18.9.17

COISAS DA VIDA XVII: A cultura dominante é implacável


Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Esta frase sintetiza o inevitável decurso da condição humana. Contudo, desagrada-me constatar que muitas destas novas vontades, advêm de um processo inconsciente de socialização, ao qual somos submetidos, sem sequer termos realmente essa percepção. A cultura dominante é implacável.Eu ainda sou do tempo em que na minha meninice não existia o hallowen, não quero com isto dizer que não vivenciássemos o Dia-de-Todos-os-Santos. Antes pelo contrário, esta era a ocasião, em que, ao anoitecer, um grupo de crianças saía para a rua munido de velhas caixas de sapatos, as quais recortávamos para, e à semelhança das actuais abóboras, terem uma boca e dois olhos. Depois, se tivéssemos, o que por vezes não acontecia, tapávamos esses buracos com papel celofane colorido e colocávamos lá dentro uma vela acesa, para adquirirem uma particular configuração fantasmagórica.Assim munidos, batíamos à porta das pessoas e cantávamos uma canção que começava assim: “Bolinhos e bolinhós, para ti e para vós. Para dar aos finados que estão mortos e enterrados...” A música ainda era comprida, confesso que já não me recordo da letra toda. Na eventualidade de sermos ou não presenteados com alguma coisa – tipo broas, doces ou até uma pequena moeda – cantávamos outras canções: “esta casa cheira a pão, mora aqui algum ladrão” ou, “esta casa cheira a broa, aqui mora gente boa”.
Colocávamos os nossos pertences num saco, continuávamos a nossa ronda e quando terminada, dividíamos os ganhos por todos. A este costume, chamávamos os Bolinhos e Bolinhós. Hoje, miúdos e graúdos saem para as ruas vestidos de bruxas, morcegos e vampiros, para além dos acessórios, uma parafernália de vassouras, aranhas, abóboras e caveiras, disponíveis para compra em qualquer grande ou pequena superfície.A Páscoa tem coelho, em Fevereiro existe um dia, só para os namorados, o Menino Jesus, quase nem o vemos, aparenta estar escondido debaixo de um grande manto vermelho...Onde está a nossa tradição e onde começa a imposição?
Sofia Tello Gonçalves
* Licenciada em Serviço Social e Mestre em Saúde Pública