A figura
do Pai Natal, que todas as crianças, enquanto genuínas e puras, porque depois,
infelizmente, não se sabe que caminhos seguirão nas suas vidas de adultos ou
mesmo já de adolescentes violentos, é uma das muitas manipulações das
sociedades consumistas em que uma parte do mundo “rico” se converteu, sim,
porque há milhões e milhões de crianças onde “o Pai Natal não existe”, tal é o
estado de pobreza dessa gente deserdada do desenvolvimento dos países ricos.
Manipulamos e enternecemos-mos com a pureza e ingenuidade do sonho dessas
crianças, mas basta lembrarmo-nos que todos os “homens maus” ou os mais
facínoras da história da humanidade, também foram crianças e, muitas delas,
bem-amadas e acarinhadas pelos seus progenitores. Quem gosta de crianças, não
pode deixar de pensar, muitas vezes, que aqueles corpinhos frágeis e carinhas
de anjos, capazes de nos “derreterem a alma”, poderão vir um dia a ser capazes
das maiores atrocidades sobre os outros humanos.
No
passado, nas festas natalícias essa figura não era tão relevante, embora a
lenda de São Nicolau (traduzido para Pai Natal), acabou por servir às mil
maravilhas para que a economia de consumo o adotasse para o “Santo do Consumo”,
sim porque o Pai Natal não traz apenas prendas para os mais novos. Depende do
orçamento “destinado a cada família”, ele acaba por “distribuir” bens e graças
por todos, mesmo por aqueles que não as mereceriam, violando, assim, o lema do
Pai Natal em que este trará prendas para todas as crianças que se portarem bem
durante o ano. Essa é a mensagem e chantagem que os “educadores” incutem nas
crianças. Conta-se que foi desde muito cedo que Nicolau se mostrou generoso e
sendo ele filho dum comerciante rico, distribuía bens pelos mais necessitados e
acabou mesmo por ser convertido em Santo pela igreja católica e é, atualmente,
um dos santos mais populares entre os cristãos, principalmente no período que
antecede o Natal, festa comemorativa do nascimento de Jesus Cristo, que, cada
vez começa mais cedo, porque os negócios necessitam dum tempo mais longo. Hoje
começa bem cedo, com todos os enfeites que fazem apelo ao período de festa que
tem o seu ponto mais alto no dia 24 de dezembro.
A imagem
que as crianças têm do Pai Natal é a de um homem velhinho e simpático, de
aspeto gorducho, barba branca e vestido de vermelho, que conduz um trenó puxado
por renas, que vem carregado de prendas e voa, através dos céus, na véspera de
Natal, para distribuir as prendas de natal, entrando pela chaminé e depositando
os presentes nas árvores de Natal ou meias penduradas na lareira, por cada uma
das casas de todas as crianças bem-comportadas durante o ano… A “encenação” é mais
ou menos perfeita, seja nos locais de consumo, seja mesmo nos lares em que um
membro da família “desempenha esse papel”, levando as crianças a acreditarem no
verdadeiro Pai Natal.
Atualmente,
há quem atribuía à época de Natal um significado meramente consumista e outros
veem o Pai Natal como o espírito da bondade, da oferta, da partilha, da
entreajuda, etc, e os cristãos associam-no à lenda do antigo santo,
representando a generosidade para com os outros. Mas, infelizmente, nem tudo
são rosas, bem pelo contrário, porque o mundo em pleno século XXI, revela
desigualdades gritantes entre nações e dentro destas entre classes e pessoas.
Os exemplos que nos chegam, de várias partes do globo, são aterradores e
revoltantes e transmitindo-nos a sensação de impotência. Os tipos de conflitos,
gerando guerras, destruição e mortes de milhares de inocentes, muitas delas
crianças como as nossas que acreditam e esperam pela chegada do Pai Natal e das
respetivas prendas, deixando-nos incrédulos e levam-nos a questionarmo-nos como
é possível tanta desigualdade, tanta dor e ao mesmo tempo tanto egoísmo
individual e corporativista? Às vezes e hipocritamente, os beligerantes
concedem entre si tréguas natalícias.
A
imprensa, ela própria com um papel duplo (“agente manipulador e vítima”) de
muitas coisas “ruins” que vão sendo fomentadas pelos homens, por esse mundo,
que também já foram crianças e acreditaram na bondade do Pai Natal, já difundiu a notícia de que este ano
também o Pai Natal vai fazer greve. Fundamenta ele que que saindo do seu reino
na Lapónia corre muitos riscos de vida e das suas renas e, para não “desagradar
a uns e agradar a outros”, não vai dar a volta ao mundo, porque em vários
pontos ele correria riscos. Por exemplo,
em França ele poderia ser barrado no seu percurso pelos “coletes amarelos” e
assaltado pelos vândalos misturados na manifestação e ficar sem as prendas para
distribuir. Em
Portugal, ele correria riscos de ser apanhado no meio das muitas greves que
ocorrem sistematicamente. Diz ele ainda que o que mais lhe dói na alma é saber
que há crianças doentes vítimas dalgumas classes de grevistas e que, por isso
mesmo, não poderiam estar nas suas casas na noite da sua passagem. Como “herdeiro do santo que é, diz ainda que reza por elas
e por todos aqueles humanos para quem não há Natal. Pede perdão por tomar esta
decisão tão drástica, mas promete que voltará. Na ação política, acaba por ser sempre
preciso trair ou o país ou os eleitores. Eu prefiro trair os eleitores” Charles
de Gaulle (1890-1970), estadista
francês duma nação à deriva e que suscita tantos motivos de alerta e reflexão.
Quem escapa agora ao contágio do que aconteceu em França? Quando se perde o
controlo dos acontecimentos e não se sabe como recuperá-lo, o pior é,
infelizmente, sempre possível. Eis também uma lição para nós, portugueses,
nestes tempos de greves e reivindicações em cadeia.
Quando compreendem os homens,
que foram criancinhas maravilhosas, que o Natal deveria ser todos os dias e não
apenas em dezembro e que há valores pelos quais se deveriam bater, sem
ganância, sem egoísmo, sem vingança e que a paz e o amor reinassem entre os
homens e as desigualdades diminuíssem no mundo. Até para o ano Pai Natal e reza por todos nós, porque nos
governantes ninguém confia. Culpa deles apenas ou também de cada um de nós e
dos nossos egoísmos e corporativismos e fechados no nosso próprio umbigo sem
olharmos em redor?
Serafim Marques-Economista