26.7.22

OPINIÃO: A propósito da cremação dos cadáveres

 
Não se sabe quando começou, de forma ritualística (pira de lenha, por exemplo), a cremação de cadáveres, mas as investigações arqueológicas fazem remontar esta prática a, pelo menos, 7 000 a.C.

Havia outras formas, que não a cremação, dos povos se desfazerem dos despojos humanos, como abandoná-los às aves de rapina, prática que no Tibete só foi abandonada depois da invasão chinesa.

A inumação foi a regra para os chamados povos do Livro: judeus, cristãos e muçulmanos, derivada da crença na Ressurreição (que significa pôr-se de pé).

goog_2051869875A morte gera o medo e o medo gera toda a sorte de superstições. Acreditar na Ressurreição - os cadáveres a levantarem-se - não será a pior. Se não fosse superstição, eu queria ver a discussão - estou a lembrar-me dos transplantes - dá cá esse coração que é meu toma lá este rim que é teu.
Zoroastro recomendava que se abandonassem os corpos aos abutres. Tinha boas razões para isso. Dizia ele: «os corpos, aquando da sua morte, transformam-se em demónios, através da sua sombra».
Os nossos hábitos de posse - o meu corpo, a minha alma, a minha mulher, os meus filhos - levam-nos a encarar a morte como uma derrota. Nas sociedades modernas - isto é, nas sociedades decadentes - faz-se o culto do corpo, o silicone, o botox as drogas milagrosas. A vida é o corpo. Vai um familiar para o hospital, morre, e tem de ser necessariamente negligência médica. Tudo isto é um drama quando pensamos que a vida é o corpo e apenas o corpo: eu sou o corpo e o corpo sou eu. Para o cristão, sobra a crença de que o corpo se há-de pôr de pé um dia, e uma leve esperança de ter uma alma, que lhe permitirá dizer que vai desta para melhor.
Os crentes na reencarnação (no geral), tal como os cristãos, também estão muito presos ao chão, querem cá voltar, possivelmente mais bonitos e mais ricos, materialmente falando. Isto é, cristãos e reencarnacionistas primários são materialistas, sem consciência de o serem, o que agrava a doença.
Mas temos depois os esoteristas, os místicos e afins. É ou não é, companheiros?
Pois é, mas deixam-se contaminar pelo Zeitgeist. Começam por acreditar que têm - lá está o ter - um corpo físico, um corpo etéreo, um corpo mental, etc. Mas não são capazes de dizer eu não sou o meu corpo físico, eu não sou o corpo etéreo, eu não sou o corpo astral, eu não sou o corpo mental. Pensam fazer a transição e preservar tudo isso que julgam ter e não têm.
É por isso que também muitos destes se assustam com a cremação, quando se deviam assustar com a não cremação. Será que também se assustam com o corte de cabelo e com o corte das unhas?
Apesar da aparência moderna, a cremação é uma tradição de quase 3 mil anos. “Para as religiões do Oriente, queimar o cadáver é uma prática consagrada. O fogo tem uma função purificadora, eliminando os defeitos da pessoa e libertando a alma”, diz o perito criminal Ugo Frugoli.
* Abdul Cadre