16.2.12

IN MEMORIAN - Faleceu o ti Emílio Aurélio

Com 91 anos, faleceu no passado domingo, dia 12, o senhor Emílio Curado Brito Carrilho, o ti Emílio Aurélio, como era, popularmente, conhecido. Homem de muitas actividades profissionais, foi no desporto amador que ganhou maior projecção, ficando famosas as suas participações em corridas de ciclismo, modalidade em que era considerado um verdadeiro "ás do pedal".
Nos últimos anos, reformado, era um assíduo frequentador da Biblioteca Municipal, onde se entretinha na leitura e procurava saber as "últimas" do país e do mundo.
À família, apresentamos sentidas condolências e, em jeito de homenagem, recordamos, aqui, o texto que escrevemos e publicámos na edição nº 227 do Jornal de Nisa - 1ª série - 14 de Março de 2007 com o título:
EMÍLIO “AURÉLIO“ - Memórias de um “ás de pedal” e do que mais adiante verá
Esta é uma história de vida, contada na primeira pessoa. Fala do ciclismo, dos produtos tradicionais de Nisa e das voltas que a vida dá, seja sentado numa bicicleta, ao volante de uma camioneta, a desmanchar porcos ou a vender copos de vinho. De toda esta variedade é constituído o percurso de vida de Emílio Curado Brito Carrilho, nascido em Nisa, em 1921. Ora, escutem-no.
“Abalei para França em 1929, com os meus pais e dois irmãos, tinha 8 anos. Fomos para Tours, onde o meu pai era encarregado de um senhor chamado Jérome.
Andei à escola em Tours, mas por pouco tempo. Os francos faziam falta em casa para ajudar a família, eu já era bem constituído e comecei a trabalhar na construção civil. Estive em França até ao início da 2ª Guerra Mundial.
Em França, a minha mãe tinha uma cantina portuguesa, onde comiam os emigrantes portugueses e espanhóis. Fazia a comida e nós tínhamos uma criada. Quando rebentou a guerra, os alemães estavam para invadir a França e nós viemo-nos embora para Portugal. Chegámos a Nisa em plena guerra e começámos a trabalhar em obras e negociante de gados. Eu trabalhava como assalariado, a oferta de trabalho era pouca e tínhamos que agarrar ao que aparecia.
Andei por aqui até ir para a tropa. Fui para o Regimento de Engenharia, no Campo Grande, andei lá 15 meses e quando vim da tropa casei-me.
Andei a trabalhar uma temporada no campo e vim morar para a Devesa, aqui para esta casa que aluguei por 5 anos ao senhor José de Moura e depois quando o contrato terminou acabei por comprar a casa. É onde tenho morado toda a vida.
A vida do campo dava pouco e eu pensei em tirar as cartas profissionais de motorista e fui para Lisboa uma temporada. Nesse tempo só se viam burros e carroças nas ruas, não havia transportes como há hoje. Tirei as cartas e fui trabalhar para a firma Rodrigues & Irmão em Vila Velha de Ródão, para o lugar de um motorista que tinha tido um acidente.
O que eu fazia? Andava a apanhar bidões de azeite desde o Fratel e Vilas Ruivas, por caminhos manhosos. Ganhava um conto e quinhentos, por mês, naquele tempo.
Trabalhei depois como motorista para o senhor Mourato, um empreiteiro que tinha obras nas Câmaras de Nisa, Ponte de Sor e Arronches, mas tive que procurar outro patrão, pois ele disse-me que não pagava o abono de família a mim nem a nenhum funcionário. Ainda trabalhei também para a Camionagem Central, em Nisa, que fazia o transporte de mercadorias para a estação de Vale do Peso, mas aconteceu o mesmo, não queriam pagar o abono de família e como tinha duas filhas, vim-me embora.
Nesta altura, já tinha uma camioneta, um estabelecimento de taberna e uma salsicharia. Éramos três, os negociantes de gado suíno em Nisa. Eu, o Norberto e o Tigelinhas. Íamos muitas vezes a Castelo Branco comparar porcos e toda a gente nos conhecia como pessoas sérias.
Tínhamos uma grande clientela. Matávamos 5 ou 6 porcos por semana e tudo se vendia. Estavam connosco a trabalhar todo o ano quatro mulheres a encher carne. A qualidade dos nossos enchidos era muito boa porque eram fabricados como deve ser, bem adubados e curados na chaminé.
Todas as semanas ia a Lisboa, ao mercado 24 de Julho. Levava enchidos de Nisa e trazia hortaliças para vender no concelho, de terra em terra.
Há 10 ou 12 anos que deixámos a actividade. As filhas estavam orientadas e a velhice já não permitia o trabalho como noutros tempos.”
O “ás do pedal”
Deixámos falar, sem interrupções, o ti Emílio Aurélio. O “Aurélio”, que em Nisa se diz Árel, não faz parte do seu nome, é alcunha que lhe sobreveio do pai e do avô. O seu pai, é bom que se diga, foi um dos primeiros nisenses a emigrar para França, no início da década de vinte, do século passado.
De França, trouxe o ti Emílio, uma bicicleta. Muito jovem e com apreciável compleição física desde logo deu nas vistas. Pela bicicleta, o “último modelo francês”, mas também pelas vitórias que ia conquistando nas provas que se organizavam no distrito. Deixemos que faça mais uma viagem a essa época.
“Quando vim de França e comecei a entrar nas corridas, era um dos melhores do Alentejo. Ganhava os primeiros prémios aqui e em todas as terras aqui à volta, sendo considerado o campeão do Alentejo. Os meus treinos era ir daqui a Castelo Branco e voltar. A estrada tinha um piso muito duro e era estreita, mas era o que havia.
Fui seleccionado para a Corrida dos Campeões, representando o distrito de Portalegre e fomos correr a Lisboa. Estavam ali os representantes de todos os distritos e a corrida foi no Campo Grande. Eram 18 voltas num circuito de 3 quilómetros. Eu seguia já destacado na 4ª volta, quase com uma volta de avanço, quando um cavalo da GNR fez marcha-atrás e atirou-me ao chão.
Foi uma grande desilusão, mas eu continuei. Um rapaz que tinha desistido emprestou-me a bicicleta dele e completei a corrida chegando ao mesmo tempo do pelotão. Corri durante cinco anos, mas depois deste acidente, já não quis continuar. As taças e troféus que ganhei estão no Nisa e Benfica.”
A finalizar a nossa conversa e do alto dos seus 85 anos, Emílio Carrilho, não hesita em alertar para a situação de Nisa e da perda de serviços que tem acontecido.
“Hoje, liga-se pouco ao ciclismo, só automóveis. Em Nisa havia algumas fábricas, pequenas, mas que davam trabalho, como a do senhor Ribeirinho. Fecharam-se os lagares, matadouros, está tudo fechado. Coisas que davam de comer a muita gente. A Santa Casa só cá está porque não a podem levar ás costas. Se não...”.
Mário Mendes