22.9.22

OPINIÃO: Zero em atividade física

Contas feitas, os portugueses são os campeões europeus da inatividade física. Mas o mais impressionante é que essa realidade continua longe dos temas que dominam o debate político, como se este fosse um tema menor e sem relevância para as nossas vidas
O debate político em Portugal está repleto de comparações com a realidade dos outros países do bloco europeu. É um exercício fácil, barato e que, ainda por cima, permite milhões de argumentos possíveis, dentro da velha lógica do “copo meio cheio” ou “meio vazio”. Tem origem, porventura, no trauma do salazarista “orgulhosamente sós” e da maneira mais eficaz de o combater: demonstrando, através dos números, como esse isolamento nos afastou, durante décadas, da realidade económica, educativa, sanitária, cultural e social dos países com os quais nos poderíamos comparar, em dimensão e em população.
Esse recurso argumentativo tem beneficiado também do facto de a União Europeia possuir um fiável e prolífico serviço de estatística, que nos vai informando, com regularidade, sobre como nos comparamos com cada um dos nossos parceiros. Os números são, assim, continuamente usados segundo a conveniência de cada um e servem para responder a qualquer pergunta: Temos ou não a maior carga fiscal da Europa? O nosso crescimento económico suplanta ou fica abaixo do apresentado pelos outros? Estamos, em termos de desenvolvimento, na cauda ou a meio do pelotão europeu? Exatamente com base nos mesmos indicadores, consegue-se, no debate político, demonstrar a existência de realidades diametralmente opostas. Tudo depende da perspetiva e da habilidade com que se desenham os gráficos – e do ardor argumentativo de quem os exibe, mesmo fugazmente, em frente às câmaras de televisão.
No meio desta cacofonia de indicadores, estatísticas e gráficos, há, no entanto, uma realidade que não permite segundas interpretações nem sequer um olhar com uma perspetiva diferente: em matéria de desporto e de atividade física, os portugueses são – com todos os números – os mais inativos da Europa.
O mais recente Eurobarómetro, publicado nesta semana e em que se recolhem os dados de um vasto inquérito realizado nos 27 países da União Europeia, é eloquente, tanto nas percentagens como nas conclusões: 73% dos portugueses dizem que nunca praticam qualquer exercício físico ou desporto. E quando se lhes pergunta com que frequência têm uma atividade física, fora do desporto, como andar de bicicleta, dançar ou até jardinagem, a resposta é quase a mesma: 72% confessam que nunca a fazem.
Contas feitas, os portugueses são os campeões europeus da inatividade física. Mas o mais impressionante é que essa realidade continua longe dos temas que dominam o debate político, como se este fosse um tema menor e sem relevância para as nossas vidas – apesar da sua importância, já mais do que cientificamente provada, para a saúde, o desenvolvimento psíquico e mental, a aprendizagem e, de uma forma geral, para a vida em sociedade.
Pode ser também, cinicamente, uma estratégia política de vistas curtas: para quê gastar energias como um assunto que, se calhar, só interessa aos 22% de portugueses que, no Eurobarómetro, afirmam praticar desporto, “regularmente” (4%) ou com “alguma regularidade” (18%).
A realidade é que estes números são maus demais para ficarem reduzidos ao silêncio ensurdecedor do costume. Até porque iremos pagar a fatura desta realidade num futuro próximo: o facto de estarmos na cauda da Europa na prática de desporto e de exercício físico vai acabar, porventura, por nos levar ao primeiro lugar na Europa… em gastos na Saúde.

* Rui Tavares Guedes in visao.sapo.pt 22/9/2022