28.6.23

IN MEMORIAN - ANTÓNIO POLIDO: Milhões de passos por uma vida

Há em cada um de nós um manancial de histórias e vivências, experiências vividas de um longo novêlo a que, só em circunstâncias muito próprias desatamos um pouco o nó.
A vida de António Maria Polido, um nisense de 76 anos, bem pode dizer-se que foi uma vida de “marcar passo”, na procura incessante do pão para a boca e do futuro ridente que lhe povoava o sonhos.
Sem sofismas e de coração aberto contou ao “Notícias de Nisa” o atribulado percurso de uma vida marcada pelo trabalho e pelo amor à sua terra.
VINTE E CINCO TOSTÕES
Comecei a trabalhar de muito novo. Saí da escola com 11 anos e nesse mesmo verão fazia parte da equipa de montagem da linha de Alta Tensão que da central da Bruceira alimentava Castelo Branco. Guardava a copa e ganhava vinte e cinco tostões.
Foi por pouco tempo pois no Inverno fui guardar suínos e mais tarde era ajudante de pastor depois alavoeiro (1) com o meu pai.
Voltei ao trabalho da Hidro-Eléctrica. Fui para o canal em construção que liga a central da Bruceira à de Velada. Trabalhava no túnel quatro e era ferramenteiro. Percorria o túnel carregado com as brocas, trabalho de turnos, de dia e de noite.
Em 11 de Outubro de 1934, calhou-me em sorte um trabalho “melhor”: iniciei o serviço de “correio” entre Nisa e a central de Velada. Todos os dias, fizesse chuva ou sol, transportava numa burra, as encomendas para os empregados que lá habitavam e para a própria empresa. Andei vinte e cinco anos nesta função, dando mais de trinta mil passos, por dia, na minha caminhada. Tinha a burra, oferecida pelo meu pai quando casei, a meu cargo. Era preciso comida e eu ia ceifar feno e comprar fardos de palha. Ganhava-se pouco, eu ia trabalhar para onde podia e por vezes era a minha mulher que fazia o “correio da central”, principalmente no tempo da azeitona.
Mudei, entretanto, para a central da Bruceira onde trazia o mesmo serviço que na central da Velada. Era bem mais perto de Nisa e durante quatorze anos foi a minha função até que acabaram com as encomendas e me transferiram para o armazém de Nisa. Andei na empresa quarente e cinco anos. No tempo de folga fui guarda na Junta de Energia Nuclear e ainda me sobrou tempo no Verão para trabalhar numa debulhadora. Com três filhos a sustentar era preciso muito trabalho para se conseguir alguma coisa.”
BAIRRISTA
Nem só de trabalho vive o homem e António Polido, apesar das vicissitudes da época ainda encontrava, sabe-se lá em que recanto, a força e o estímulo para colaborar com as associações da terra.
Fui bombeiro durante quarenta e seis anos e ainda pertenço ao quadro, na reserva. No meu tempo – não é gabar-me – mas, assim que tocava a sirene (antes era o sino do relógio junto à Porta da Vila) apareciam bombeiros de todos os lados e gente a querer ajudar. Havia mais respeito e as pessoas sentiam mais a necessidade de ajudar os outros.
Os Bombeiros, agora, parecem-me desorganizados. Têm poucas ajudas, poucos sócios para um concelho como o de Nisa. Falta disciplina e instrução com outras corporações. É pena que seja assim.
Eu fui cobrador das quotas da Banda de Nisa durante três anos, de borla. Cobrei as quotas do Nisa e Benfica, por três vezes, e recebi apenas metade da percentagem a que tinha direito. Sou sócio e com as quotas em dia da maioria das colectividades de Nisa.”
NISA ESTÁ MORTA
Considerando-se um “bairrista a fundo”, António Polido vê com algum pessimismo o futuro da terra em que nasceu.
Nisa está morta. Não há bairrismo na terra. São poucos a fazer e muitos a desfazer. O nosso clube da terra está “morto”, qualquer aldeia nos ganha. A Banda é por que o nosso mestre é de cá e é bairrista, porque senão levava a mesma volta.
Era preciso que isto desse um trambolhão. Como? Haver indústrias. Noutro tempo era para se fazer duas fábricas de lanifícios, e uma ocasião veio um tipo para a Maria Dias e queria dez mil metros quadrados para fazer uma fábrica. Falta acima de tudo, Bairrismo, mais união.
Sou popular e muito respeitado, mas digo: se todos fossem da minha força, Nisa era um “mimo”.
* Mário Mendes in “Notícias de Nisa” -nº5 – 2ª série – 18.6.1997
(1) Alavoeiro - Nome do pastor que andava no alavão
Alavão - Nome do rebanho que dá leite (do árabe al-labban)