22.12.11

PROJECTO TERMAL DE NISA: Elemento de saúde e desenvolvimento

Após a caracterização do sector do termalismo enquanto factor de desenvolvimento local e da abordagem do tema na sua dimensão regional em números anteriores, nesta edição vamos tratar especificamente do projecto de aproveitamento da água mineral secularmente conhecida por «fedegosa» em função do fedor e depósito acinzentado resultante da importante presença de enxofre.
1. Em mais de 10 anos (última década do século XX) teve lugar um estudo sério da água, melhoria de captações, significativo aumento do caudal, beneficiação da velha casa onde se «davam» há décadas os banhos que aliviam as maleitas, especialmente a dor, de tantos enfermos .
Ao mesmo tempo, além da legalização perante o estado, deu-se atenção à qualificação de dos trabalhadores, nomeadamente através da criação de ensino profissional em Nisa que visava, antes de tudo, esta área, com um curso de 3 anos que deu emprego sustentado, na área específica, a todos os formandos.
2. Criou-se uma empresa para assegurar gestão mais qualificada, envolvendo, além do município, privados ligados ao sector da saúde e da hotelaria, aqueles que manifestaram interesse para o efeito. Todos os outros intervenientes nestas áreas de actividade foram convidados a integrar a Ternisa.
3. Elemento fundamental para o futuro, em 2001, num processo tecnicamente participado duma forma pluridisciplinar, está pronto o plano para o designado «complexo termal de Nisa». Individualizando, por necessidade de maior avanço, foi entregue à DG Saúde o projecto do novo balneário termal, pela sua qualidade aprovado em tempo record.
4. Partindo desta situação, a fase intermédia, até á finalização do balneário (2006), cuja abertura, estrategicamente, deveria coincidir com a do de Cabeço de Vide, em 5 anos o objectivo fundamental é o do aumento do número de utentes ainda nas velhas instalações, através de um trabalho, nomeadamente médico, que garanta cada vez maior satisfação aos doentes. Desta forma, seria este «manancial» de clientes, transformados em verdadeiros propagandistas, mais eficazes que qualquer forma clássica ou moderna de publicidade, a ajudar a alcançar os 2500 utentes no momento da abertura do novo estabelecimento. É este o número considerado mínimo para garantir sustentabilidade no futuro espaço. Com adequada coordenação, tem-se ainda como indispensável assegurar a continuidade, fazendo a transição de um espaço para o outro, sem interrupção dos tratamentos. Doutra forma, muitos utentes, em momento decisivo, «fugiriam» para outras termas, com o perigo de aí se «fidelizarem» e não voltarem a fazer cura em Nisa.
5. Pretende-se com a Ternisa, empresa municipal, mas de capitais mistos, envolver os outros sócios em tudo o que respeita à gestão termal. É fundamental conhecerem tudo, acolher as suas propostas, indicarem elementos para a administração. A câmara para garantir transparência, indispensável ao êxito do processo e atrair à participação no capital novos actores locais, não deverá abusar do facto de ser elemento maioritário. Também os trabalhadores do balneário, maioritariamente mulheres, nos termos adequados, em exercício de participação democrática, devem ser regularmente chamados a dar opinião, particularmente sobre o que tem incidência na sua condição socio-profissional.
A empresa municipal não poderá servir para fugir às regras da actividade pública, nomeadamente rigor e transparência na administração, informação permanente aos órgãos municipais e à população do concelho que, em condições favoráveis de tarifário, deve ser estimulada a adquirir genuína cultura termal e ser a primeira a beneficiar de um recurso que a natureza fez brotar no concelho.
A Ternisa não pode ser um expediente «saloio» para fugir a princípios base como a isenção, a igualdade que é devida a todos, o respeito pela legalidade. Não pode servir, invocando a condição de «empresa», para alimentar uma «gestão» que esconda informação essencial ou fomentar o compadrio, clientelismo, «amiguismo». Nunca poderá permitir situações que, de alguma forma, deixem passar a ideia de actos marcados pela corrupção.
6. Para a cura termal ter seriedade técnica, garantir o sucesso da empresa e ajudar no desenvolvimento do concelho, é indispensável centrar-se nas especialidades que os estudos priorizaram. Na base da tradição e da ciência, em primeiro lugar, ser um espaço para tratamento, realizado de forma séria, de reumatismos e problemas respiratórios. Fundamental, na questão do combate à dor, é o uso da lama, simbolicamente a mesma que dá corpo à nossa olaria pedrada.
7. Das inovações surgidas no primeiro estudo hidrogeológico completo levado a cabo em Portugal, ressalta a importância da doença hemorroidária. Importante apostar nesta valência por duas razões essenciais: ainda hoje não há tratamento eficaz para esta patologia na indústria do medicamento e só há duas estâncias vocacionadas para as hemorróidas em Portugal. Aponta-se mesmo para a criação de um centro de proctologia termal de alcance nacional, já que é elevadíssimo o número de pessoas com este padecimento.
8. Perante o número crescente de doenças imunitárias, designadamente alergias, importa tratar com relevo estas situações, como aconselhou o ensaio clínico. Para isso, é indispensável o envolvimento de médicos especialistas no ramo, mas que, ao mesmo tempo (condição essencial) tenham formação e sensibilidade em termalismo. O mesmo acontece com reumatologistas (especialidade base do balneário), otorrinolaringologistas, proctologistas, fisiatras (repete -se, todos com experiência em hidrologia médica, a par da sua base hospitalar). Em termas dignas desse nome não se pode, por exemplo, realizar fisioterapia «a seco», tarefa que deve ser reservada para clínicas de reabilitação.
9. Sem menosprezo pela «mise en forme», a figura hoje conhecida por spa, modernamente exigível em termas, outro elemento que tem que ser competentemente implementado é a «unidade de internamento» perspectivada para a recuperação de sequelas motoras de AVCs e tratamento de certas doenças da pele que beneficiem de uso intensivo de água sulfurosa.
Nota: Este texto foi elaborado como algo de virtual que, sumariamente, caracteriza a situação das termas de Nisa em 2001 e perspectiva as condições indispensáveis ao êxito do processo. A haver desvios significativos aos seus elementos chave, a situação está condenada ao insucesso...
JOSÉ MANUEL BASSO - Médico hidrologista
(Era presidente da câmara em 2001 )