26.9.22

OPINIÃO: As pessoas idiotas estão cheias de certezas

 
Nos últimos dias, voltei a recordar o filósofo Bertrand Russell, não apenas pelos seus pensamentos progressistas, mas também pelas suas atitudes públicas, com destaque para a defesa da igualdade dos direitos da mulher e em especial, a sua decisão de renunciar ao título aristocrático de 3.º Conde Russel, em oposição à monarquia que sempre refutou os valores por ele defendidos.
Foi multado e preso por ter participado em movimentos pacifistas; foi um crítico da URSS e, apesar de apartidário, era um socialista – ele acreditava no aperfeiçoamento do mundo e no direito à autodeterminação. A sua introdução na obra “Senso Comum” de Thomas Paine, revela o apoio que Bertrand Russell deu a este ativista que defendeu a revolução americana a qual conduziu à independência dos Estados Unidos, até aí, subjugados pela Grã-Bretanha.
A história não pode ser ignorada, temos de olhar para o passado e aprender para melhorar o futuro. Não sou antimonárquico, mas defendo que a monarquia não faz sentido existir como representante de uma nação. A legitimidade dessa representação tem de estar nas mãos das pessoas e não por sucessão consanguínea. A idoneidade dos monarcas na maior parte dos casos, deixou muito a desejar e de escândalo em escândalo correu muita tinta…
O mundo assistiu às cerimónias fúnebres de Elizabeth II e as romarias daqueles que já esqueceram Diana Spencer, impressionam os mais sensíveis e dados a sentimentalismos. Sem retirar o valor histórico/político da falecida Rainha e com todo respeito pela família que sofre, pelos amigos que choram e pelos admiradores que prestam o tributo, para mim é muito difícil compreender, não só os três dias de luto, decretados pelo Conselho de ministros de António Costa, mas também os custos extravagantes deste funeral, quando tanta gente passa dificuldades. É este tipo de vassalagem ancestral, que incomoda quem defende os valores republicanos que assentam na igualdade e na democracia.
Para a memória ficam, também, as duas passagens da Rainha por Portugal, a primeira com Salazar a recebê-la com “reais” mordomias e a gastar uma fortuna em prendas, desde joias a um cavalo lusitano, enquanto o povo passava fome, era explorado e oprimido. Salazar aproveitou a vinda de Elizabeth II para melhorar a sua imagem enegrecida no plano internacional. A Rainha de Inglaterra não se coibiu de conviver com outros ditadores mundiais, nem se pronunciou sobre a proteção britânica ao genocida chileno, Pinochet.
Na defesa dos valores universais dos direitos humanos, ninguém pode aceitar como seu representante alguém que foi imposto por sucessão, neste modelo “British” que representa em simultâneo o clero e a nobreza. Que aliado medieval é este que defendeu ao lado da direita conservadora a desunião da Europa com o Brexit, abandonando o projeto europeísta? Como aceitar que as monarquias ostentem aquilo que espoliaram aos povos, que exploraram para viverem no luxo, enquanto os súbditos eram sacrificados? A Igreja Católica já pediu desculpa por ter feito parte desse passado tenebroso e os monarcas, do que estão à espera?
Mas, isto não significa que do lado republicano corra tudo bem, por isso temos o poder de fazer mudar. As escolhas são nossas e se não pudermos mudar, temos de o exigir. Um exemplo paradigmático ligado a Portugal, tem a ver com José Eduardo dos Santos, recentemente falecido. Foi notória a forma como Eduardo dos Santos se eternizou e favoreceu a família e amigos que, enquanto o povo passava mal, enriqueciam. Deste tipo de república às monarquias que espoliavam os seus povos, não há grandes diferenças, mas aqui, as filhas “dos Santos” não lhe sucederam…
Tivemos um presidente, Cavaco Silva, que vetou José Saramago, o Nobel da literatura, entre outros registos tristes como o destrato a Salgueiro Maia a quem negou uma pensão que veio a dar a dois Pides; mas foi eleito democraticamente e substituído democraticamente. E é neste ponto que a democracia faz toda a diferença, podemos substituir. Mas as relações de democracias com o despotismo, inquinam-na e distorcem-na. As ligações por interesses económicos de nações democráticas com países autoritários, não são aceitáveis. É algo que temos de mudar, mas para isso é preciso mais conhecimento. A ignorância e o desinteresse são as melhores armas para quem nos quer enganar.
Citando Bertrand Russell:
«O problema do mundo de hoje é que as pessoas inteligentes estão cheias de dúvidas, e as pessoas idiotas estão cheias de certezas.»
* Paulo Cardoso - Programa "Desabafos" / Rádio Portalegre - 23.9.2022