1.1.17

HISTÓRIA(S) SEM SENTIDO (1): A ponte de S. Francisco e os maranhos de Nisa

Há uns bons anos atrás conheci uma figura singular, um homem de Leste, refugiado político e que poisou ou aportou em Portugal. Veio da Hungria, após a invasão soviética de 1956 e em Portalegre nos conhecemos, num dos cursos de formação do CENJOR, para mim a melhor instituição de formação de jornalistas.
O curso decorria aos sábados e domingos numa das salas do Colégio de Santo António, instalações disponibilizadas através de “O Distrito de Portalegre”, órgão da diocese e entidade promotora da acção formativa.
Nos intervalos, ficávamos à conversa, eu, ele e a Patrícia Porto, também participante nesse curso.
José Lechner, assim se chamava o nosso formador, era um homem culto, de muitas viagens e saberes. Jornalista de banca, formado nas redacções dos jornais por onde passou e que me escuso de mencionar, foi um dos precursores do ensino do Jornalismo em Portugal, e da qualificação dos seus profissionais, um dos objectivos por que se bateu e a que se entregou com denodo e entusiasmo. Formou-se na Escola Superior de Jornalismo de Lille, uma das mais reputadas escolas francesas de formação de jornalistas e estranhava o facto de nosso país não haver uma instituição semelhante que formasse e dignificasse a profissão. Amava e admirava Portugal, país que o acolheu. Estávamos em 1998 e lembro-me disso porque senti na sua fala, a emoção e orgulho com que nos mencionava e enaltecia dois “feitos”, portugueses, desse ano: a Expo 98 e a atribuição do Prémio Nobel da Literatura a José Saramago.
Falava nisso com inusitada alegria, sincera e espontânea. Socialista e conhecendo as minhas convicções políticas, mais à esquerda, nunca as diferenças de opinião constituíram óbice para conversas francas sobre o mundo, a cultura, a política e... a gastronomia.
José Lechner, para além da sua grande paixão pelo jornalismo - tinha uma forma muito peculiar, distinta e prática de ensinar – adorava conhecer novos sabores gastronómicos e um dia, com a Patrícia, falámos-lhe nos maranhos de Nisa. A própria palavra, “maranhos”, causou-lhe estranheza e curiosidade. Nunca a tinha ouvido. Perguntou o que era, à nossa maneira explicámos-lhe como se fazia e ele ficou com “água na boca”.
No final do curso e como tinha que fazer a viagem para Lisboa, convidámo-lo a um “desvio” por Nisa. Assim aconteceu e na antiga sede do Núcleo Sportinguista, sentou-se à mesa connosco e provou (e repetiu) os maranhos de Nisa.
 “Nunca comi nada igual”, disse-nos, visivelmente satisfeito. Terminado o repasto, cada um foi à sua vida, José Lechner a caminho de Lisboa e nunca mais ouvi falar dele, até que...
- Mário, tens ali um postal da América!, disse-me a minha esposa. Era do José Lechner. Cumprira, finalmente, o sonho de visitar os States e a filha, de que nos falava amiúde, com muito carinho e saudade. Estudava, graças a uma Bolsa de Estudos, numa das mais prestigiadas universidades americanas.
No postal, com a foto da ponte de S. Francisco, as palavras de José Lechner eram de grande entusiasmo e rematava o texto, assim: Mário, isto aqui é tudo em grande, fabuloso. Mas, nada que se compare aos maranhos de Nisa! Um grande abraço.
..................................
Nunca mais soube do José Lechner, até ao momento de pesquisar na net pelo seu nome.
Fiquei a saber que foi professor na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Setúbal e que morrera em 2012. A filha, pelo que apurei, é professora na Universidade de Coimbra.
Não conhece esta história, mas faço questão de lha dar a conhecer, como forma de singela homenagem a seu pai, jornalista, professor de jornalismo, cidadão que muito contribuiu para a qualificação dos jornalistas portugueses e o prestígio desta profissão, tão desconsiderada por muitos.
Mário Mendes