5.7.23

HABITAÇÃO: Propostas do Bloco "têm impacto real", as do Governo são "propaganda"

Mariana Mortágua apresentou um pacote de 14 medidas para responder à crise da habitação em Portugal. E diz que "mais do que um subsidio do Estado, o que as pessoas querem é uma casa que possam pagar com o seu salário".
No dia em que o Governo prometeu depositar nas contas de 185 mil famílias o montante do apoio à renda retroativo a janeiro, Mariana Mortágua apresentou aos jornalistas as medidas que o Bloco leva ao debate do programa Mais Habitação.
Quanto ao apoio do Estado, a coordenadora do Bloco diz tratar-se de um apoio importante para quem não consegue pagar a sua renda, embora seja insuficiente para a maior parte das pessoas. "Mas em que país é que queremos viver quando a classe média depende da ajuda do Governo para conseguir pagar uma casa?", questionou.
"O que as pessoas querem, mais do que um subsidio do Estado, é uma casa que possam pagar com o seu salário. Isso significa casas a preços razoáveis e salários decentes. E o Governo não garante nenhum dos dois", afirmou Mariana Mortágua após ter apresentado as 14 medidas com que o Bloco pretende travar o preço das casas, os valores das rendas, os efeitos nefastos do turismo para o direito à habitação e a proteção fiscal a quem dela não precisa, como os residentes não-habituais ou os fundos imobiliários.
"Tem de haver uma equivalência entre os rendimentos e o preço da habitação, pois caso contrário estamos a negar o direito à habitação à maior parte da população e acho que não é esse o país onde queremos viver", afirmou Mariana Mortágua. Sobre a viabilidade destas propostas face à maioria absoluta do PS, a coordenadora bloquista acredita que "o acelerar da crise da habitação faz com que propostas que eram rejeitadas há dois meses se tornem sensatas e óbvias dois meses depois. São do mais elementar bom senso para que hoje as pessoas possam ter uma casa".
E quanto à diferença deste pacote de medidas em relação às que o Governo apresentou com o seu pacote "Mais Habitação", Mariana Mortágua diz que a maior diferença "é que as do Bloco têm um impacto real e as do Governo são medidas de propaganda para centrar o debate em propostas que na verdade não existem", como a da posse coerciva dos imóveis devolutos, que "não terá efeito prático pois depende das Câmaras que já disseram que não vão fazer". Ou no alojamento local, "em que o Governo traz a promessa de que vai ficar tudo igual", com os limites das áreas de contenção a continuarem sem ser respeitados.
Proibição da venda a não residentes, mínimo de 25% de habitação acessível na nova construção.
Para travar "o preço exorbitante da venda das casas", que se tornou "impossível para a larguíssima maioria das pessoas que vive nas cidades", o Bloco leva a debate a proposta de um mínimo de 25% de habitação acessível em todas as novas construções. Para Mariana Mortágua, "temos de rejeitar a ideia de construir bairros com as pessoas pobres - que hoje em dia são todas as pessoas sem dinheiro para uma casa - nas periferias das cidades, deixando os centros para turistas, estrangeiros ricos ou as pessoas com mais poder de compra".
Outra proposta passa por proibir a venda de casas a não residentes, à semelhança do que fez o Canadá pela mão de um governo liberal. "As pessoas que trabalham em Portugal e querem comprar casa estão a competir no mercado com pessoas que não trabalham em Portugal e têm rendimentos altíssimos", resumiu Mariana, acrescentando que em média um não-residente paga mais 95% pela casa do que um residente. "Quem reside e trabalha em Portugal, independentemente da sua nacionalidade, deve poder comprar casa nas zonas com pressão urbanística. Quem não reside e não trabalha em Portugal não deve poder fazê-lo, exceto obviamente os emigrantes que saíram do país e têm direito a adquirir a sua casa", acrescentou.
Outras medidas passam por garantir que as medidas anunciadas há meses pelo Governo, como os limites às novas rendas ou o fim dos vistos gold, tenham efeito à data do anúncio e não no verão, após a corrida aos novos contratos e pedidos de vistos.
Acabar com benefícios fiscais "estapafúrdios e que não fazem qualquer sentido", como os atribuídos a residentes não-habituais, "uma isenção que custa ao país mil milhões de euros por ano", ou os atribuídos a fundos de investimento imobiliário e alargar a isenção de IMI para oito anos após a aquisição de habitação própria são outras medidas que o Bloco traz ao debate.
Aumento dos juros: Proposta do Bloco é a única que "obriga os bancos a fazer alguma coisa"
No capítulo da proteção das famílias face ao aumento dos juros no crédito à habitação, que em poucos meses fez crescer em centenas de euros a prestação mensal de muita gente, o Bloco propõe limitar a variação da taxa de esforço no crédito à habitação. Ou seja, sempre que o aumento do juro leve a um aumento da taxa de esforço de dois pontos percentuais, o banco deve ser obrigado a renegociar os spreads. "A diferença entre esta proposta e as manifestações de boa vontade do Presidente da República e outros partidos, é que esta obriga os bancos a fazer alguma coisa", resumiu Mariana.
Vistos Gold inflacionaram preços das casas e exacerbaram desigualdades
Nesse sentido vai também a proposta de criar o Programa "Habitar para Arrendar", uma medida que deu resultados noutros países, como na Escócia. Ela permite à pessoa que não consegue pagar o empréstimo vender a sua hipoteca a um fundo público, que arrenda a casa a essa família, ficando esta a pagar um valor condizente com os seus rendimentos.
O Bloco quer também acabar com as penhoras de primeira habitação, o que já existe no caso de dívidas ao fisco e deve existir também no caso das dívidas aos bancos. E o devedor deve ter direito a optar pela dação em pagamento, entregando o imóvel em troca da extinção da dívida, uma proposta antiga do Bloco e que regressa agora ao Parlamento.
Impor limites ao turismo que degrada o direito à habitação
Outras das medidas apresentadas têm por objetivo travar o efeito do turismo num país onde "vai nascer um novo hotel em cada cinco dias" e em cuja capital "há freguesias em que 71% das casas estão em alojamento local". O impacto do turismo leva Mariana Mortágua a questionar-se: "Se aceitamos que há limites a outras atividades, porque não aceitar que é preciso impor um limite ao turismo que está a degradar o direito à habitação?". Para isso propõe uma moratória até setembro de 2030 à emissão de títulos de empreendimentos turísticos, pois a capacidade instalada do setor do turismo "já corresponde a uma grande percentagem da economia e do emprego".
Para limitar o alojamento local nas grandes cidades e nas áreas de pressão urbanística, o Bloco propõe que as atuais licenças sejam válidas por dois anos, ao fim dos quais, caso seja necessário, devem ser limitadas até ao cumprimento dos limites das zonas de contenção. Para estes limites o Bloco propõe 5% por freguesia, podendo ir até 15% por decisão do município. E quando chegar a altura de limitar, nos casos das freguesias que excedam aqueles valores, na proposta bloquista serão os pequenos proprietários a ter prioridade nas renovações.
Rendas sem congelamento, mas com tetos máximos
Para disciplinar o mercado de arrendamento e acabar com a situação em que "um salário em Portugal não paga uma casa em Portugal", o Bloco propõe várias medidas, como passar para a Autoridade Tributária a capacidade de identificar as casas devolutas para aplicar o IMI agravado, que hoje "não é aplicado porque depende das Câmaras, que não o fazem por várias razões". O reconhecimento dos contratos de arrendamento não escritos e o aumento da duração mínima dos contratos para cinco anos, "para as pessoas não viverem na instabilidade de terem de mudar de casa de ano a ano ou de dois em dois anos" são também essenciais para garantir "a premissa básica de uma vida boa": o direito à habitação e à estabilidade na vida, prosseguiu a coordenadora do Bloco.
Para controlar o preço das rendas, a proposta passa pela definição de tetos máximos de acordo com os critérios do Programa Porta 65. "Não se trata de congelar rendas, mas entender que cada zona da cidade, por tipo de imóvel, deve ter um preço máximo estabelecido que se adeque às condições do mercado e dos rendimentos", resumiu.
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