Este estudo, liderado por investigadores do MARE – Centro de Ciências
do Mar e do Ambiente/ ARNET – Rede de Investigação Aquática, da Faculdade de
Ciências da Universidade de Lisboa (CIÊNCIAS ULisboa), é o primeiro trabalho em
Portugal a combinar a técnica de DNA metabarcoding e a análise morfológica para
caracterizar a dieta do peixe-gato-europeu, revelando novos padrões de
predação.
A combinação destas metodologias permitiu identificar, no baixo Tejo,
34 espécies-presa, incluindo peixes nativos ameaçados e endémicos como a
enguia-europeia (Anguilla anguilla), os sáveis (Alosa spp.), os barbos
(Luciobarbus spp.) e as bogas Iberochondrostoma spp. e Pseudochondrostoma
polylepis. Foram ainda detetadas espécies menos abundantes no Tejo, como o
robalo (Dicentrarchus labrax) e a tainha (Mugil cephalus), bem como aves
aquáticas, incluindo o corvo-marinho-de-faces-brancas (Phalacrocorax carbo). Os
resultados mostram que a pressão predatória do siluro é mais forte do que se
pensava, levantando sérias preocupações para a conservação das comunidades de
água doce ibéricas.
O siluro, ou peixe-gato-europeu, originário do leste da Europa e da
Ásia ocidental, foi introduzido na Península Ibérica em 1974 (rio Ebro) e
confirmado em Portugal em 2014 (rio Tejo). É o maior peixe de água doce da
Europa, podendo atingir 2,7 metros de comprimento e 130 quilos de peso. Como
predador de topo com dieta generalista, exerce forte pressão sobre a fauna
nativa, alterando os equilíbrios ecológicos dos ecossistemas.
Este é o primeiro estudo abrangente a integrar a técnica de DNA
metabarcoding do conteúdo intestinal e análise morfológica do conteúdo estomacal
na caracterização da dieta do siluro em Portugal.
“O metabarcoding proporcionou uma visão muito mais detalhada da dieta
do siluro, permitindo identificar também presas de digestão possivelmente mais
rápida, como os peixes, enquanto a análise morfológica continua a ser essencial
para estimar a biomassa e a abundância das presas. Juntas, estas metodologias
revelam padrões de predação que antes não eram visíveis”, explica Mafalda
Moncada, primeira autora do artigo.
Os investigadores sublinham que a utilização de metodologias
complementares permitiu também detetar variações sazonais e outras associadas
ao tamanho dos indivíduos: os siluros mais pequenos consomem sobretudo
crustáceos, enquanto os maiores predam principalmente peixes migradores,
exercendo maior impacto em épocas críticas como a reprodução.
“O siluro consome um grande número de espécies nativas no Tejo,
incluindo algumas ameaçadas, como a enguia-europeia e o sável, sobretudo na
época de reprodução. Estes resultados são especialmente relevantes para avaliar
o impacto desta espécie invasora nos ecossistemas portugueses e até na
atividade piscatória, tanto recreativa como profissional”, reforça a
investigadora.
Segundo os autores, esta informação é crucial para reforçar estratégias
de conservação e apoiar a definição de medidas de gestão que permitam mitigar
os impactos desta espécie invasora num dos maiores hotspots de biodiversidade
de água doce da Europa.
“É fundamental que esta informação chegue às comunidades locais, em
particular aos pescadores, para prevenir novas introduções do siluro. A
intensificação da sua captura, sobretudo na primavera e junto a barragens, pode
ser uma estratégia eficaz para reduzir a pressão predatória sobre espécies
nativas”, considera Mafalda Moncada.
Este trabalho foi financiado pela Fundação para a Ciência e a
Tecnologia (FCT), através dos projetos atribuídos ao MARE/ARNET e ao projeto
MEGAPREDATOR, e cofinanciado pelo programa LIFE Nature & Biodiversity.
O estudo publicado no Journal of Fish Biology foi liderado por Mafalda Moncada do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente/ARNET – Rede de Investigação Aquática, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (CIÊNCIAS ULisboa), em colaboração com o cE3c – Centre for Ecology, Evolution and Environmental Change e a Escola Superior Agrária de Santarém (Instituto Politécnico de Santarém), entre outros parceiros.
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