Os bêbados (1908)
Os bêbados passam cantando nas ruas
Desertas da aldeia;
Recebem contentes, ao sábado, as jornas
E vão derretê-las à boca das dornas,
De noite, nas tascas, à luz da candeia.
Em chusmas, unidos, é vê-los no escuro
- Que até fazem dó! –
Espectros da fome, sair das tavernas,
Borrachos, cantando, cambadas as pernas,
Os olhos mortiços e as bocas em ó...
Um canta em voz alta; respondem-lhe os outros,
E cresce, enche o ar
Um coro arrastados, soturno, indolente,
E a alma do povo, parece que a gente
A sente cá dentro do peito a chorar!
Trabalham, mourejam de dia, e à noite,
Coitados, lá vão,
Fugidos à gleba, libertos do ancinho,
Embora haja fome, beber, porque o vinho
Alegra e é por isso melhor do que o pão.
Nas praças desertas abraçam-se em grupos,
Meu Deus, que tristeza!
E os braços lhes pesam mais leves nos ombros,
Que o lenho das dores, por esses escombros
Dos rudes calvários, nos ombros lhes pesa.
Os bêbados choram nas noites caladas,
Cantando em segundas,
As queixas doridas, os ais e os lamentos
Que às vezes se escutam na leva dos ventos,
Na voz, no marulho das águas profundas.
O génio das coisas soluça naquelas
Tristezas ocultas,
E os tristes borrachos, cantando nas praças,
Sugerem tragédias, acordam desgraças
Que, ó génio das coisas, na treva sepultas!
Um canta em voz alta; respondem-lhe os outros,
E cresce, enche o ar
Um coro arrastados, soturno, indolente,
E a alma do povo, parece que a gente
A sente cá dentro do peito a chorar!
Conde de Monsaraz
(Musa Alentejana, Lisboa, 1908)