Dei o meu
primeiro beijo a sério numa cabina telefónica quase na esquina da Correia Teles
com a Sampaio Bruno, em Lisboa. Tínhamos acabado de fazer uma chamada para um
amigo e foi mágico, nunca pensara que um beijo com língua pudesse ser assim.
Também levei recados e angústias. Foi naquela mesma cabine que pedi dinheiro às
minhas tias e à avó paterna, um drama. Jovem e a tresandar a futuro, fiz
dezenas de chamadas em dezenas de cabines - apaixonado, colérico, com saudades
e sem saudades, com notícias ou apenas para marcar o ponto. As cabines foram
desaparecendo e as poucas que existem cheiram a vómito da noite e é difícil
imaginar alguém que dali faça um telefonema, mas as que deixaram de ser vistas
não foram destruídas - pelo menos em Lisboa. Não sei a razão, mas há um
cemitério de cabines em Sacavém, perto da Ponte Vasco da Gama. Centenas de
cabines que parecem jazigos perfilados numa ordem sem ordem. Umas a seguir às
outras, coladinhas umas nas outras, rigorosamente iguais e sem epitáfios ou
flores que as glorifiquem. Não saberia como procurar a cabine de onde me
despedi da minha mãe antes de apanhar o autocarro para casa da avó paterna:
"Mãe, não chores. Um dia a situação melhora e eu poderei voltar".
Procurei-a sem a conseguir encontrar por entre tantas cabines que, aos meus
olhos, pareciam a mesma. Ou talvez, naquele estranho cemitério perto da Expo,
estivesse apenas a da esquina da Correia Teles com a Sampaio Bruno, a cabine de
quem nunca me pude despedir.
Luís Osório
– Escritor - 8 de setembro, 2025