O Alto Alentejo é um retalho de cor viva deste tapete multicolor de Portugal.
Nesta interessante faixa que se desdobra ao sol com as suas casas muito brancas e de grandes chaminés, só quem sofra de anestesia estética não encontra motivos de encanto para os olhos mais ávidos de notas coloridas.
O povo deste torrão alentejano além de trabalhar e com “apego à terra” peculiar em todo o alentejano, é de boa índole e não sei se alguma influência possa ter nele o predomínio da cor branca, reflectida por toda a parte, visto que o branco – como diz Mantegazza quando estuda a alma desta cor – não excita os sentidos, não exalta como o vermelho, não nos repousa como o verde, nem nos eleva como o azul...
Neste retalho de Portugal que tem lá ao longe como sentinela vigilante a fortaleza de Marvão, tiveram os Templários, em tempos que já vão longe, um papel importante, principalmente acentuado no distrito de Portalegre.
Não se limitou a acção dos Templários apenas á conquista e defesa dos pontos mais investidos pelos mouros: dela vieram também bastantes benefícios para a lavoura local e pequenas indústrias derivadas, que embora confusas a princípio e sem valor próprio, se nos apresentam hoje em dia com algo de aproveitar.
Assim, a cultura do linho que nesta região foi extensa, originou a indústria de tecelagem em alguns pontos do distrito de Portalegre, dando em Nisa uma especialização – os alinhavados – lavor característico, inconfundível.
Aponto aqui uma outra pequena indústria alentejana que é no entanto uma das mais interessantes e com maior sabor regionalista – a olaria.
A indústria dos oleiros, além de ser uma das mais antigas do Alto Alentejo, é aquela onde a gente do povo manifesta a sua sensibilidade artística, imprimindo aos barros uma originalidade que é de apreciar.
Quem não conhece os barros de Flor da Rosa, Amieira, Estremoz e Nisa? Quantos pintores de arte não se têm prendido com a nota colorida e tão alentejana que dão os barros quando espalhados pelo chão nos mercados e feiras, expostos ao sol do Alentejo?
Pelo lado artístico – entre os oleiros do Alto Alentejo – são os de Nisa os que mais cativam, pela graça com que trabalham o barro, dando-lhe não só uma linha de modelação muito sua e elegante, mas enriquecendo ainda essa modelação com incrustações de pequeninas pedras brancas, formando diversos volumes e flores, que fazem das cantarinhas, alegres e decorativas peças para o lar mais exigente.
Na ornamentação destas cantarinhas, única no género, observa-se sobretudo uma facilidade enorme de trabalho e qualidades belíssimas de assimilação desse género de trabalho, sabendo-se que são geralmente as crianças e mulheres do povo, sem conhecimento algum do desenho, que fazem essas incrustações ornamentais no barro. É curioso ver a rapidez com que estes artistas ignorados do povo riscam no barro ainda mole, as graciosas curvas e ingénuas flores que depois geralmente as raparigas contornam com pedrinhas brancas.
No entanto, esses desenhos, devemos confessá-lo, não têm concepção alguma regional e nem o encanto da ingenuidade possuem, visto que são desenhos tirados aqui e além, alterados cada vez mais em cada reprodução feita. Em todo o trabalho de decoração a base é sempre a mesma – a ideia ornamental. Neste caso da nossa olaria alentejana e, mais particularmente ainda, da olaria nisense, os melhores elementos decorativos, a meu ver, devem procurar-se na própria Natureza. Sob este ponto de vista não faltam no Alto Alentejo valores decorativos a extrair da própria flora, por si mesma abundante de motivos ornamentais – a espiga do trigo, a folha do carvalho, o ouriço do castanheiro, a bolota, etc – elementos esses susceptíveis de darem lindas estilizações do mais rico efeito de composição. É interessante ver como a silhueta da cantarinha tem a sua semelhança com a linha de contorno da rapariga da região, vestindo as saias rodadas.
Li já impressão idêntica com referência à cantarinha de Coimbra, muito semelhante, também, na linha de contorno, com a silhueta estilizada da tricana.
Decerto, influência de uma imagem que está gravada nos olhos do oleiro, cujas mãos, modelando o barro, reproduzem nele, em estilização, uma figura que lhe baila nos sentidos...
Dinis Fragoso in “Revista Alentejana” – nº 242 – Junho de 1957