4.1.19

OPINIÃO: Porquê o medo de Dar Sangue?


Hoje vou falar-vos duma crença que só necessariamente o medo e a ignorância impõem cegamente.
- Porquê o medo de dar sangue?
Foi por isso que me surgiu a ideia de escrever com serenidade esta grande verdade que sei frutificará acima de todas as suspeitas.
Têm surgido ultimamente no nosso Hospital Sub-Regional imensos casos em que as intervenções cirúrgicas são feitas com dificuldades pela aquisição de sangue, inclusive da própria família dos doentes. E isto unicamente pelo que acima refiro: O MEDO DE DAR SANGUE.
A sombra do medo e do mistério tem que se dissipar, porque as possibilidades de cada um de nós são devidamente controladas pelo médico, e por isso todos devíamos saber o grupo sanguíneo a que pertencemos, já por necessidade própria, como além do mais para podermos socorrer os que possam precisar.
Não é de consciência nem de amor que se procure nos estranhos o remédio para suavizar a dor dos nossos, quando muitas vezes em nós próprios há reservas para que não se sacrifiquem os outros.
Foi há dias, um desse muitos dias que têm surgido, primaveris para uns, mas cheios de neblinas e muito escuros para outros, que vi aproximar-se de mim um pobre homem como que procurando adivinhar uma resposta.
- Senhor, precisava de sangue e vinha pedir-vos se fazíeis o favor de dar-mo...
Perguntei quando era necessário e a que horas.
- Amanhã, às duas da tarde.
Lá fui como prometi. Assisti à transfusão e fui conversando com o doente.
Contou-me toda a sua história. O médico havia-lhe dito que, se encontrasse quem lhe fornecesse sangue, ele poderia viver...
Para isso andou uma sua irmã procurando quem o fizesse, sem que fosse atendida.
Mas a vida!... O que é a vida!...
Ele queria viver e por isso pediu alta ao Hospital para que, pelos seus próprios meios, viesse pedir sangue, pois não tinha recurso para poder comprá-lo. E depois?... Depois de ter pedido a toda a sua família que é das numerosas da nossa Nisa, não encontrara senão recusas e desculpas.
Uns tinham medo, outros haviam dado há pouco tempo (o que nunca fizeram) e outros ainda receavam a fraqueza dos pulmões... Enfim, uma falta de compreensão e humanidade dos nossos.
Para exemplo vou contar-lhes casos verídicos, passados já entre nós.
Certo dia o médico dissera a um indivíduo que desejava ver qual era o grupo sanguíneo a que pertencia, pois sua mulher precisava de sangue. Recusou com a seguinte declaração: Sr. Doutor, não dou, porque para ficarmos os dois doentes, então que fique só ela!...
Uma outra mulherzinha das proximidades fora internada no nosso Hospital com doença de certa gravidade. O médico pediu à referida doente que chamasse o seu marido e os irmãos a fim de lhe darem sangue, ao que a doente, apesar de tudo, respondeu:

- Não vale a pena Sr. Doutor, pois eles são todos muito fraquinhos!...
E foi preciso uma criada do Hospital andar de porta em porta a procurar dessa gente de boa vontade que o fizesse.
E depois de todos estes exemplos, se todos pensássemos naquilo que amanhã nos pode atingir, não haveria mais perturbações a obscurecerem a razão. Ser generoso é sintoma de força e inteligência. E só nisto não crê aquele que não confia naquilo que defende, como na verdade religiosa só pode ser proclamado aquilo que fazemos e nunca aquilo que dizemos.
E ao defendermos estas verdades determinamos soluções reais e assim não apoiamos nem comentamos uma causa por ilusões ou aspirações, mas sim para que ela frutifique e se fortaleça.
Nisa, Janeiro de 1965
Ilídio Nogueira Leitão in “Correio de Nisa”nº 4 – 2ª série – 23/1/1965
Fotos: Dadores/as de Sangue - 2006