Nos 90 anos de existência da Praça de Touros de Nisa, cuja história está por fazer, há mil e um episódios e histórias, umas com sabor amargo e até dramático, outras cheias de humor e com aquele típico sotaque popular. A que aqui deixamos, combina, na perfeição, os dois "géneros" e como no final de um filme, o que mal começou, melhor terminou. Em bem e em festa...
Um safari nos campos de Amieira
Por volta de 1933, realizou-se na praça de touros de Nisa,
uma corrida de touros à portuguesa. O espectáculo decorreu bastante bem até
que, certa altura, o touro que estava a ser lidado, martirizado com as
tropelias que lhe faziam, deu um grande salto da arena para a bancada, passando
por cima da trincheira. Em seguida, ante o terror dos espectadores, subiu os
degraus da bancada e, quando chegou ao cimo, deu um salto para o exterior da
praça. Apesar de ter sido um salto de enorme altura, o animal não partiu
nenhuma perna nem ficou grandemente combalido.
Quando se apanhou em liberdade, o touro desatou a correr
pela estrada e depois pelos campos, precisamente para os lados de Amieira. Por
sorte, nesta corrida o bicho não colheu ninguém. Como é natural, houve um
alarme geral entre os amieirenses, que ficaram apavorados com a existência de
uma fera nos arredores da sua terra. Para agravar a situação, ninguém sabia ao
certo onde o touro se encontrava. Em consequência disso, grande parte dos
homens deixou de ir trabalhar para os campos e muitas mulheres negaram-se mesmo
a ir buscar água à fonte.
Passaram-se uns dias sem que se tomassem quaisquer
providências para resolver a situação. Por este facto, um grupo de caçadores
amieirenses resolveu organizar uma caçada com o objectivo de abater o touro.
Seria uma espécie de safari destinado a matar um perigoso búfalo. Meu pai foi
um desses caçadores. Ainda me lembro de, na véspera da caçada, o ter ajudado a
carregar cartuchos com balas. Apesar de eu ter, nessa altura, apenas cerca de
oito anos, costumava já acompanhá-lo à caça e, por isso, estava convencido de
que também iria ao safari. Infelizmente tal não sucedeu, pois como é natural,
meu pai não me deixou ir. Tive que me contentar em ver partir os caçadores,
fortemente armados e municiados.
O safari decorreu com inteiro êxito, pois, ao fim de algum
tempo, os caçadores lograram localizar o bicho e abatê-lo com balas certeiras.
Segundo me contou meu pai, foi o sr. Adriano Marçal que lhe deu o tiro de
misericórdia. O corpo do animal foi transportado para Amieira, num carro de
bois, e vendido, no dia seguinte, como carne de vaca, a preços acessíveis,
segundo julgo a favor da Misericórdia. Ainda me lembro de ter comido u bife de
touro, que aliás achei um pouco rijo. Note-se que nesse tempo, em Amieira,
praticamente não se comia carne de vaca. Os amieirenses preferiam então as
carnes de porco, de borrego e de cabrito, para além da dos animais de capoeira
e da caça.
Por certo que ainda em Amieira haverá pessoas que se devem
lembrar desta história, passada há cerca de 64 anos, história que evoco
sobretudo para aqueles que são mais novos do que eu e que certamente a
desconheciam. Que pena nessa época não haver já o Livro do Guiness, pois o
malogrado touro tinha direito a duas referências nele: uma pelo seu grande
salto da arena para a bancada e outra pelo salto de enorme altura que deu do
alto da praça para o exterior.
José Raposo in “O Amieirense” – nº 132 – Março/Abril 1997
FOTOS: 1 -Tourada na Adua (Nisa) - foto anterior a 1928
2 - Programa de tourada em 1932
FOTOS: 1 -Tourada na Adua (Nisa) - foto anterior a 1928
2 - Programa de tourada em 1932