade agrícola era a principal actividade económica do concelho e que ocupava a quase totalidade da força de trabalho. Seguem-se as profissões de "artistas" como os alfaiates (4), sapateiros (4) comerciantes (4) empregados públicos (3) e um barbeiro. Há ainda 2 jornaleiros, 1 regente agrícola, um seleiro e albardeiro, para além de 8 indivíduos sem indicação, específica, da ocupação.
Entre os primeiros homens de Nisa que integraram a Corporação de Bombeiros, num total de 35, a maior representação (6) é de proprietários rurais, o que não será de estranhar, tendo em conta que a actividade agrícola era a principal actividade económica do concelho e que ocupava a quase totalidade da força de trabalho. Seguem-se as profissões de "artistas" como os alfaiates (4), sapateiros (4) comerciantes (4) empregados públicos (3) e um barbeiro. Há ainda 2 jornaleiros, 1 regente agrícola, um seleiro e albardeiro, para além de 8 indivíduos sem indicação, específica, da ocupação.
Os meios de intervenção dos Bombeiros
Na listagem do material de intervenção dos Bombeiros de Nisa, encontrámos:
- Carro da Bomba; Carreta, espia de lança, estrado, machado de arrombamento, quatro lances de mangueira, dois francalotes para suster os archotes, corpo de bomba, braços de picotas, dois varaes das picotas, duas correntes para suster o braço das piscotas, uma escada de ganchos, dois francalotes para suster a escada de ganchos, quatro archotes, um tubo aspirador, um ralo de cobre, duas chaves para as rodas das carretas.
Notícias de Incêndios
Nos documentos consultados há notícia dos seguintes incêndios:
Rua da Devesa, em 1 de Junho de 1920; Palheiro do sr. José da Cruz Nunes (Africano) em 9 de Junho de 1920; Palheiro do sr. António Tonilhas em 26 de Setembro de 1920; Casa do sr. Joaquim Mendes Lopes em 8 de Janeiro de 1923; Forno do sr. Visconde em 19 de Abril de 1924.
Receitas e despesas dos Bombeiros
Nos primeiros anos de vida, a Associação dos Bombeiros Voluntários de Niza (esta era grafia da época) quase se bastava a si própria, muito por força dos jogos na sede (e para os quais se regista a compra de tremoços) do voluntariado, puro, dos seus elementos, da escassa quotização que não chegava á centena de sócios, e ainda das contribuições monetárias de alguns proprietários rurais, os mais atingidos pelos incêndios.
O apoio da Câmara e das Juntas de Freguesia (Paróquia) era, no início, irrisório e foi aumentando gradualmente, à medida que os Bombeiros iam adquirindo novos equipamentos e viaturas. Como curiosidade e como elementos que mostram aspectos da sociedade nisense dos anos 20, publicam-se alguns dados relativos a receitas e despesas.
As curiosidades não terminam por aqui. No mapa de receitas de Maio de 1917, constata-se que a receita foi de1.308$70,5 para uma despesa de 1.209$67,5, registando-se o saldo de 99$03. Neste ano, assinala-se ainda uma "despesa da mudança com a sede da Corporação" no valor de $20. Imagine-se, por aqui, o valor do dinheiro no início do século passado...
No ano seguinte (1918) a Câmara garantia o subsídio anual (24$00) e regista-se como receita a "venda de um balcão à Cooperativa Nisense", no valor de 20$00. Em 1919, há uma oferta extraordinária (pelo valor) aos Bombeiros. Por ofício de 16 de Agosto, regista-se "uma oferta do sr. Aníbal Diniz da Graça Vieira - 1º commandante d´esta Corporação", no valor de 120$00.
Esta atitude, por exemplar, não pode deixar de ser assinalada. Além de servir a Corporação como comandante, com todas as responsabilidades inerentes a tal cargo, Aníbal Vieira, ainda contribuía, do seu bolso e com elevadíssimo montante, para o sustento da Corporação que comandava. Além do lema "Vida por Vida", estes eram exemplos de bombeiros que punham bem alto, um outro, "Servir e não servir-se", como os princípios éticos da época.
No início de 1920 (Janeiro) a Corporação devia ter mais do que uma viatura, a avaliar por uma despesa de 14$760 de "pintura das viaturas, tintas e trabalho". A juntar ao subsídio da Câmara, há ofertas de Francisco da Cruz Gaspar e de José da Cruz Nunes, ambas de 20$00.
Atentos à sua missão humanitária, os Bombeiros não esqueciam a sua própria limpeza e registavam: "uma mulher caiando a sede da Corporação e um pincel 1$500; 5 Kg de cal branca 1$500."
Em 1923 o subsídio da Câmara aumenta para 100$00. Esta verba não chegou para pagar a despesa feita com a representação dos Bombeiros de Nisa aos festejos do Barreiro. O contínuo começa a receber pela percentagem da cobrança de quotas realizada.
Em 1924 há registo do pagamento da assinatura do Jornal dos Bombeiros e a quota da Federação dos Bombeiros Portugueses, no valor de 16 escudos que correspondiam a 16 bombeiros federados
De 1923 a 1931 não encontrámos documentos de receita e despesa. A falta destes elementos pode indiciar um período de relativo apagamento dos Bombeiros Voluntários de Nisa, embora no livro de actas da direcção ("Hade servir este livro para se lavrarem as actas das sessões da Corporação dos Bombeiros, assinado em 1 de Janeiro de 1923 pelo secretário, Leandro Diniz Melato, se possa ler que, relativo ao ano de 1924, foi apurado um saldo de 933$92, os "quaes foram entregues ao novo tesoureiro, sr. Júlio Pires Bento."
É este mesmo tesoureiro que, a 29 de Abril de 1931, "fará entrega da quantia de seiscentos cinquenta seis escudos noventa dois centavos, saldo existente nesta data, da antiga Corporação dos Bombeiros Voluntários de Nisa, em virtude da referida Corporação passar a ser municipalizada."
Há, também, aqui, um hiato de seis anos (1931-1937) dos quais pouco se sabe sobre os Bombeiros, agora, já, municipais.
Honrar a memória dos Bombeiros
Os valorosos "soldados da paz" de Nisa prestam um serviço inestimável, nem sempre reconhecido e às vezes, até, mal reconhecido pelos seus semelhantes. A sua coragem e determinação, a sua disponibilidade para acudir, seja a quem for e em que condições forem, merecem os maiores louvores e a homenagem devida.
Motivo ainda mais extraordinário para que não se lhes encurte e apague a sua história, ou se lhes diminua um período de existência em que a sua actividade, por não estar documentada, nem por isso, pode deixar de ser enaltecida.
Nas primeiras décadas do século vinte, as condições em que exerceram a sua acção, não podiam, nem de longe ser comparadas com as existentes nos dias de hoje.
Os homens que serviram os Bombeiros de Nisa, há quase um século, não podem ser esquecidos, apagados da memória e da nossa história colectiva.
Cumpriram o seu dever, deram o melhor de si enquanto bombeiros e cidadãos desta terra, desenvolveram uma abnegada acção humanitária de que os seus conterrâneos e familiares se podem orgulhar.
Só por isso, temos o dever de os respeitar, enaltecer e dar-lhes o lugar que merecem na história de Nisa.
Nada mais se pede, aos homens que parecem não ter memória...
Mário Mendes
Nota: Agradeço ao José Dinis Murta, a disponibilidade e colaboração na cedência dos documentos "Carta ao Governado Civil" e capa do "Regulamento dos Bombeiros", ambos de 1916