Luís Palheta,
norte-alentejano, cônsul honorário de Portugal em Tours (França)
“Partilhar duas culturas é ter um suplemento de alma”
É o cônsul honorário
de Portugal em Tours, região do centro de França. Nos anos sessenta de todos
desencantos e desafios, partiu com os pais e os irmãos rumo a terras gaulesas.
Levavam nas “malas de cartão” e nas lágrimas sufocadas da despedida, um alforge
de sonhos e esperanças, a miragem de uma vida melhor.
Luís Palheta tornou
realidade a asserção de que “o sonho comanda a vida”. Estudou, procurou ir
sempre mais além e hoje é uma figura respeitada em toda a região do Loire onde
exerce advocacia e se tornou, há oito anos, o representante consular de
Portugal naquela região.
AA – Como é que um
advogado português chega a cônsul honorário em França?
LP – “Eu próprio nunca pensei numa coisa dessas. Em 2008, o
Embaixador de Portugal em França, dr. António Monteiro, após a reforma consular
e o desaparecimento do cargo de cônsul de carreira em Tours, fez a proposta ao
Governo e fui nomeado nesse mesmo ano.
AA – Sem experiência
nessa área como é que aceitou o desafio e assumiu a responsabilidade de um
cargo diplomático?
LP – “ Eram, de facto, funções novas e de certo modo,
estranhas para mim. Eu tinha a meu favor a experiência de 20 anos como advogado
de questões laborais, o que me deu um grande suporte e conhecimento sobre o
quotidiano dos nossos compatriotas e da região.
Entrei rapidamente na função, não só por constituir uma
descoberta interessante, como pelo facto de poder ajudar os nossos
compatriotas, o que faço com grande entusiasmo.
Foi importante a manutenção do Consulado de Tours e estou
consciente de que não há melhor resposta para os problemas de uma vasta
comunidade do que um serviço de proximidade.
AA – Mas no início e
após a “crise consular” a que atrás aludi, houve alguma apreensão dos nossos
compatriotas sobre possível redução de serviços a nível do consulado...
LP – A reforma consular procurou racionalizar custos e meios
humanos. Em Tours, quando iniciei funções, tínhamos um funcionário. Hoje temos
cinco e o Consulado dá resposta às principais carências da comunidade
portuguesa. Aqui tratamos de toda a documentação desde o Cartão de Cidadão, ao
passaporte e outros serviços, nesse aspecto posso dizer que houve uma melhoria
da qualidade de serviço.
A área consular que resultou desta “reforma” abrange,
geograficamente, oito departamentos e uma população entre 50 a 60 mil portugueses de
origem, número que atinge os 150 mil, considerando as pessoas com ligações a
Portugal, os luso-descendentes. É um esforço tremendo de representação, que me
dá um enorme prazer.
AA- Qual é a função
do Cônsul e o que é que os nossos compatriotas procuram no Consulado?
LP – A principal função do Cônsul é a representação do país
em todas as manifestações de carácter cultural, económico e outras para que
seja convidado. Tem havido da minha parte um empenho na questão económica e no
desenvolvimento do intercâmbio entre os dois países. Um outro aspecto da nossa
função, por ventura, o menos conhecido, consiste na assistência consular aos
detidos. Procuramos inteirar-nos de cada situação. Por vezes, há detidos sem
papéis e o consulado procura resolver essas situações.
O consulado tem meios técnicos para emitir documentos, desde
declarações de nascimento ou óbitos, procurações, documentos consulares, enfim,
diversos.
AA – E a nível de
situações sociais ou de carência económica, dão alguma ajuda?
LP – O consulado tem uma natureza intrinsecamente
administrativa e não dispõe de verbas para essas situações. O consulado geral em
Paris dispõe de um serviço social com verbas próprias que pode atender a muitas
dessas situações. O nosso papel nessa área é de reportar cada situação e
encaminhá-la para os serviços sociais franceses. Devo dizer que as relações com
a administração francesa são muito boas. Em casos de acidente somos dos
primeiros a ser informados e procuramos estabelecer contacto quer com a
situação específica quer com as famílias envolvidas.
AA – Como é “vista” a
comunidade portuguesa em França e, em particular, na área do consulado?
LP – Os portugueses constituem uma comunidade muito bem
vista. São trabalhadores, discretos, humildes, bem integrados na sociedade
francesa, não dão problemas a nível de segurança interna ou com as autoridades.
É nesse sentido também o meu discurso, a minha actuação.
Sempre procurei na minha actividade profissional, em todas as manifestações
para que era e sou convidado, dar uma imagem diferente do nosso país. E onde
quer que eu vá falo sempre na cultura portuguesa. Convido-os a descobrirem a
beleza do nosso país, a cultura de um povo com oito séculos de história.
AA- O Município do
Porto atribuiu-lhe a Medalha de Mérito Municipal. A que se deveu esta
distinção?
LP – Pela minha parte, digo, apenas, que fiz o que sempre
tenho feito: divulgar o meu país e tentar estreitar os laços entre as duas
nações.
No caso do Porto, a Câmara refere que a medalha foi
atribuída “pelos serviços prestados à região portuense”. Houve algum esforço,
em conjunto com a Câmara de Comércio e Indústria de Tours, no sentido de ser
estabelecida uma carreira aérea ente Tours e o Porto. Fizeram um voo
experimental, uma vez por semana, que foi um sucesso. De tal maneira que
passaram a três voos semanais e no período de Verão, a quatro. Só tenho pena de
não ser possível estabelecer uma carreira aérea semelhante com o aeroporto de
Lisboa. Mas vamos ver se ainda há alternativas...
AA- Vamos mudar um
pouco a nossa conversa e “descer às raízes”. O Luís há muito que não vinha a
Nisa. Como encontrou a vila?
LP – Há 18 anos que cá não vinha. Tenho recordações da
escola do Rossio, da casa na rua das Adegas onde morei antes de emigrar e da
“vila”, em geral. Dá-me
pena olhar para estas ruas do Centro Histórico. A alma do povo nisense está
aqui, ali e não a encontrei agora. Nos anos 60 havia muita gente, um convívio
admirável e agora resta a desertificação...
A modernização da parte central da vila, é admirável e um
aspecto muito positivo.
Gostei de encontrar pessoas que não via há muito e vou fazer
os impossíveis para vir mais vezes.
AA- Quer deixar uma
mensagem aos seus conterrâneos e compatriotas?
LP – Com muito gosto. Dizer-lhes que nós em qualquer parte
onde estejamos nunca deixamos de ser portugueses. Faz parte da nossa alma, a
alma lusitana. Vejo com muita satisfação que a 2ª e a 3ª geração continua muito
ligada a Portugal e guardar esta ligação não deve ser um problema mas sim um
sinal de riqueza, cultural e afectiva.
Houve um poeta que disse: “Ter duas culturas é ter um
suplemento de alma!”
É esse “suplemento de alma” que nos faz acreditar e ter
esperança num futuro melhor para todos.
Um emigrante com Portugal no coração
Ilídio Luís Balonas Palheta, nasceu em Nisa há 60 anos, numa
família de seis irmãos. Frequentou a 1ª classe da Escola do Rossio e a aula do
professor Belo. Depois, ainda criança, rumou a França com os pais à procura de
uma vida melhor.
Em França, fez a primária e abandonou a escola aos 14 anos.
A difícil situação familiar impeliu-o a entrar na vida profissional como
servente de pedreiro.
Não por muito tempo. O espírito irrequieto de Ilídio fê-lo
viajar até à Inglaterra, Estados Unidos e Canadá procurando melhores condições
de vida. Regressou a França, cursou contabilidade e com a “fome” de aprender
fez os estudos secundários e candidatou-se à Universidade de Tours onde cursou
Direito.
Hoje é um dos mais conhecidos e respeitados advogados no
departamento de Indre et Loire, especialista em Direito Laboral e docente
na Universidade de Tours, tendo a seu cargo as cadeiras de Direito Civil,
Direito Comercial e Direito do Trabalho.
Foi esta “carta de apresentação” que fez com que o
embaixador de Portugal em Paris, António Monteiro, o convidasse para cônsul
honorário de Portugal em Tours, após a crise consular de 2008 e as grandes
manifestações que lhe seguiram pela manutenção dos consulados.
É este o nosso entrevistado. Um alentejano e um nisense
ilustre que tem procurado reforçar os laços económicos e culturais entre França
e Portugal. Um esforço que o Município do Porto distinguiu atribuindo-lhe, em 2014, a Medalha de Ouro de
Mérito Municipal.
Mário Mendes in "Alto Alentejo" 26/8/2015