No nosso país, as doenças cardíacas são a principal causa de morte, isto é, morremos muito de doenças do coração, apesar de todas as campanhas de prevenção que as autoridades de saúde vão desenvolvendo. Assim, se as pessoas levassem a prevenção mais a sério e soubessem identificar os sintomas de Enfarte Agudo do Miocárdio (EAM) e do AVC (Acidente Vascular Cerebral) muitas vidas poderiam ser salvas. Grande parte das mortes provocadas por EAM ou de AVC ocorrem fora dos hospitais e, normalmente, por tardia assistência médico hospitalar devido não apenas à falta de meios de assistência mas por ignorância das próprias vítimas e ou de quem com elas está nesse momento. Identificar, pois os sintomas que o paciente está a sentir quando se inicia o EAM e agir rapidamente é VITAL, isto é, faz a diferença entre a morte e a sobrevivência a esses terríveis “ataques” (do coração ou no cérebro). Eu, que fui vitimado por um EAM aos 46 anos de idade, na altura com um completo desconhecimento do que era um EAM e os respectivos sintomas (ocorreu outro aos 52 anos, mas nesse caso já era “mestre” no conhecimento) não me canso de elucidar as pessoas e a recomendação que tento transmitir, é : AJA mais rápido do que um ENFARTE e ligue, mas ligue logo, para o 112 que este serviço da PSP encaminhará a chamada para o INEM. Chegar vivo ao hospital, enquanto sofre ou está a sofrer um EAM ou um AVC, é vital. Sei do que falo e apesar desta dupla fatalidade, que de facto é grave, apesar dos “ignorantes” julgarem que é como “partir uma perna”, “tive sorte”, porque AGI. Há tempos, dizia-me o meu cardiologista, ainda jovem e para me sossegar dos meus medos da morte, por EAM, que há vinte e três anos eu corri o risco de influenciar, negativamente, a estatística da esperança média de vida (EMV), pois o primeiro EAM que me vitimou poderia ter sido fatal.
Enfatizou, como se eu já não soubesse, que este tipo de patologia é considerado uma doença grave, pelo que o tempo que eu já vivi, após aquele episódio e apesar de ter tido outro seis anos depois, faz com que os meus atuais sessenta e nove anos já me aproximem mais da EMV. Aquela observação e dita assim, senti-a como um “prémio”, mas também como um castigo, pois ainda me faltam alguns anos para entrar na EMV dos homens no nosso país (a esperança de vida à nascença atingiu os 77,78 anos para os homens e de 83,43 para as mulheres). Para esta média estatística contribuem os valores dos extremos, isto é, gente que atinge idades provectas, que eu gosto de chamar “bonita idade”, mas outros que morrem prematuramente, e alguns pela chamada “morte súbita” que é um EAM fulminante. Teria sido o meu caso, se, naquele fim de dia, não tivesse corrido para a urgência do hospital da minha zona, apesar de, na época, não saber o que era um enfarte do miocárdio. A rapidez da (minha) ação e da assistência hospitalar, salvou-me a vida, pois a conjugação destas duas etapas pode significar a diferença entre a vida e a morte prematura nas doenças cardiovasculares.
De vez em quando, chegam-nos notícias de “figuras públicas” com problemas graves das doenças cardíacas e que nos deixam um pouco surpreendidos, assustados e tristes. Casos recentes: i) do futebolista Iker Casillas que, com 37 anos, sofreu um EAM em pleno treino da sua equipa, mas foi prontamente socorrido pelo médico da equipa, ali presente, e que sabendo identificar os sintomas, agiu rapidamente e providenciou para levar o guarda-redes espanhol para uma unidade hospitalar privada onde lhe prestar uma assistência “topo de gama”, não acessível à maioria dos cidadãos . Contudo, acabou a sua atividade profissional de futebolista, porque as mazelas do EAM são reais e limitativas a esforços acima do normal. ii) do nosso Presidente da República cujos médicos desconfiaram duma obstrução das coronárias, que são elas as causadoras do EAM, e o submeteram a uma angioplastia no HSCruz, (o “meu” hospital cardíaco) vulgo cateterismo, para desobstruir a “veias” e, assim, evitar um enfarte posterior. Ele tem setenta anos; iii) da actriz Maria Rueff, de 47 anos, que, sentindo-se mal, em pleno trabalho, pediu a um amigo que a levasse às urgências do HSJosé, tal como eu o fiz em Janeiro de 1996 (eu fui de táxi, não recomendado nestas situações), e foi depois transferida para Cardiologia de um dos hospitais de referência, o HSMarta, por onde eu passei aquando do meu primeiro EAM.
Ao contrário do que me aconteceu a mim, em janeiro de 1996, pelo facto da Cardiologia ter dado “saltos de gigante”, nestes últimos vinte anos, foi-lhe feito imediatamente uma angioplastia para desobstruir a coronária, que, como atrás se disse, é ela a causadora do EAV. Tal como o Casillas e como eu, a vida não volta a ser a mesma, quer por causa da lesão, irreversível no músculo do miocárdio, quer porque a vida tem que passar a ser diferente e isso “pesa” e de que maneira. Não são apenas os fármacos que passamos a tomar para combater os fatores de risco que causaram a doença coronária (deterioração das artérias coronárias causadoras da lesão a jusante no miocárdio), mas um “sofrimento psicológico” que passamos a carregar connosco. Pode esse “medo” afetar a nossa qualidade de vida, mas esquecê-lo pode ser uma má opção na sobrevivência e no prolongamento duma vida que foi fortemente ameaçada por um EAM que é, repito, GRAVE. Negligenciar esse “medo” (que é o que guarda a vinha) pode ter um mau fim, isto é, a morte real muito abaixo da tal EMV citada atrás.
Somos todos “bombardeados” com as campanhas de sensibilização, quer dos fatores de risco, quer do agir que poderá salvar vidas, mas “assobiamos para o lado”, até ao dia em que nos toca a nós ou a um familiar. Às vezes, é tarde, demasiado tarde. Sofri o meu primeiro EAM porque tinha os chamados fatores de risco, apesar de para alguns já tomar medicação ter cuidados nesse sentido. E o segundo, ocorrido no meu próprio gabinete de trabalho, ao contrário do primeiro ocorrido em casa a um domingo à noite, (os fins de semana e férias são, por vezes, momentos propícios a desencadearem um EAM) , porque não “mudei de vida profissional”, isto é, continuava a sofrer o stress profissional que se juntava a outros fatores de risco.É importante chamar a atenção para o quão importante é preciso estar alerta nas mulheres, porque muitas vezes estas não agem tão rapidamente como os homens. Os ataques cardíacos são a primeira causa de morte em mulheres, principalmente naquelas que fumam e tomam a pílula e mais ainda a partir da idade da menopausa porque perdem um “benefício” que os homens não têm, isto é, a “substituição” do sangue pela menstruação (estudos indicam que os dadores de sangue-que até foi o meu caso-estão menos sujeitos a um EAM). Dores no peito, em forma de pressão, e uma falta de ar persistentes são os principais sinais de alerta, mas não tão nítidos como nos homens.
Com este meu testemunho, reforçado nos exemplos de “figuras públicas” aqui citadas e outras que poderiam ser também, e porque sou um “missionário” na sensibilização deste importante tema, espero que a percepção do “prevenir e do agir” desta área tão importante como é aquela máquina tão perfeita como é o nosso coração, contribua para a diminuição de mortes prematuras e da melhoria da qualidade de vida. Custará entender isto? O “preço a pagar” por esse deixa andar pode ser muito alto.
Serafim MarquesEconomista (Reformado)