A ajuda dos avós na criação e educação dos netos pode comprometer as suas poupanças para a velhice, mas a prestação dos cuidados destes familiares, sem a presença dos pais, sendo os países do sul da Europa os que apresentam uma maior percentagem de avós a cuidarem dos netos diariamente, é um forte contributo económico e social. Qual o valor económico dessa disponibilidade? Qual o esforço financeiro e humano dessa disponibilidade, muitas vezes não só regular mas também do tipo de “pronto socorro” em greves e férias escolares, doenças, etc? Como suportariam algumas famílias encargos com os filhos sem a contribuição dos avós? Questões pertinentes, mas, contudo, ainda existem alguns tabus, porque os avós de hoje são duma geração ainda fortemente “machista”.
A este propósito, arrisco contar o meu próprio exemplo, isto é, divorciado e reformado há oito anos e desde há sete anos que sou um avô que presta todo o tipo de trabalhos e cuidados aos meus netos e de forma crescente aos nascimentos dos meus descendentes, neste momento a cumprirem a meta da natalidade de manutenção e que é de 2,5 filhos por casal. Pratico esses cuidados ou, melhor, partilho com os meus netos e com os respectivos pais, um misto de amor e de utilidade, sendo que ambos ganhamos. Eu apenas em amor, e que amor, porque os custos directos, financeiros, e indirectos, nem eu sei “quanto valem”. Como exemplo dos extra de “pronto socorro”, que também sou, acrescentaria aquilo que eu chamaria “uma aventura de um avô”.
Se não, vejamos : Era uma sexta feira e os pais, antes de partirem para uma viagem profissional à costa alentejana, deixaram as miúdas, de sete, cinco e um ano, nas duas escolas e a minha tarefa consistia em: i) ir buscá-las depois das 16 horas , como já o faço em três dias por semana, em sistema partilhado com os outros avós; depois e porque a tarde estava convidativa, fomos os quatro até ao um parque infantil ; ii) preparar o jantar, já previamente cozinhado, e deitar as miúdas e dormir no sofá-cama ao lado; às 22 horas estavam as três na cama e eu, exausto e ansioso, não tinha sono. Já era meia noite e ainda não dormia. Cerca das três horas, acordei com o choro da “bebé, porque tinha uma perna metida nas grades do berço, e às quatro horas a mais velha disse que não tinha sono e, adivinhando o que lhe ia na alma, disse-lhe que se deitasse comigo, porque o sofá-cama é muito largo.
Contudo, às cinco da manhã, também a do meio, qual telepatia, veio ter comigo e também disse que não tinha sono e também se deitou no sofá. Contudo, depois e para quem não tinha sono, as duas dormiram até quase às nove horas; Ainda não eram seis horas e a “bebé” começou a chorar, com fome e fiz o biberão e dei-lho e já não voltou a adormecer. iii) Vestir, tomar o pequeno almoço e partir para a costa alentejana e, assim aconteceu, eram cerca das dez horas, mas dei um suplemento à “bebé”, antes de partirmos. Como era desejado, ela adormeceu na cadeira-berço e só acordou à chegada. Com as três preciosidades atrás, porque as crianças de hoje o são, lá saí de Lisboa rumo ao sul e, como não era dia convidativo de praia para os lisboetas, a travessia da ponte 25 de Abril foi fluída. iv) foram quase duas centenas de quilómetros desde casa e, enfim, chegámos e a ansiedade acumulada deu lugar a uma enorme descarga. Puxa, era muita desde que o plano me foi pedido, havia alguns dias antes. Incrível o que fiz sozinho, eu um homem com quase setenta anos e com algumas limitações de saúde, principalmente daquelas que não coabitam bem com a ansiedade e o stress. Que sensações, mas que ansiedade e tanto esforço físico e mental, mas o meu coração doente aguentou. No meu carro eu levava três “pérolas” e até na estrada os meus cuidados foram redobrados.
É assim a vida de um avô que Ama, Cuida e Educa e tenta partilhar esta vida com seres em crescimento. São momentos únicos e que não voltam, mesmo que as três irmãs, pela diferença de idades, me tenham permitido "repetir" ciclos e rotinas. Cada um é livre de gostar ou não, assim como nem toda a gente, sejam pais, avós ou outros, serão competentes e de inteira confiança, em todos os aspetos. É um avô e são meninas e tem que mudar a fralda, dar banho, vestir, etc ? Quem pode pensar em "sexualidade"? Quem ama não poderá fazer mal, mas, sabemos, há muitos “lobos e lobas vestidos com pele de cordeiros". Há uma pessoa, de sessenta e tal anos e avó, mas daquelas que "os netos só de vez em quando", não porque não possa, mas porque não quer, que me disse que não achava normal e a ideia dela era corroborada por outras pessoas do seu foro de amizades (!), que um avô da minha idade mudasse as fraldas às meninas pequenas e acrescentou, pasme-se, que era por questões do órgão sexual.
De facto, não é muito normal, mas, cada vez mais, há "avós" (homens) a fazer o mesmo que eu faço há sete anos e tão competentemente que surpreende nesta geração ainda com resquícios de machismo.
“Filho és, pai será, como fizeres, assim receberás”, é um ditado popular de forte cariz religioso pois se aplica mais na educação das fases de filho e de pai. Mas, nesta crise de natalidade, pode a frase adaptar-se e, neste caso, és filho, mas não queres ser pai e, logo, não serás avô. Porquê esta crise de natalidade? São várias as justificações, mas uma delas é de que gerar e criar um filho não serve os egoísmos modernos. Aturar um filho, desde a barriga até muitos anos adiante, é um “sacrifício” que colide com outras alternativas de hedonismo de muitos casais da geração moderna. Melhor que seja um cão e, por isso, é muito frequente os casais jovens optarem por um canino, em vez dum filho, Veja-se por esses parques e, curioso, o número crescente de recintos para cães que as autarquias vão construindo. O custo financeiro de uma criança é bem maior do que a dum animal, mas também este os tem e alguns sacrifícios. Mentalidades modernas de gente que deve a sua existência ao facto dos seus progenitores não terem pensado como eles. Se não concordam, “voltem para trás no ciclo de vida”. Isso não fariam, porque a vida está cheia de prazeres.
O “problema” da baixa natalidade do nosso país tem sido explicada por inverdades e os responsáveis estão mais preocupados com o efeito na economia e nas finanças públicas e na sustentabilidade do sistema da segurança social, mas, os efeitos mais graves dizem respeito às roturas que tal provocará nas famílias e nas estruturas da nossa sociedade. “País de velhos” é o que nos espera e, se a tendência não for invertida, um triste futuro e em que vale a pena refletir.
Para aqueles que “conseguiram” ser avós, podem, por isso, viver uma nova etapa natural da vida humana, isto é, presenciar a continuação do seu sangue e da sua árvore genealógica. Têm, também, a oportunidade de poderem corrigir e ou melhorar muitas das coisas que fizeram nos seus papeis de pais e mães. Eu cumpri e cumpro o meu papel de pai e de avô e, acreditem, é viver um amor indescritível. Sensibilidades? Sim, mas faz tão bem a ambos!
Serafim MarquesEconomista (Reformado)