Num país em que tudo é "poucochinho", cheio de "taxas e taxinhas" e "casos e casinhos", o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, vem agora pedir um "esforzinho" aos bancos para os bancos aumentarem as taxas de juro das poupanças dos seus clientes, quase em simultâneo com o anúncio do Governo de cancelar a série de certificados de aforro que dava 3,5% de juros e criar uma nova com juros mais baixos para 2,5%.
Sim, estamos no país das "cunhas e cunhinhas" e ainda não sabemos se a banca estará para aí virada no sentido de satisfazer os desejos do presidente. O que se sabe é que, no final deste enredo, não só a banca, de repente, se tornou mais competitiva em relação à oferta financeira dos produtos do Estado - porque os juros baixaram -, como ela própria vai vender aos seus balcões os certificados de aforro, ficando com uma percentagem da intermediação.
Isto apesar de os bancos estarem a ganhar balúrdios com a subida das taxas de juro do crédito à habitação - emprestam dinheiro que foram buscar ao BCE a custo zero e recebem a taxas superiores a 3,5% - e continuarem a oferecer produtos de poupança com taxas vergonhosas, muito abaixo de outros países europeus.
Não admira, portanto, a fuga dos clientes para os certificados de aforro, uma sangria que estava a preocupar os bancos: os aforradores portugueses estão a retirar dinheiro dos depósitos bancários à média de 2 mil milhões de euros por mês, ou seja, cerca de 10 mil milhões até maio. E disso deu preocupação o presidente do Banco CTT, João Moreira Rato, que, numa entrevista à CNN, veio pedir ao Governo a interrupção da emissão de certificados de aforro.
Moreira Rato, o mesmo que já presidiu à Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP), responsável pela emissão dos certificados. Não há coincidências. Por muito que o Governo negue.
* António José Gouveia - Jornal de Notícias - 5.6.2023