A falácia da digitalização no interior
Os portugueses têm estado expostos à banalização do termo “digitalização”, ou mesmo da “transformação digital”. Mais ainda no interior do país. Decorre de objectivos que a União Europeia quer ver cumpridos, e, por arrasto, de uma exigência que passa a ser dos Estados-membros, em nome do progresso, do desenvolvimento global e da promoção da coesão social e territorial.
Para a UGT Portalegre, o primeiro objectivo digital deveria ser tornar um país todo igual, o nosso, mas assim não acontece. No Alentejo, por exemplo, entre as capitais de distrito (aquelas que eram para passar a estar ligadas por ferrovia através do PRR – Plano de Recuperação e Resiliência, mas que o Governo reconsiderou para pior), em Portalegre, na N18 ou no IP2, entre Évora e Beja, e a seguir para sul, não há civilização. Ela só volta a existir quando chegamos ao Algarve. Já para não falar das falhas na A2 – auto-estrada do sul, a que foi menina dos olhos do Governo de então.
Na realidade, o que verificamos é cada vez menos acessos, menos cobertura, menos interligação, e mais despesas com operadoras e maior distanciamento social, ainda que se apregoem “avanços”, como é o caso do teletrabalho ou do trabalho remoto, com recurso a tecnologias de informação e comunicação. “Avanços” que teriam que implicar a salvaguarda dos direitos dos trabalhadores, assim como as devidas condições para poderem desenvolver as suas funções, algo que a actual “transformação digital” não suporta. As operadoras parecem brincar com as pessoas, e a regulação do sector das comunicações, realizado por quem coadjuva o Governo nestes domínios, deixa muito a desejar. A isto soma-se a existência de um quinto da população portuguesa pobre, e que a maior parte das pessoas em situação de pobreza trabalha.
Abafando este estado actual, o Governo embandeira com o agora previsto no PRR, em termos de interligação, garantindo que, até 2025, haja a cobertura 5G ininterrupta mais ampla possível para todas as áreas, incluindo áreas rurais e remotas.
Quanto a este historial, recordamos que, em Março de 2016, as operadoras foram obrigadas a alargar banda larga móvel a mais 588 freguesias, tendo um ano para dividir entre si as freguesias e um ano para assegurar cobertura de até 75% de população em cada freguesia (um serviço de banda larga móvel que permita uma velocidade de transmissão de dados de 30 Mbps - velocidade máxima de download), só assim podendo renovar as suas licenças por mais 15 anos pela Anacom. Estas juntaram-se às 480 freguesias que a Anacom já tinha determinado obrigações de cobertura aquando do leilão para as licenças para o 4G. De entre estas, o maior número de freguesias estava entre os distritos do interior, como Bragança (73) a liderar, seguida de (Beja), Guarda (57), Évora e Castelo Branco (55 cada), Vila Real (46), Portalegre (38), Faro e Santarém (27).
Mais recentemente, no passado mês de Maio, a Anacom renovou as licenças agora só com a MEO e a Vodafone, até 2033, mas obriga a reforçar cobertura em mais 100 freguesias. Desta feita, nenhuma delas situadas em distritos do interior, mais ainda no transfronteiriço.
O que se pretende é maior cobertura, maior flexibilidade, custo mais reduzido. Exigindo-se uma maior aceleração, agora ainda mais devido à Covid-19. Mas, ao contrário, a UGT Portalegre tem conhecimento de quem tenha que sair de casa e deslocar-se para dentro de um galinheiro para conseguir ter cobertura de rede.
A somar a tudo isto, deveria ser continuamente publicitada uma comparação do preço da internet com os outros Estados-membros, apelando à igualdade, e que nos deveria obrigar a sermos mais exigentes, o que também não acontece.
Acrescem ainda potenciais receitas não recebidas para o Orçamento de Estado. Soube-se recentemente que, só em relação aos meios de comunicação social portugueses, os 15 milhões anunciados pelo Governo para os apoiar são um sétimo do que podia ser cobrado à Google e ao Facebook em impostos, que, se pagassem impostos em Portugal (IVA e IRC), dariam mais de 100 milhões ao fisco por ano (que não revelam dados concretos sobre as reais receitas com a publicidade digital que arrecadam em cada país). Isto enquanto se sente uma cada vez maior necessidade de cibersegurança.
No âmbito regional, e como exemplo de iniciativas supramunicipais, temos a Comunidade Intermunicipal do Alto Alentejo (CIMAA), em parceria com a Entidade Regional de Turismo do Alentejo, a adquirir infra-estruturas, equipamentos e serviços de Wi-Fi, com o objectivo de melhorar e desenvolver acessibilidades digitais para turistas e residentes, tendo como principal base orientadora a coesão do território e o fortalecimento de um conceito integrado de promoção turística do Alto Alentejo.
A UGT Portalegre questiona, por isso, se estará na hora de reconsiderar a Regionalização. Até porque esta é a mesma digitalização que leva ao encerramento de agências bancárias e outros serviços por todo o interior, não promovendo as relações interpessoais, e que não aproxima os representantes políticos das pessoas.
E perguntamos ainda se será verdadeiro este apelo à vinda para o interior nos moldes actuais. Para lá do que o Governo faz bem feito, com todos os incentivos que tem proporcionado, mantemo-nos subjugados aos privados, e continuamente conhecemos aldeias inteiras sem contacto com o exterior. Parecem andar a brincar com quem trabalha e a incrementar um cada vez maior aumento do envelhecimento e isolamento do interior.
Caminhamos para uma desvalorização do humanismo perante o avanço da digitalização, e ainda agitam uma regulação através da Carta dos Direitos Humanos da Era Digital, em vésperas da sua entrada em vigor.
Terminamos, relembrando que já para Charles Dickens, que viveu no séc. XIX, “a comunicação eléctrica nunca será um substituto para o rosto de alguém, que com a sua alma encoraja outra pessoa a ser brava e verdadeira.”
O Secretariado distrital