30.9.25

OPINIÃO: Um beijo pode ser insulto


Já lá vão dez anos desde que a discussão em torno da chamada "lei do piropo" extremou posições, entre os que defendiam que comentários e propostas de cariz sexual deviam ser crime e os que argumentavam que tal representaria um atentado à liberdade de expressão. Consensual era que, tal como todas as formas de assédio sexual, seria um delito de difícil prova, logo sem punição, o que para muitos tornaria a lei ineficaz e inútil. As propostas de cariz sexual acabariam por ser enquadradas no crime de importunação e o assunto esquecido num país que não só legitima que os homens façam todo o tipo de observações obscenas a meninas e mulheres como até se indigna por haver quem não admita esse tipo de "elogio" ou avanços. O piropo com conteúdo sexual - sempre que é imposto, indesejado, persistente ou cause desconforto - é uma forma de violência de género. E não deve ser tolerado. Ponto.

Vem isto a propósito de um deputado da nação, vice-secretário da mesa da Assembleia da República, ter enviado beijos e ter feito sinal a uma deputada para que se calasse durante uma sessão plenária na semana passada. Os gestos de Filipe Melo (Chega) dirigidos a Isabel Moreira (PS) - inequívocos nas filmagens do debate - são provocatórios e ofensivos por diversas razões. Porque atentam contra as mais basilares regras de respeito e urbanidade que deveriam regular o comportamento dos eleitos pelo Povo. Mas também porque visavam afrontar Isabel Moreira enquanto mulher (de Esquerda). Certamente Filipe Melo não tentaria mandar beijos ou silenciar um deputado homem.

Além da eventual violação do Código de Conduta dos Deputados, que será avaliada pela Comissão de Transparência, o que está em causa é impor limites ao bullying, ao insulto, à boçalidade no Parlamento. E sancionar atitudes misóginas na casa da Democracia.

·         Helena Norte – Jornal de Notícias - 29 de setembro, 2025