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27.5.23

CARLOS ALVES, NA PRIMEIRA PESSOA: A Cultura e a Educação transformam as pessoas

Aos 16 anos, estudante do Conservatório de Castelo Branco, assumiu também as funções de professor assistente de António Saiote naquela instituição. Carlos Alves, Clarinete Principal Associado na Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música, é um dos músicos portugueses mais conceituados internacionalmente. Professor principal de Clarinete na Escola Superior de Artes Aplicadas de Castelo Branco (ESART), foi artista e professor convidado da Universidade do Estado do Arizona (EUA) em 2009 e 2010 e é o diretor de um dos principais festivais internacionais de clarinete que se realizam no nosso país.
“Não tenho ninguém na família músico. Quando estudava na segunda classe apareceu um menino a dizer que se tinha inscrito na escola de música. Ao final da tarde fomos todos inscrever-nos também. A Sociedade Artística Nisense estava a dar os primeiros passos, com o professor António Maria Charrinho, e criou-se um projeto de uma orquestra ligeira”, começa por recordar Carlos Alves, um dia depois de ter recebido uma distinção por parte da autarquia de Nisa, a sua terra natal.
Na banda, o clarinete foi-lhe imposto. “Queria tocar trompete ou saxofone, como todos os meus colegas. Mas quem sabia mais de solfejo normalmente ia para o clarinete”, diz enquanto recorda que o “primeiro concerto que fiz tinha 9 anos. Tive a sorte de ter um irmão que estudava em Castelo Branco e que me referiu que iria abrir o curso de clarinete no Conservatório. Na altura o professor António Saiote estava a regressar do estrangeiro e o Conservatório albicastrense foi a primeira escola para a qual foi convidado para dar aulas. Fui dos seus primeiros alunos e fui-me aguentando, pois era muito exigente”.
Seria em Castelo Branco, aos 16 anos, que teve um desafio invulgar que o marcaria no seu percurso. “O António Saiote deixou de poder vir dar aulas ao Conservatório. Disse para a então diretora, Maria do Carmo, que não queria deixar o seu lugar de docente, pois gostava muito da escola, mas que não tinha tempo. Sugeriu então o meu nome, que era aluno dele, para dar aulas, em termos musicais, e que ele se responsabilizava pelos exames”.
O compromisso assumido obrigava Carlos Alves a ir ter aulas com António Saiote a Lisboa. “Pedagogicamente era um bocadinho complicado para mim, pois eu falava para os alunos de 10 anos com uma linguagem que não era a mais apropriada. Por exemplo, dizia-lhes que tinham que ter um som mais redondo e aveludado, quando isso para uma criança é difícil de perceber. O mesmo acontecia com outras classes de alunos mais velhos, alguns casados, em que eu replicava aquilo que o António Saiote me dizia: vocês não estudam o que é que querem fazer da vossa vida… e eles olhavam para mim e perguntavam-me se eu estava bem…”, lembra.
Terminados os estudos no ensino secundário, prossegue a sua formação em Lisboa e Paris, ingressando na Orquestra do Porto. O percurso, diz, não foi fácil. “Vinha à boleia de Nisa, com o braço estendido, para Castelo Branco, e aos fins-de-semana, com 14 anos, ia sozinho, de comboio, para Lisboa. Este sacrifício de vida também nos faz mais fortes”, explica.
Carlos Alves esteve também ligado ao início da Escola Profissional da Covilhã. Até chegar à ESART, deu aulas em várias universidades portuguesas. “Acabei por regressar a Castelo Branco, primeiro porque sou do interior, mas também porque entendi que aqui também deveriam existir bons professores. Naquela altura eu estava na Universidade Católica, era solista da Orquestra do Porto e ainda era docente na ESMEL. Fui convidado pelo então presidente do Politécnico, Valter Lemos, e pelo diretor da escola, Fernando Raposo. Foram ter comigo ao Porto e disseram: nós queremos ter em Castelo Branco a melhor escola de música do país. Na altura eu vim, assim como outros músicos, como o Abel Ferreira, que agora está em Washington e é um dos melhores trompetistas internacionais ou o violinista Daniel Rowland. A Maria João Pires era a professora de piano, por exemplo”.
Carlos Alves sublinha a importância de escolas como a ESART no interior do país, no seu papel não apenas formativo, mas de promoção e dinamização da cultura no território. “Eu não venho apenas dar aulas à ESART. Por isso toquei com a Sinfonietta de Castelo Branco e organizo o Festival Internacional de Clarinete de Castelo Branco. Aquilo que é mais importante é que fizemos um trabalho importante. Grande parte dos professores que dão aulas de clarinete no interior do país foram aqui formados. Isto é um trabalho de vida e do qual tenho mais orgulho do que quando faço um grande concerto, pois o mundo está cheio de músicos que fazem bons espetáculos”.
O Festival Internacional de Clarinete surge “como a cereja em cima de um bolo” que foi sendo confecionado nos últimos 20 anos. “É uma iniciativa que marca a cidade e que traz clarinetistas a Castelo Branco. Vamos ter a estreia mundial de uma obra. Pela primeira vez a Sinfonietta atua no festival. Teremos solistas de topo mundial e iremos desafiar todos os clarinetistas da região a participar. É um projeto transversal. Academicamente queremos que todos possam caber no festival. Estamos a estudar uma maneira de que os primeiros 100 inscritos nos masterclasse possam ter alojamento e refeições como oferta nossa. Queremos criar uma vivência em torno do clarinete em Castelo Branco. A cidade vai usufruir de três dias de altíssima cultura, entre 1 e 3 de dezembro”.
Carlos Alves recorda a Cultura Politécnica, um ciclo cultural promovido pelo Politécnico de Castelo Branco, “e dirigido por Fernando Raposo. O projeto da escola quando começou fazia muito sentido, onde os professores participavam com os alunos. Fizemos muitos concertos com os estudantes na região. No primeiro ano, a minha classe fez mais de 100 espetáculos. Procurámos sempre elevar o projeto também fora de portas. A Esart começou com o melhor quadro de professores do que qualquer escola de música ou universidade do país”.
Hoje, diz, “o projeto não é o mesmo”. Carlos Alves considera que há que dar oportunidades àqueles que estão no território. “No Festival Internacional de Clarinete eu poderia trazer a orquestra Gulbenkian ou a do Porto. Mas em Castelo Branco surgiu a Sinfonietta e nós devemos dar-lhe a mão. Do concerto que fiz com eles já saiu a possibilidade de se gravar um disco e uma tourné de concertos”.
Aos 50 anos não tem dúvidas em afirmar que “a cultura e a educação transformam a vida das pessoas. Cada vez mais estou interessado em ajudar a transformar as coisas, de forma anónima, do que fazer mais um concerto. Dou mais valor ao trabalho que fiz academicamente em Castelo Branco do que o desenvolvido nas escolas de Lisboa e do Porto. Este é um princípio de vida, se calhar por ter nascido em Nisa. Hoje somos considerados a escola de clarinete mais forte do mundo. Temos exportado muitos diplomados”.
Carlos Alves deseja que “haja uma uma maior aproximação entre todos, que as pessoas se unam, esqueçam as políticas, e que percebam que há um desígnio maior que é aquilo que nós fazemos. A cultura e a educação estão acima de nós todos. Gostava que houvesse mais dinâmica e que o trabalho que está a ser feito na Esart fosse mais visível. Há muitas coisas que estamos a fazer e que ficam na sala de aula. Há uma quantidade de cultura e conhecimento que deve ser devolvida à comunidade. Castelo Branco é uma cidade fantástica com uma enorme qualidade de vida. Em termos de infra-estruturas tem tudo para dar certo, como cine-teatro, o Centro de Cultura Contemporânea ou o próprio centro cívico”.
Cara da Notícia
Carlos Alves é um dos melhores clarinetistas no panorama internacional. Clarinete Principal Associado na Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música, professor principal de Clarinete na Escola Superior de Artes Aplicadas de Castelo Branco, foi artista e professor convidado da Universidade do Estado do Arizona (EUA) em 2009 e 2010 e é artista Buffet Crampton e Vandoren. O seu percurso, para além de muitos concertos em todo o mundo, foi premiado nos mais importantes Concursos Nacionais, como os primeiros prémios de Jovens Músicos, de  Juventude Musical Portuguesa e do Festival Internacional Costa Verde. Foi ainda premiado nos Concursos Internacional de Roma e Internacional Aurelian Octav Popa na Roménia, abraçando, desde logo, uma intensa carreira solística e de música de câmara, que se expande internacionalmente por países como EUA, Rússia, Alemanha, Áustria, Holanda, Noruega, França, Itália, Espanha, Bélgica, Luxemburgo, Roménia, Macau ou Brasil, entre outros países.
Tocou a solo com a Orquestra Gulbenkian de Lisboa, Orquestra Clássica do Porto, a Orquestra Sinfónica Portuguesa, a Orquestra Clássica da Madeira, a Orquestra Nacional do Porto, a Orquestra Sinfonietta de Castelo Branco, a Orquestra de Câmara Portuguesa, a Orquestra do Sul, Orquestra Artave, Orquestra Sinfónica de Constanza na Roménia, Orquestra Sinfonica de Ontélia na Roménia e a Orquestra J. Futura em Itália, Orquestra Templários, Banda Sinfónica de Madrid, Banda da Guarda Nacional Republicana, Banda Sinfónica Portuguesa e Banda Sinfónica da Branca e a Banda de Paramos.
Nos seus trabalhos discográficos destaca-se a gravação para a EMI Classics do Concerto para Clarinete e Orquestra de Mozart com o Maestro Rui Massena e a Orquestra Clássica da Madeira. Gravou também as Integrais II para clarinete solo de João Pedro Oliveira, a convite do próprio compositor. Tem um CD que foi realizado com Caio Pagano, Daniel Rowland, Caterine Stryncx e Paulo Álvarez, com obras de Olivier Messiaen (Quarteto para o Fim dos Tempos) e Béla Bartok (Contrastes) para a etiqueta Numérica. No seu CD gravado nos EUA, Recital in the West (2010), na companhia do consagrado pianista Caio Pagano, a imprensa norte americana encontrou a melhor interpretação da primeira sonata de Brahms. É membro fundador do Arte Music Ensemble com o qual gravou o seu ultimo disco Divine.
No Teatro Nacional de São João, Carlos Piçarra Alves musicou ao vivo Figurantes de Jacinto Lucas Pires e D. Juan de Moliére, destaca-se também a sua participação em Sombras, espetáculos com encenação de Ricardo Pais
in ensino-magazine 23-05-2023

https://www.ensino.eu/ensino-magazine/entrevista/2023/a-cultura-e-a-educacao-transformam-as-pessoas/?fbclid=IwAR21OPZPgf8g8T0i2TCVlQ5j5NYwXUhWSp43p6jfZUNI2FsCwj6MIojXLwM#


8.8.17

ENTREVISTA - Ricardo Mateus: homem simples, desportista de eleição, nisense com N grande

“As autarquias devem dar mais atenção ao atletismo e organizar mais provas, para que apareçam novos valores.”
- Ricardo Mateus
 Ricardo Mateus cumpriu o sonho de representar o seu clube de eleição, o Sporting. Na entrevista ao Jornal de Nisa, o atleta nisense diz sentir-se muito feliz por ir representar o clube do seu coração e recorda as primeiras passadas no atletismo. Com a simplicidade que o caracteriza, fala do ainda curto, mas não menos fulgurante percurso, que o levou ao título de campeão nacional de Corta-Mato (juniores) e a vestir a "camisola das quinas", representando Portugal nos Mundiais de Corta-Mato, no Quénia.
Começamos por uma “viagem” até à infância. Como foram os teus tempos de criança, em Nisa?
“Lembro-me de alguns locais de brincadeira até aos 5 anos. Morámos dois ou três anos no Canto Pinheiro, era muito pequeno e não recordo nada de especial. Na Fonte da Cruz é que estão as minhas referências, mas foi no jardim-escola, com 5 anos, que comecei a ter amigos para brincar.
A vontade de correr e de ganhar quando é que “despertou”?
Aparece na escola primária. Havia algumas provas a nível do desporto escolar, tínhamos educação física com o senhor João Vitorino e o Álvaro e sempre que havia uma prova eu também corria, mas até ao 3º ano tinha más classificações, julgo que devido às distâncias serem curtas, 500 metros. No 4º ano comecei a destacar-me porque os percursos eram maiores. Num ano que se disputou o Corta-Mato escolar em Alpalhão, arrependi-me de não ter ido para a frente, classifiquei-me mal e disse aos da organização, na brincadeira, que tinha sido o 3º e eles quase que acreditavam.
No 1º ano do Ciclo, fiquei em 2º lugar na prova de corta-mato, o 1º foi o João Paralta. Não quis ir ao distrital e depois arrependi-me, mais uma vez.
No 6º ano vi que era o melhor a correr, das três turmas. Venci a prova em Nisa, 2/3 Kms e fui ao Distrital, tendo ficado nos 15 primeiros classificados. No 7º ano meteram-nos a competir com os do oitavo, fiquei em 3º e quem ganhou foi o Cabim. A partir do 8º ano e até ao 12º ganhei sempre a nível da escola e nos 11º e 12 anos venci a nível distrital.
Havia alguma preparação especial para competir?
A preparação era a do futebol, pois joguei desde pequeno no Nisa e Benfica, em todas as categorias até júnior, no primeiro ano, e só não alinhei no segundo, por terem acabado com este escalão. A preparação era correr, sozinho ou com o meu pai, e um dia, há 3 anos, fui correr em corrida lenta/média e quando dei por mim já tinha percorrido trinta quilómetros.
A corrida dava-te algum prazer ou sensação diferente?
Gosto de correr e testar as minhas capacidades. Uma das coisas positivas que a corrida me trouxe foi a de ter posto o tabaco de lado. Eu fumava, não muito, mas o meu organismo nunca aceitou o tabaco e penso que a corrida fez o resto: tornou o “vício” incompatível com o meu bem-estar.
A nível desportivo tinhas dois “amores”, o futebol e o atletismo. Como é que decidistes?
Eu comecei a jogar nas “escolinhas” e nunca me destaquei muito nos primeiros anos e entretanto ia correndo também.
Posso dizer que até à idade de júnior gostava mais de futebol. O atletismo só aparecia de tempos a tempos, até por que não tinha mais ninguém com quem correr.
Em júnior, no 2º ano (acabou por não haver) já tinha decidido que me dedicaria ao atletismo.
Qual foi a tua primeira prova “a sério” e como é que decorreu?
Foi o ano passado. Aproveitei as férias para treinar na praia. Comecei a treinar no princípio de Julho e metade dos dias de treino na praia já foram um pouco condicionados, devido ao desnível do terreno. Preparei-me bem para esta prova, o 1º Grande Prémio da Feira de Artesanato de Nisa.
Ainda na primeira volta, já ia destacado, começou a doer-me o pé direito. Os outros atletas que vinham atrás foram-me ultrapassando e um pouco mais à frente acabei por desistir.
A minha presença foi notada pelo Director Técnico Regional, João Correia, que já devia ter alguma referência minha.
Depois, parei durante mais de um mês, e em conversa com o Gonçalo Louro ele aconselhou-me a prosseguir os treinos e a apostar no atletismo. Comecei a treinar com mais determinação, cerca de 10 quilómetros /dia, durante três semanas, à tarde, por vezes até de noite, isto antes de ir a Portalegre fazer testes. Nestas 3 semanas deixei de fumar, hoje não toco no tabaco e não me faz falta, apesar de nunca ter notado o malefício do tabaco na corrida.
Em Portalegre fiz o teste de Cooper que consiste em dar 8 voltas à pista num determinado tempo, foi muito puxado e dei o que tinha porque eu queria mostrar todo o meu valor.
Começou aqui, verdadeiramente, a tua “aventura” no mundo do atletismo?
Comecei a competir, regularmente, em representação do Nisa e Benfica, com os resultados que conhece e foi dando conta no jornal. Nunca pensei, logo no início de competição, entrar no grupo dos primeiros num campeonato nacional. Outros atletas da região, com muita experiência, casos do Vítor Cordeiro, Licínio Canhoto e Luís Costa, diziam-me que eu tinha condições para chegar aos três primeiros lugares. O professor João Correia incentivou-me a “correr com cabecinha”. No dia da prova tive muitos apoios, muitas palavras e gritos de estímulo das minhas amigas do atletismo.


Como é que te sentiste entre os “craques” do atletismo nacional?
Eu senti-me muito bem tanto no campeonato do Alentejo de Corta-Mato em que venci a prova de juniores, como no campeonato distrital absoluto, que ganhei, batendo os atletas seniores. Estava em grande forma e a expectativa, a partir daqui era a de conseguir ficar nos três primeiros lugares.
Corri sempre “colado” aos atletas que eram favoritos, eles tentaram, por diversas vezes, fazer-me descolar, mas mantive-me sempre no grupo da frente e na última volta (2 Km) vi que estava em condições de ficar nos primeiros lugares e que os meus adversários não podiam estar melhor do que eu, senão tinham “apertado” mais.
Quando tocou o sino a anunciar a última volta, “ataquei” e distanciei-me, apenas o Pedro Cyrne, um dos favoritos, me conseguiu acompanhar. Mantive-me lado a lado, sem forçar demasiado e quando faltava um quilómetro, num troço cheio de lama, dei um safanão, destaquei-me e vi que ele não conseguia acompanhar-me. Fiz um esforço final até à meta, mantive o ritmo forte e acabei por ganhar.
Ricardo, nesta conversa, já me falastes, diversas vezes em sofrimento. O que é isso do sofrimento, numa modalidade de que se gosta?

No atletismo, mais do que noutra modalidade desportiva, para além da capacidade ou da técnica que um atleta tenha, é preciso também uma grande capacidade de sofrimento.
O sofrimento, a nível muscular, não representa quase nada. É mais a nível físico e psíquico.
Numa prova cada atleta dá o máximo e quando chega à meta, os pulmões estão a “rebentar”. O sofrimento, para explicar melhor, é como se uma pessoa estivesse a morrer com falta de ar e acaba por morrer, enquanto o atleta pelo esforço feito, tem falta de ar, mas recupera. O sofrimento, está na capacidade para aguentar, de suportar ou adequar a ânsia de vencer ao desgaste da corrida. Quando a corrida termina são precisos alguns minutos, para que a respiração volte ao normal. O atleta tem que ter esse espírito de sacrifício.
Foi sofrida esta vitória. O que representou para ti seres campeão nacional de corta-mato?
No primeiro dia parece que não acreditava e só quando o prof. João Carlos me telefonou, à noite, a dizer que tinha sido seleccionado para representar Portugal, aí fiquei muito contente e pensei para mim: “agora já podes dizer que és campeão nacional!”. Fiquei muito emocionado, houve muita alegria e foram dias especiais. Sentia que tinha subido vários patamares no atletismo e no entanto continuava surpreso comigo mesmo.
A nível das pessoas, não houve assim grandes diferenças, o que até se compreende, uma vez que o atletismo não tem a projecção dada ao futebol.
Os campeonatos mundiais no Quénia
Como é que decorreram os dias que antecederam a partida para o Quénia?

Foram duas semanas em que não houve grande ansiedade, porque sabia que as condições que iria encontrar no Quénia seriam muito diferentes, de tal modo que não permitia ter expectativas muito elevadas, apenas dar o nosso melhor. Pelos tempos e as classificações dos anos anteriores tencionava ficar nos 60 primeiros, mais ou menos por aí e sem um objectivo primordial.
A preparação manteve-se com o alto treino competitivo que tinha feito antes, com excepção de algumas séries que não tinha experimentado.
E a viagem, que sensações experimentaste dentro de um avião?
Foi a primeira vez que andei de avião e fiz a viagem o mais descontraído possível. Nas descolagens e aterragens é que sentia alguns arrepios e uma dor no ouvido. Mas foi muito interessante e o trajecto deu para conhecer um pouco de Amesterdão, ver o Kilimandjaro, a montanha mais alta de África e Nairobi. Pouco depois de termos aterrado em Nairobi, senti logo que a corrida ia ser muito dura, pois tinha dificuldades em respirar, era um sufoco.
De Nairobi seguimos num voo doméstico para Mombaça e fomos para o hotel.
Senti, aqui, pela primeira vez que “isto é mesmo África”, um mundo completamente diferente.
A prova como é que decorreu?
A prova tinha 120 atletas e eu geralmente fico bastante nervoso no início, mas nesta não.
Foi, como pensava, uma corrida a sofrer do princípio ao fim, de tal modo que cheguei a pensar em desistir. A parir da primeira volta foi um grande sofrimento e o treinador prof. Pedro Rocha dizia-nos “ajudem-se um ao outro”.
O problema não estava na entreajuda, mas sim no grande calor e humidade que se fazia sentir. Por causa disso, desgastei-me muito cedo e houve atletas africanos que desistiram. Era muito difícil continuar, mas na última volta senti-me melhor, talvez por ver a meta ao longe. Comecei a acelerar, passei 23 atletas e ganhei 49 segundos ao 2º português.
Fiquei contente com a classificação, não ficou longe daquilo que esperava, atendendo às condições. Fui o 11º europeu e à frente de alguns atletas africanos.

Representei o meu país, ganhei alguma experiência, participei numa competição a nível mundial, foi bom para ver o nível competitivo que estas competições apresentam, mas a minha maior surpresa foi ter sido campeão nacional, um título que não estava nas previsões, em tão pouco tempo.
Estiveste no Quénia, viste os atletas africanos “cilindrarem” os europeus. A que se deve essa supremacia dos atletas de África no atletismo, principalmente, a nível da corrida?
Falei das condições que encontrei no Quénia e das dificuldades de adaptação dos atletas europeus. Na Zâmbia, no Uganda e na Etiópia, provavelmente, as condições climatéricas são semelhantes. Eu acho que a supremacia dos africanos tem a ver com o passado genético, as condições em que treinam com muita humidade em altas temperaturas, o que faz com que treinem com pouco oxigénio. Como estão preparados dessa forma, precisam de se esforçar muito menos para obterem tão bons ou melhores resultados que nós só conseguimos com um esforço muito maior.
Vamos deixar o continente africano e centrar-nos no nosso distrito. Houve, como sabes, mudança na direcção técnica da AADP e Gonçalo Louro é o novo director técnico regional. O que esperas da sua acção?
Acredito que possa fazer um bom trabalho, como aquele que vinha a ser feito. A nível do concelho de Nisa, espero que ele possa aproveitar o meu “exemplo” para dinamizar mais o atletismo. Se houver mais gente a praticar, o gosto é maior e uns podem despertar os outros.
As câmaras e juntas de freguesia deviam dar mais atenção ao atletismo, organizar mais provas, de preferência nos centros das localidades para atrair mais pessoas. A partir dessas provas podem aparecer novos valores. É preciso que o atletismo seja mais divulgado, que haja mais e melhores condições de apoio aos jovens atletas. Uns trabalham, outros estudam e ainda treinam, sem acompanhamento médico.
Deixámos para o fim, o motivo que levou a esta entrevista. Vais representar o Sporting e pergunto-te, como encaras a mudança para tão grande clube?
O meu nome foi sugerido ao técnico do Sporting, Bernardo Manuel, pelo Luís Costa, um atleta veterano e amigo que também já representou os “leões”.
A ida para o Sporting, julgo que é um prémio às minhas qualidades, ao trabalho e à dedicação ao atletismo.
Estou muito feliz e se há uma equipa que me desse muito gosto representar em Portugal, esta é, sem dúvida o Sporting, não apenas por eu ser sportinguista, mas pelo passado histórico deste clube no atletismo nacional.
Por enquanto, vou continuar em Nisa, em qualquer altura poderei ser chamado para Lisboa e a haver uma mudança a nível de ambiente, penso que serei capaz de a suportar e de me adaptar.
Num futuro próximo e a nível dos sub-23 vou continuar a trabalhar para ser aquilo que fui em júnior e representar o clube o melhor possível, mostrando o meu valor.
Após a ida ao Quénia estava a preparar-me para os campeonatos nacionais de pista (juniores) e sub-23, lesionei-me e tenho estado um pouco limitado, motivo por que não pude participar nestas provas. Tive pena porque podia fazer um excelente resultado nos 5.000 metros e nos sub-23 iria tentar obter os mínimos para poder participar nos campeonatos europeus de juniores (5.000m). Sou jovem e há-de haver outras oportunidades...

Quero agradecer a tua disponibilidade para esta conversa e para a “sessão” fotográfica, com a camisola do Sporting. As linhas que seguem ficam à tua disposição.
"Aproveito para agradecer a todas as pessoas que me têm apoiado. À minha família, em primeiro lugar, ao meu pai, pelo apoio, conselhos e ajuda nas lesões, tem sido um grande companheiro. Agradeço ao prof. João Carlos Correia, com um papel fundamental na minha evolução e adaptação. Aos massagistas João Rosa, Pedro Silva e João Silva, que por serem dos Belenenses não olham a “camisolas” quando se trata de ajudar. Foram todos impecáveis comigo. Peço desculpa se me esquecer de alguém e por isso a todos aqueles que me têm ajudado, o meu Muito Obrigado!
Mário Mendes in "Jornal de Nisa" nº 241 - 17/10/2007
NOTA: A reposição desta entrevista é uma homenagem ao Ricardo Mateus, ao homem humilde, ao desportista de eleição e ao cidadão nisense que, pesem embora as circunstâncias, merece toda a nossa gratidão, respeito e orgulho de com ele termos convivido.
Até sempre, CAMPEÃO! 

16.1.16

LUÍS COSTA - Entrevistado há 30 anos para o "Fonte Nova"

Há 30 anos (4 de Setembro de 1985) como colaborador do semanário "Fonte Nova" fiz a primeira entrevista de fundo ao atleta nisense Luís Costa, que em Dezembro último "apadrinhou" a Corrida de S. Silvestre, organizada pelo Sporting Clube de Nisa. A entrevista, descobri-a, há dias, num amontoado de jornais e revistas, papéis (e memórias) que teimo em guardar e agora partilho com os visitantes do "Portal".
LUÍS COSTA: Correr por desporto e com o "credo" na boca
Quem percorre com frequência as estradas que ligam a Portalegre, há-de já ter notado certamente num jovem franzino, que indiferente a quem passa e pela berma da estrada vai palmilhando a correr, quilómetros atrás de quilómetros, numa passada ligeira e num jeito muito seu. O seu nome é conhecido daqueles que se interessam pelo desporto e pelas chamadas “modalidades amadoras”.
O Luís Costa é um desses atletas amadores, sem aspas nem sufixos. Construiu a pulso e por si (sabe-se lá quantas raivas contidas, quantas lágrimas suspensas) uma carreira desportiva recheada de êxitos, bem demonstrativa das suas potencialidades.
Falámos com ele. Sentimos a sua amargura, desilusão e desencanto. Ouvimos histórias e episódios dos seus êxitos e de alguns fracassos. Do mundo subterrâneo que não devia ser o do Desporto. E ficámos-nos a perguntar: com um Desporto a sério, com apoios capazes, até onde iria este homem (atleta), caramba?
FN – Quando começaste a correr?
Luís Costa – Comecei a correr em provas populares, mais precisamente numa corrida de S. Silvestre em Nisa, tinha 13 ou 14 anos.
Nessa altura tinhas já algum “fraco” pelo atletismo?
Não, não tinha. Corri por correr, na brincadeira. Saí-me bem, pois logo pela primeira vez que corri e entre concorrentes mais credenciados fiquei em 2º lugar.
Depois disso não mais paraste?
A partir daí o senhor Tapadinhas convidou-me para uma prova na Festa dos Aventais em Portalegre, prova que ganhei e comecei a entrar noutras provas mais conhecidas em representação dos Pallés.
Estive no Grande Prémio de Alcanena e muitas outras provas de nível regional tendo vencido diversas. Comecei a entusiasmar-me e a acreditar nas minhas capacidades para o atletismo.
E começaste a dar nas vistas, não foi?

Fui ganhando várias corridas e naturalmente comecei a ser conhecido. Antes de despertar o interesse de alguns clubes, ainda passei as “passas do Algarve” para correr. Por exemplo, para participar no Grande Prémio do Bocage em Setúbal, fui de bolei até aquela cidade apenas com uma “sandes" no bucho. Ganhei a prova e recebi um convite do Vitória de Setúbal para representar o clube. Em representação do Vitória, participei no 1º Passo – importante torneio organizado pelo Sporting e por onde têm passado os melhores atletas portugueses – tendo sido a grande revelação do Torneio, pois ganhei a prova dos 3.000 metros num tempo que ainda hoje é record do Torneio.
Pelo Vitória participei em diversas provas das quais destaco o Cross das Amendoeiras e a S. Silvestre de Lérida (Espanha) onde fui o melhor português.
Depois veio o interesse do Sporting?
Sim, fui contactado por dirigentes do Sporting e passei a representar este clube em juniores. Participei no Nacional de Corta-Mato e fui campeão regional de Lisboa em corta-mato. Venci também o Torneio de Abertura e outras em representação do clube de Alvalade. Fiz uma época em juniores e passei seguidamente a sénior tendo voltado a Portalegre e aos Pallés.
Por que trocaste o Sporting – grande clube na modalidade – por um clube modesto como os Pallés?
Porque tinha muitas dificuldades. O Sporting pagava-me apenas o alojamento e a alimentação e isso não dava para eu estar em Lisboa.
Quais os teus maiores êxitos em representação dos Pallés?
Participei em muitas provas ao longo da época, tendo obtido muitas vitórias, quer individual, quer por equipas. Destaco as vitórias nos Grandes Prémios de Seia, Gouveia e Covilhã, onde participam atletas de bom nível, bem como 3 estafetas Castelo de Vide-Portalegre.
De seguida, novo regresso a Setúbal. Porquê?
Em Portalegre, apesar da boa vontade e carolice de alguns dirigentes, as condições para a prática da modalidade eram más. Um atleta não é só correr. Precisa de ajuda, de quem o compreenda nos momentos menos bons de forma. Precisa também de condições para treinar, para melhorar os resultados e atingir outros níveis na sua carreira desportiva. Além disso o Vitória oferecia-me emprego e por isso não recuei.
No Vitória, nova etapa na tua carreira?

É verdade. Comecei a treinar com mais entusiasmo para justificar o convite que me fizeram e isso durante um ano. Foi uma boa época em que consegui excelentes resultados, embora tenha ficado muito desiludido. O Vitória enganou-me durante uma época com a promessa do emprego e nada feito, tive de vir embora.
Qual o trajecto, a seguir?
Uma vez que tinha feito uma boa época, o Sporting convidou-me novamente, clube que representei durante duas épocas e nas quais alcancei as minhas melhores marcas nos 5.000 e 10.000 metros. Foi um período de que guardo grandes recordações, apesar de continuar em Lisboa com grandes sacrifícios. Fiz o 3º melhor tempo da Estafeta Cascais – Lisboa. Alcancei o 11º lugar nos Nacionais de Corta-Mato e fiquei a dois lugares de ser seleccionado para o campeonato mundial da especialidade. Fiz de “lebre” durante 3.000 metros na primeira tentativa de Fernando Mamede para bater o “record” mundial dos 10.000 metros.
Por que não ficaste no Sporting?
No Sporting, sucedeu o mesmo que no Vitória de Setúbal. Promessas de emprego, melhoria de condições que nunca vieram, o desengano. Entretanto, casei em Portalegre e com a nova situação não me podia manter em Lisboa.
E outra vez os Pallés, não é?
Sim, radiquei-me em Portalegre, pois não havia condições de ir para outro lado. Aqui, ao menos há gente conhecida que me tem apoiado e incentivado a prosseguir.
Com a experiência e os resultados no Setúbal e no Sporting, não achas que poderias ir mais longe?
Sinto-me com capacidade para ir mais além, mas sem condições o que poderei eu fazer?
Tenho a minha vida, com grandes dificuldades pois estou desempregado. É claro que, com 25 anos, gostaria de mostrar todo o meu valor para o atletismo e alcançar melhores marcas. Assim vou aguardando que as coisas mudem e correndo onde é possível, dando o melhor que posso.
Como é que tu treinas?
Treino sozinho. Faço diariamente uma hora a correr, alternando a estrada com pisos de terra batida. Isto no princípio da época. Depois de 2 meses de treino, aumento o volume do treino, fazendo dois treinos diários: um de manhã e outro de tarde, correndo aproximadamente duas horas e percorrendo entre 30 e 35 quilómetros.
Quais as provas que gostas mais de correr?

Gosto de correr os 5.000 e os 10.000 metros e também a meia maratona (22.000 metros). Gostaria de tentar a maratona e penso que daqui a 2 ou 3 anos, se as condições o permitirem, poderei tentar esta prova.
O que é que pensas do atletismo a nível do nosso distrito?
Penso que está ainda bastante atrasado. Não há pistas; poucos clubes com secções organizadas, a participar, e falta de condições. O que é pena, pois há bastantes valores nas corridas e que poderiam fazer umas “coisas” se lhes dessem condições.
Uma última pergunta. Ó Luís, como é isso de uma pessoa, um jovem, estar desempregado, com dificuldades e ainda ter “energia” e estímulo para treinar e competir?
É muito difícil esta situação. Só quem passa por uma situação destas é que pode avaliar e compreender. Por vezes vou a correr, num treino e pergunto a mim mesmo por que é que ando a correr, para quê tudo isto? O desânimo é muito grande e só uma grande força de vontade é que me faz andar a correr. Tenho sido muito apoiado pela minha mulher que me ajuda e me diz "vai treinando, não pares de correr que melhores dias hão-de vir".
Tenho também corrido em muitas provas, principalmente em Espanha, onde tenho sido muito acarinhado. É isso que me ajuda a prosseguir e a confiar que no atletismo ainda poderei mostrar todo o meu valor".
Luís Costa, 25 anos, jovem, desempregado, atleta amador. Um depoimento impressionante e um exemplo de querer, de confiança. Um exemplo, também, de como não deveria ser o desporto em Portugal. Em Portalegre, aqui e agora.
Um exemplo para reflexão! Estão as autoridades (entidades) desportivas, interessadas nisso?
Mário Mendes in "Fonte Nova" - nº 41 - 4 Setembro 1985

1.9.15

Entrevista ao Cônsul honorário de Portugal em Tours

Luís Palheta, norte-alentejano, cônsul honorário de Portugal em Tours (França)
“Partilhar duas culturas é ter um suplemento de alma”
É o cônsul honorário de Portugal em Tours, região do centro de França. Nos anos sessenta de todos desencantos e desafios, partiu com os pais e os irmãos rumo a terras gaulesas. Levavam nas “malas de cartão” e nas lágrimas sufocadas da despedida, um alforge de sonhos e esperanças, a miragem de uma vida melhor.
Luís Palheta tornou realidade a asserção de que “o sonho comanda a vida”. Estudou, procurou ir sempre mais além e hoje é uma figura respeitada em toda a região do Loire onde exerce advocacia e se tornou, há oito anos, o representante consular de Portugal naquela região.
AA – Como é que um advogado português chega a cônsul honorário em França?
LP – “Eu próprio nunca pensei numa coisa dessas. Em 2008, o Embaixador de Portugal em França, dr. António Monteiro, após a reforma consular e o desaparecimento do cargo de cônsul de carreira em Tours, fez a proposta ao Governo e fui nomeado nesse mesmo ano.
AA – Sem experiência nessa área como é que aceitou o desafio e assumiu a responsabilidade de um cargo diplomático?
LP – “ Eram, de facto, funções novas e de certo modo, estranhas para mim. Eu tinha a meu favor a experiência de 20 anos como advogado de questões laborais, o que me deu um grande suporte e conhecimento sobre o quotidiano dos nossos compatriotas e da região.
Entrei rapidamente na função, não só por constituir uma descoberta interessante, como pelo facto de poder ajudar os nossos compatriotas, o que faço com grande entusiasmo.
Foi importante a manutenção do Consulado de Tours e estou consciente de que não há melhor resposta para os problemas de uma vasta comunidade do que um serviço de proximidade.
AA – Mas no início e após a “crise consular” a que atrás aludi, houve alguma apreensão dos nossos compatriotas sobre possível redução de serviços a nível do consulado...
LP – A reforma consular procurou racionalizar custos e meios humanos. Em Tours, quando iniciei funções, tínhamos um funcionário. Hoje temos cinco e o Consulado dá resposta às principais carências da comunidade portuguesa. Aqui tratamos de toda a documentação desde o Cartão de Cidadão, ao passaporte e outros serviços, nesse aspecto posso dizer que houve uma melhoria da qualidade de serviço.
A área consular que resultou desta “reforma” abrange, geograficamente, oito departamentos e uma população entre 50 a 60 mil portugueses de origem, número que atinge os 150 mil, considerando as pessoas com ligações a Portugal, os luso-descendentes. É um esforço tremendo de representação, que me dá um enorme prazer.
AA- Qual é a função do Cônsul e o que é que os nossos compatriotas procuram no Consulado?
LP – A principal função do Cônsul é a representação do país em todas as manifestações de carácter cultural, económico e outras para que seja convidado. Tem havido da minha parte um empenho na questão económica e no desenvolvimento do intercâmbio entre os dois países. Um outro aspecto da nossa função, por ventura, o menos conhecido, consiste na assistência consular aos detidos. Procuramos inteirar-nos de cada situação. Por vezes, há detidos sem papéis e o consulado procura resolver essas situações.
O consulado tem meios técnicos para emitir documentos, desde declarações de nascimento ou óbitos, procurações, documentos consulares, enfim, diversos.
AA – E a nível de situações sociais ou de carência económica, dão alguma ajuda?
LP – O consulado tem uma natureza intrinsecamente administrativa e não dispõe de verbas para essas situações. O consulado geral em Paris dispõe de um serviço social com verbas próprias que pode atender a muitas dessas situações. O nosso papel nessa área é de reportar cada situação e encaminhá-la para os serviços sociais franceses. Devo dizer que as relações com a administração francesa são muito boas. Em casos de acidente somos dos primeiros a ser informados e procuramos estabelecer contacto quer com a situação específica quer com as famílias envolvidas.
AA – Como é “vista” a comunidade portuguesa em França e, em particular, na área do consulado?
LP – Os portugueses constituem uma comunidade muito bem vista. São trabalhadores, discretos, humildes, bem integrados na sociedade francesa, não dão problemas a nível de segurança interna ou com as autoridades.
É nesse sentido também o meu discurso, a minha actuação. Sempre procurei na minha actividade profissional, em todas as manifestações para que era e sou convidado, dar uma imagem diferente do nosso país. E onde quer que eu vá falo sempre na cultura portuguesa. Convido-os a descobrirem a beleza do nosso país, a cultura de um povo com oito séculos de história.
AA- O Município do Porto atribuiu-lhe a Medalha de Mérito Municipal. A que se deveu esta distinção?
LP – Pela minha parte, digo, apenas, que fiz o que sempre tenho feito: divulgar o meu país e tentar estreitar os laços entre as duas nações.
No caso do Porto, a Câmara refere que a medalha foi atribuída “pelos serviços prestados à região portuense”. Houve algum esforço, em conjunto com a Câmara de Comércio e Indústria de Tours, no sentido de ser estabelecida uma carreira aérea ente Tours e o Porto. Fizeram um voo experimental, uma vez por semana, que foi um sucesso. De tal maneira que passaram a três voos semanais e no período de Verão, a quatro. Só tenho pena de não ser possível estabelecer uma carreira aérea semelhante com o aeroporto de Lisboa. Mas vamos ver se ainda há alternativas...
AA- Vamos mudar um pouco a nossa conversa e “descer às raízes”. O Luís há muito que não vinha a Nisa. Como encontrou a vila?
LP – Há 18 anos que cá não vinha. Tenho recordações da escola do Rossio, da casa na rua das Adegas onde morei antes de emigrar e da “vila”, em geral. Dá-me pena olhar para estas ruas do Centro Histórico. A alma do povo nisense está aqui, ali e não a encontrei agora. Nos anos 60 havia muita gente, um convívio admirável e agora resta a desertificação...
A modernização da parte central da vila, é admirável e um aspecto muito positivo.
Gostei de encontrar pessoas que não via há muito e vou fazer os impossíveis para vir mais vezes.
AA- Quer deixar uma mensagem aos seus conterrâneos e compatriotas?
LP – Com muito gosto. Dizer-lhes que nós em qualquer parte onde estejamos nunca deixamos de ser portugueses. Faz parte da nossa alma, a alma lusitana. Vejo com muita satisfação que a 2ª e a 3ª geração continua muito ligada a Portugal e guardar esta ligação não deve ser um problema mas sim um sinal de riqueza, cultural e afectiva.
Houve um poeta que disse: “Ter duas culturas é ter um suplemento de alma!”
É esse “suplemento de alma” que nos faz acreditar e ter esperança num futuro melhor para todos.
Um emigrante com Portugal no coração

Ilídio Luís Balonas Palheta, nasceu em Nisa há 60 anos, numa família de seis irmãos. Frequentou a 1ª classe da Escola do Rossio e a aula do professor Belo. Depois, ainda criança, rumou a França com os pais à procura de uma vida melhor.
Em França, fez a primária e abandonou a escola aos 14 anos. A difícil situação familiar impeliu-o a entrar na vida profissional como servente de pedreiro.
Não por muito tempo. O espírito irrequieto de Ilídio fê-lo viajar até à Inglaterra, Estados Unidos e Canadá procurando melhores condições de vida. Regressou a França, cursou contabilidade e com a “fome” de aprender fez os estudos secundários e candidatou-se à Universidade de Tours onde cursou Direito.
Hoje é um dos mais conhecidos e respeitados advogados no departamento de Indre et Loire, especialista em Direito Laboral e docente na Universidade de Tours, tendo a seu cargo as cadeiras de Direito Civil, Direito Comercial e Direito do Trabalho.
Foi esta “carta de apresentação” que fez com que o embaixador de Portugal em Paris, António Monteiro, o convidasse para cônsul honorário de Portugal em Tours, após a crise consular de 2008 e as grandes manifestações que lhe seguiram pela manutenção dos consulados.
É este o nosso entrevistado. Um alentejano e um nisense ilustre que tem procurado reforçar os laços económicos e culturais entre França e Portugal. Um esforço que o Município do Porto distinguiu atribuindo-lhe, em 2014, a Medalha de Ouro de Mérito Municipal.
Mário Mendes in "Alto Alentejo" 26/8/2015                                 

27.2.13

ACIDENTE NO IC8: Motorista aponta estrada como causa do despiste

Marco António Semedo é de Nisa. Casado e com três filhos, tem 47 anos e reside na Portagem (Marvão).
Motorista de transportes colectivos desde 1998, era ele quem conduzia na manhã de dia 27 de janeiro o autocarro da empresa espanhola Autocarros Rabazo, de la Codosera (Badajoz), que se despistou no IC8, junto ao nó do Carvalhal, acidente do qual resultaram 11 vítimas mortais, todas de Portalegre e uma de Assumar (Monforte).
O nosso jornal foi falar com Marco Semedo, para saber como se sente e o que pensa deste trágico acidente alguém que viveu e vive o que ninguém quereria viver.
Alto Alentejo – Há quanto anos é motorista de autocarros e onde trabalhou?
Marco Semedo – Sou motorista desde 1998, trabalhei na Câmara de Castelo de Vide e presentemente na firma Autocarros Rabazo em Espanha.
AA Qual o tipo de serviço que faz habitualmente?
MS – Faço transporte de crianças para Albuquerque.
AA Faz muitas excursões?
MS – Sim, faço muitas, praticamente todos os fins de semana.
AA Alguma vez tinha tido um acidente?
MS – Não, nunca.
AA - Como é que se sente depois deste acidente?
MS - Estou a tentar integrar o que vivi… não é fácil, não está a ser fácil… Estou tenso, não sei como hei-de explicar... (pausa) estou magoado, estou sofrido e estou abatido com a situação.
AA - Tem sentido apoio de amigos e de conhecidos em geral?
MS – O pessoal amigo e a população em geral apoiam-me. Perguntam-me como estou e dizem-me para ter calma, para seguir em frente. E a empresa também me apoia.
AA – Também ficou ferido no acidente. O que lhe aconteceu e como está?
MS - Parti umas costelas e fiz uma pequena perfuração de um pulmão. Estou a fazer fisioterapia respiratória e estou de baixa. Vou agora à consulta do seguro do trabalho.
AA – E tem tido algum apoio psicológico?
MS – Infelizmente não. Desde o primeiro dia que não tive qualquer apoio. Não estou a dizer que deva ser protegido, mas acho que devia ter algum apoio que não tive.
Já os meus familiares – a minha esposa e a minha filha mais nova que também foram vítimas do acidente – tiveram apoio enquanto estiveram internadas em Coimbra, depois não tiveram mais qualquer apoio.
A Câmara de Marvão mostrou vontade de apoiar mas não tem nenhum técnico dessa área, e até ao momento não há resposta da Segurança Social.
AA – Mas sente que era necessário esse apoio psicológico?
MS – Nós pensamos que estamos bem mas se calhar até nem estamos, acho que deveríamos ter um apoio especializado. Os amigos e a população dão-nos apoio e força, mas não sei se será o suficiente.
AA – Toda a gente refere que é um motorista cauteloso. Acha que neste acidente ia com velocidade excessiva?
MS – Não, penso que ia numa velocidade adequada para as condições que estavam nesse dia. Era um dia chuvoso e havia algum nevoeiro e fui traído por uma situação da via em que a sinalização era mínima; eu nem me apercebi da sinalização, apenas vi um sinal que estava caído, que era “de perigo” mas em cima do acontecimento. Se o piso estivesse em condições normais, penso que a velocidade era normal. Eu já passei naquela estrada muita vez – agora desde Setembro ou Outubro que lá não passava – e por isso penso que seguia a velocidade normal.
AA – A sinalização estava devidamente visível?
MS – Não, não estava. E foi já testemunhado por várias pessoas que aquilo não estava sinalizado em condições. Para o grau de dificuldade que tinha aquela zona, estava muito mal sinalizado.
AA – Se bem que de alguma forma já o tenha respondido, quanto a si qual é que terá sido a causa do acidente?
MS – A causa do acidente foi o mau estado do piso naquele local. O piso estava mais ou menos em condições, mas havia um declive com uma certa profundidade, e se isso não é fácil para um carro ligeiro como foi testemunhado por outras pessoas, muito mais difícil é para um carro com uma dimensão daquelas em que o controlo se perde mais facilmente.
AA – Se pudesse transmitir uma mensagem às vítimas do acidente, tanto às que partiram com às que estão feridas, às que sofreram e às que estão a sofrer, o que lhes diria?
MS – Que lamento muito, muito sinceramente o acontecido. Às que partiram desejo que descansem em paz, às famílias envio as minhas sinceras condolências, e aos restantes desejo rápidas melhoras e completo restabelecimento.•
Entrevista ao "Alto Alentejo" - 27/2/2013

21.1.13

ENTREVISTA: "No Alentejo sinto-me sempre em casa"


Dora Maria, 37 anos, lançou em Abril de 2011 o seu primeiro trabalho: “Mar de Tanto Amar”. No sábado, 26 de Janeiro, pelas 21,30h, é este espectáculo que leva a todos os que acorrerem ao Centro de Artes do Espectáculo de Portalegre, num regresso à região que lhe moldou a alma e os sentimentos. Pretexto para conhecermos um pouco melhor esta professora de Abrantes que canta o fado a dançar, espontaneamente.
Quem é a Dora Maria?
“Dora Maria Valente Caldeira é o meu nome e nasci por mero acaso em Lisboa, já que as minhas origens são alentejanas, de Nisa. Vim, no entanto, aos 7 meses de idade para a cidade de Abrantes. Daí haver uma miscelânea, na minha forma de ser e de estar, um toque das planícies alentejanas com laivos das lezírias ribatejanas.”
De onde vem esta motivação e o gosto pelo canto?
“Desde tenra idade, comecei a ouvir fado, primeiro na voz de minha mãe que me embalava a cantar o «Xaile de minha mãe» e foi mesmo com ela que cantei os primeiros versos.
A primeira vez que pisei um palco tinha 5 anos de idade e cantei mesmo sem músicos. O gosto pelo palco surgiu nesse dia…
Desde que me conheço como gente que gosto de cantar. As minhas brincadeiras de infância passavam sempre pela música. Gostava de cantar para os outros. As pessoas juntavam-se para me ouvir e isso fazia-me feliz. Cantava em festivais, no coro da igreja, depois mais tarde na Tuna Académica de Beja, como solista, até que um dia o Fado veio para ficar. Reavivei o gosto pelo fado que tinha ficado adormecido durante alguns anos, quando estive a estudar em Beja. Em tertúlias de amigos, Francisco Fanhais acompanhava-me num fadinho ao final da noite e dizia me sempre que o Fado é que era a minha canção. Senti que ele tinha razão. Comecei a cantar numa casa de fados. A partir daí o Fado não mais me deixou e nem eu a ele.”
Houve alguma razão especial que a levasse a escolher este género musical?
“Como disse, já gostava de fado quando era pequenina. Ouvia fado em casa dos meus pais e em casa de um tio que ouvia essencialmente Fernando Farinha e aquela sonoridade mexia com os meus sentimentos, já naquela altura, de uma forma que não conseguia explicar. Depois, já com 18 anos, comecei a cantar fado. Tem sido uma descoberta e quanto mais trilho os caminhos do fado, mais me apego a ele. É único o som da guitarra, o ambiente místico, os poemas que o fado nos traz.”
 “Mar de tanto amar” foi o primeiro trabalho discográfico (CD). Como surgiu o título e a escolha dos temas e dos autores?
Um dia ao escutar um fado de Amália que dizia assim “Olha a ribeirinha que sonhou ser um rio, sonho de grandeza de ribeira presa que vai com certeza deixar de sonhar” senti que era essa ribeirinha mas com muita vontade de ser rio e nunca deixar de sonhar.
Quis o destino que tivesse encontrado vários afluentes que com as suas águas cristalinas e de forte corrente tivessem aumentado o meu caudal. Em Abril de 2011 este rio veio desaguar neste projeto a que chamei “Mar de tanto Amar». É um projeto de fado tradicional e de inéditos, feitos para mim pelo poeta abrantino José Alberto Marques e o compositor José Horta. O poema «Mar de tanto Amar» foi escrito por mim, num dia de atrevimento poético.”
Qual tem sido a reacção do público e da crítica a este primeiro trabalho?
“Devo dizer que a receção por parte do público superou as minhas expetativas. O espetáculo “Mar de tanto Amar” tem enchido várias salas de espetáculos do país (Abrantes, Nisa, Castelo Branco, Coimbra, Figueira da Foz, Lisboa, Chamusca, Tomar, Sardoal, …) e fora dele em países tais como Suíça, França, Inglaterra, Espanha.
As pessoas têm mostrado bastante agrado e carinho por este espetáculo que tem na sua essência o fado, mas que  tem apresentado algumas surpresas, pois além dos instrumentos musicais normais no fado (guitarra portuguesa e viola), outros instrumentos como acordeão, flauta transversal, percussão e contrabaixo têm dado mais cor  sonora aos fados que interpreto.”
Na divulgação do CD tenho contado com um forte apoio por parte das rádios e imprensa que tem colaborado não só na divulgação dos espetáculos, como também na divulgação da minha música.”
“O fado é a nossa impressão digital”
O que representa o fado para si?
“O fado é o sentir, o pensar e o estar na vida do povo português. Fado é tudo nesta vida. E é exclusivamente nosso. Por muito que outros povos o tentem reproduzir, não o conseguem. É a nossa identidade, a nossa impressão digital.
Parece que estamos a assistir a um movimento de renovação deste género musical. Tem sentido isso nos seus espectáculos?
Tenho notado que cada vez há mais jovens no fado, seja a cantar, seja como instrumentistas e com grande qualidade. O fado já não é visto como música para os mais velhos. Há muita gente nova nos palcos e nas plateias do fado. Claro, que ter sido considerado Património Imaterial da Humanidade contribui imenso para esta renovação.”
Como caracterizaria o seu grupo de acompanhantes, as razões que influenciaram a sua escolha e como justifica a inclusão de um instrumento (o acordeão) não muito habitual neste tipo de música?
“Tive a felicidade de ter encontrado no meu percurso, excelentes músicos, na viola o músico e fadista João Chora, na guitarra portuguesa, Bruno Mira, no acordeão, Bernardo Fouto e contrabaixo, Rui Santos. Em alguns espetáculos tive a participação especial de Ricardo Alves na flauta transversal, Rafael Quinas na percussão e José Horta na guitarra clássica.
Para quando o lançamento de um novo trabalho?
“ Penso que no final deste ano saia o meu próximo trabalho discográfico, estou a trabalhar para isso. Já reuni uma série de fados inéditos que me foram oferecidos e outros feitos por mim e garanto que a qualidade destes estão a dar me alento para que o próximo Cd saia ainda este ano.”
O que podem os espectadores esperar do espectáculo no CAEP e qual a sua expectativa por actuar na região de origem dos seus pais?
Apresentar o meu espetáculo em Portalegre é  de uma grande felicidade para mim, pois é uma cidade que me está ligada através das origens dos meus pais. Desde pequena que conheço a cidade e algumas das suas simpáticas gentes. No Alentejo sinto-me sempre em casa. Brevemente irei também apresentar o «Mar de tanto Amar» noutra das capitais alentejanas, Beja. É como um retorno a casa. O espetáculo em Portalegre acredito  que será  um momento marcante na minha carreira.
Gostaria de deixar aqui o convite a todos os leitores do jornal que venham até este “Mar de fado”. Será com certeza um grande espetáculo e que como já me têm dito que agrada a todas as idades e gostos, pois na sua componente de fado tradicional também se «salpicam» alguns fados inéditos, com sonoridades novas. Mas só visto e ouvido, contado pode ninguém acreditar. Venham até ao C.A.E.P, dia 26 de janeiro pelas 21h30.
Os bilhetes podem ser adquiridos ou reservados de segunda a sexta das 10h/13h e 15h/19h nas bilheteiras do C.A.E.P.  ou por telefone 245 307 498.
Quer deixar alguma mensagem aos leitores do “Alto Alentejo”?
Desejo um bom ano 2013 a todos os leitores do Jornal Alto Alentejo com muitos beijos e fados ….
Mário Mendes in "Alto Alentejo" - 16/1/2013