29.6.23

OPINIÃO: O salário de Lagarde

Há momentos em que só sendo populista nas palavras se alivia a estupefação perante a desfaçatez do que se ouve. Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu, alertou em Sintra os trabalhadores da Zona Euro que ao conseguirem obter aumentos salariais para compensar as perdas do poder de compra com a subida da inflação, mas que não acompanhem a produtividade, estão a colocar-se, e à economia, em risco. Isto porque, ameaça, a instituição a que preside será obrigada a ser ainda mais dura nas taxas de juro.
Conclusão: a culpa é de quem trabalha, ganha, mas tem rácios de produtividade baixos. Poderíamos aqui extremar ainda mais as letras, recuperando notícias da Imprensa internacional que dão como certo o facto de Christine Lagarde ter auferido um salário-base de 416 016 euros no seu primeiro ano completo na presidência do BCE. Mas isso seria demais, até porque nada contra quem ganha bem, em função das competências que demonstra ter e do barco que tem de gerir.
Só que não, no que diz respeito à competência. Como também aqui já se escreveu em julho do ano passado, enquanto os Estados Unidos anunciavam a tempo políticas de controlo da moeda e aumento das taxas de juro, o BCE divulgava a sua nova estratégia situando nos 2%, nem mais nem menos, o limite da inflação, justificando que a anterior representava um viés deflacionista. Do lado de lá do Atlântico, acautelavam, do lado de cá Christine Lagarde apontava uma trajetória para a correção da inflação que se revelava desastrosa, dizendo que não previa a subida das taxas de juro antes de 2023. Tudo errado.
Numa fuga em frente, o BCE continua a avançar para políticas monetárias violentas, que comem o salário dos portugueses a uma velocidade vertiginosa. A Lagarde e a muitos eurocratas parece não fazer aflição saber que há cada vez mais famílias da classe média baixa, pais, mães, crianças, a viver na rua por não conseguirem pagar os empréstimos das casas.
* Domingos de Andrade - Jornal de Notícias -29 junho 2023