1.9.15

Entrevista ao Cônsul honorário de Portugal em Tours

Luís Palheta, norte-alentejano, cônsul honorário de Portugal em Tours (França)
“Partilhar duas culturas é ter um suplemento de alma”
É o cônsul honorário de Portugal em Tours, região do centro de França. Nos anos sessenta de todos desencantos e desafios, partiu com os pais e os irmãos rumo a terras gaulesas. Levavam nas “malas de cartão” e nas lágrimas sufocadas da despedida, um alforge de sonhos e esperanças, a miragem de uma vida melhor.
Luís Palheta tornou realidade a asserção de que “o sonho comanda a vida”. Estudou, procurou ir sempre mais além e hoje é uma figura respeitada em toda a região do Loire onde exerce advocacia e se tornou, há oito anos, o representante consular de Portugal naquela região.
AA – Como é que um advogado português chega a cônsul honorário em França?
LP – “Eu próprio nunca pensei numa coisa dessas. Em 2008, o Embaixador de Portugal em França, dr. António Monteiro, após a reforma consular e o desaparecimento do cargo de cônsul de carreira em Tours, fez a proposta ao Governo e fui nomeado nesse mesmo ano.
AA – Sem experiência nessa área como é que aceitou o desafio e assumiu a responsabilidade de um cargo diplomático?
LP – “ Eram, de facto, funções novas e de certo modo, estranhas para mim. Eu tinha a meu favor a experiência de 20 anos como advogado de questões laborais, o que me deu um grande suporte e conhecimento sobre o quotidiano dos nossos compatriotas e da região.
Entrei rapidamente na função, não só por constituir uma descoberta interessante, como pelo facto de poder ajudar os nossos compatriotas, o que faço com grande entusiasmo.
Foi importante a manutenção do Consulado de Tours e estou consciente de que não há melhor resposta para os problemas de uma vasta comunidade do que um serviço de proximidade.
AA – Mas no início e após a “crise consular” a que atrás aludi, houve alguma apreensão dos nossos compatriotas sobre possível redução de serviços a nível do consulado...
LP – A reforma consular procurou racionalizar custos e meios humanos. Em Tours, quando iniciei funções, tínhamos um funcionário. Hoje temos cinco e o Consulado dá resposta às principais carências da comunidade portuguesa. Aqui tratamos de toda a documentação desde o Cartão de Cidadão, ao passaporte e outros serviços, nesse aspecto posso dizer que houve uma melhoria da qualidade de serviço.
A área consular que resultou desta “reforma” abrange, geograficamente, oito departamentos e uma população entre 50 a 60 mil portugueses de origem, número que atinge os 150 mil, considerando as pessoas com ligações a Portugal, os luso-descendentes. É um esforço tremendo de representação, que me dá um enorme prazer.
AA- Qual é a função do Cônsul e o que é que os nossos compatriotas procuram no Consulado?
LP – A principal função do Cônsul é a representação do país em todas as manifestações de carácter cultural, económico e outras para que seja convidado. Tem havido da minha parte um empenho na questão económica e no desenvolvimento do intercâmbio entre os dois países. Um outro aspecto da nossa função, por ventura, o menos conhecido, consiste na assistência consular aos detidos. Procuramos inteirar-nos de cada situação. Por vezes, há detidos sem papéis e o consulado procura resolver essas situações.
O consulado tem meios técnicos para emitir documentos, desde declarações de nascimento ou óbitos, procurações, documentos consulares, enfim, diversos.
AA – E a nível de situações sociais ou de carência económica, dão alguma ajuda?
LP – O consulado tem uma natureza intrinsecamente administrativa e não dispõe de verbas para essas situações. O consulado geral em Paris dispõe de um serviço social com verbas próprias que pode atender a muitas dessas situações. O nosso papel nessa área é de reportar cada situação e encaminhá-la para os serviços sociais franceses. Devo dizer que as relações com a administração francesa são muito boas. Em casos de acidente somos dos primeiros a ser informados e procuramos estabelecer contacto quer com a situação específica quer com as famílias envolvidas.
AA – Como é “vista” a comunidade portuguesa em França e, em particular, na área do consulado?
LP – Os portugueses constituem uma comunidade muito bem vista. São trabalhadores, discretos, humildes, bem integrados na sociedade francesa, não dão problemas a nível de segurança interna ou com as autoridades.
É nesse sentido também o meu discurso, a minha actuação. Sempre procurei na minha actividade profissional, em todas as manifestações para que era e sou convidado, dar uma imagem diferente do nosso país. E onde quer que eu vá falo sempre na cultura portuguesa. Convido-os a descobrirem a beleza do nosso país, a cultura de um povo com oito séculos de história.
AA- O Município do Porto atribuiu-lhe a Medalha de Mérito Municipal. A que se deveu esta distinção?
LP – Pela minha parte, digo, apenas, que fiz o que sempre tenho feito: divulgar o meu país e tentar estreitar os laços entre as duas nações.
No caso do Porto, a Câmara refere que a medalha foi atribuída “pelos serviços prestados à região portuense”. Houve algum esforço, em conjunto com a Câmara de Comércio e Indústria de Tours, no sentido de ser estabelecida uma carreira aérea ente Tours e o Porto. Fizeram um voo experimental, uma vez por semana, que foi um sucesso. De tal maneira que passaram a três voos semanais e no período de Verão, a quatro. Só tenho pena de não ser possível estabelecer uma carreira aérea semelhante com o aeroporto de Lisboa. Mas vamos ver se ainda há alternativas...
AA- Vamos mudar um pouco a nossa conversa e “descer às raízes”. O Luís há muito que não vinha a Nisa. Como encontrou a vila?
LP – Há 18 anos que cá não vinha. Tenho recordações da escola do Rossio, da casa na rua das Adegas onde morei antes de emigrar e da “vila”, em geral. Dá-me pena olhar para estas ruas do Centro Histórico. A alma do povo nisense está aqui, ali e não a encontrei agora. Nos anos 60 havia muita gente, um convívio admirável e agora resta a desertificação...
A modernização da parte central da vila, é admirável e um aspecto muito positivo.
Gostei de encontrar pessoas que não via há muito e vou fazer os impossíveis para vir mais vezes.
AA- Quer deixar uma mensagem aos seus conterrâneos e compatriotas?
LP – Com muito gosto. Dizer-lhes que nós em qualquer parte onde estejamos nunca deixamos de ser portugueses. Faz parte da nossa alma, a alma lusitana. Vejo com muita satisfação que a 2ª e a 3ª geração continua muito ligada a Portugal e guardar esta ligação não deve ser um problema mas sim um sinal de riqueza, cultural e afectiva.
Houve um poeta que disse: “Ter duas culturas é ter um suplemento de alma!”
É esse “suplemento de alma” que nos faz acreditar e ter esperança num futuro melhor para todos.
Um emigrante com Portugal no coração

Ilídio Luís Balonas Palheta, nasceu em Nisa há 60 anos, numa família de seis irmãos. Frequentou a 1ª classe da Escola do Rossio e a aula do professor Belo. Depois, ainda criança, rumou a França com os pais à procura de uma vida melhor.
Em França, fez a primária e abandonou a escola aos 14 anos. A difícil situação familiar impeliu-o a entrar na vida profissional como servente de pedreiro.
Não por muito tempo. O espírito irrequieto de Ilídio fê-lo viajar até à Inglaterra, Estados Unidos e Canadá procurando melhores condições de vida. Regressou a França, cursou contabilidade e com a “fome” de aprender fez os estudos secundários e candidatou-se à Universidade de Tours onde cursou Direito.
Hoje é um dos mais conhecidos e respeitados advogados no departamento de Indre et Loire, especialista em Direito Laboral e docente na Universidade de Tours, tendo a seu cargo as cadeiras de Direito Civil, Direito Comercial e Direito do Trabalho.
Foi esta “carta de apresentação” que fez com que o embaixador de Portugal em Paris, António Monteiro, o convidasse para cônsul honorário de Portugal em Tours, após a crise consular de 2008 e as grandes manifestações que lhe seguiram pela manutenção dos consulados.
É este o nosso entrevistado. Um alentejano e um nisense ilustre que tem procurado reforçar os laços económicos e culturais entre França e Portugal. Um esforço que o Município do Porto distinguiu atribuindo-lhe, em 2014, a Medalha de Ouro de Mérito Municipal.
Mário Mendes in "Alto Alentejo" 26/8/2015