Há
em cada um de nós um manancial de histórias e vivências,
experiências vividas de um longo novêlo a que, só em
circunstâncias muito próprias desatamos um pouco o nó.
A
vida de António Maria Polido, um nisense de 76 anos, bem pode
dizer-se que foi uma vida de “marcar passo”, na procura
incessante do pão para a boca e do futuro ridente que lhe povoava o
sonhos.
Sem
sofismas e de coração aberto contou ao “Notícias de Nisa” o
atribulado percurso de uma vida marcada pelo trabalho e pelo amor à
sua terra.
VINTE
E CINCO TOSTÕES
“Comecei
a trabalhar de muito novo. Saí da escola com 11 anos e nesse mesmo
verão fazia parte da equipa de montagem da linha de Alta Tensão que
da central da Bruceira alimentava Castelo Branco. Guardava a copa e
ganhava vinte e cinco tostões.
Foi
por pouco tempo pois no Inverno fui guardar suínos e mais tarde era
ajudante de pastor depois alavoeiro (1)
com o meu pai.
Voltei
ao trabalho da Hidro-Eléctrica. Fui para o canal em construção que
liga a central da Bruceira à de Velada. Trabalhava no túnel quatro
e era ferramenteiro. Percorria o túnel carregado com as brocas,
trabalho de turnos, de dia e de noite.
Em
11 de Outubro de 1934, calhou-me em sorte um trabalho “melhor”:
iniciei o serviço de “correio” entre Nisa e a central de Velada.
Todos os dias, fizesse chuva ou sol, transportava numa burra, as
encomendas para os empregados que lá habitavam e para a própria
empresa. Andei vinte e cinco anos nesta função, dando mais de
trinta mil passos, por dia, na minha caminhada. Tinha a burra,
oferecida pelo meu pai quando casei, a meu cargo. Era preciso comida
e eu ia ceifar feno e comprar fardos de palha. Ganhava-se pouco, eu
ia trabalhar para onde podia e por vezes era a minha mulher que fazia
o “correio da central”, principalmente no tempo da azeitona.
Mudei,
entretanto, para a central da Bruceira onde trazia o mesmo serviço
que na central da Velada. Era bem mais perto de Nisa e durante
quatorze anos foi a minha função até que acabaram com as
encomendas e me transferiram para o armazém de Nisa. Andei na
empresa quarente e cinco anos. No tempo de folga fui guarda na Junta
de Energia Nuclear e ainda me sobrou tempo no Verão para trabalhar
numa debulhadora. Com três filhos a sustentar era preciso muito
trabalho para se conseguir alguma coisa.”
BAIRRISTA
Nem
só de trabalho vive o homem e António Polido, apesar das
vicissitudes da época ainda encontrava, sabe-se lá em que recanto,
a força e o estímulo para colaborar com as associações da terra.
“Fui
bombeiro durante quarenta e seis anos e ainda pertenço ao quadro, na
reserva. No meu tempo – não é gabar-me – mas, assim que tocava
a sirene (antes era o sino do relógio junto à Porta da Vila)
apareciam bombeiros de todos os lados e gente a querer ajudar. Havia
mais respeito e as pessoas sentiam mais a necessidade de ajudar os
outros.
Os
Bombeiros, agora, parecem-me desorganizados. Têm poucas ajudas,
poucos sócios para um concelho como o de Nisa. Falta disciplina e instrução
com outras corporações. É pena que seja assim.
Eu
fui cobrador das quotas da Banda de Nisa durante três anos, de
borla. Cobrei as quotas do Nisa e Benfica, por três vezes, e recebi
apenas metade da percentagem a que tinha direito. Sou sócio e com as
quotas em dia da maioria das colectividades de Nisa.”
NISA
ESTÁ MORTA
Considerando-se
um “bairrista a fundo”, António Polido vê com algum pessimismo
o futuro da terra em que nasceu.
“Nisa
está morta. Não há bairrismo na terra. São poucos a fazer e
muitos a desfazer. O nosso clube da terra está “morto”, qualquer
aldeia nos ganha. A Banda é por que o nosso mestre é de cá e é
bairrista, porque senão levava a mesma volta.
Era
preciso que isto desse um trambolhão. Como? Haver indústrias.
Noutro tempo era para se fazer duas fábricas de lanifícios, e uma
ocasião veio um tipo para a Maria Dias e queria dez mil metros
quadrados para fazer uma fábrica. Falta acima de tudo, Bairrismo,
mais união.
Sou
popular e muito respeitado, mas digo: se todos fossem da minha força,
Nisa era um “mimo”.
*
Mário
Mendes
in “Notícias de Nisa” -nº5 – 2ª série – 18.6.1997
(1)
Alavoeiro - Nome do pastor que andava no alavão
Alavão
- Nome do rebanho que dá leite (do árabe al-labban)