Há uns
bons anos atrás conheci uma figura singular, um homem de Leste, refugiado
político e que poisou ou aportou em Portugal. Veio da Hungria, após a invasão
soviética de 1956 e em Portalegre nos conhecemos, num dos cursos de formação do
CENJOR, para mim a melhor instituição de formação de jornalistas.
O curso
decorria aos sábados e domingos numa das salas do Colégio de Santo António,
instalações disponibilizadas através de “O Distrito de Portalegre”, órgão da
diocese e entidade promotora da acção formativa.
Nos
intervalos, ficávamos à conversa, eu, ele e a Patrícia Porto, também
participante nesse curso.
José
Lechner, assim se chamava o nosso formador, era um homem culto, de muitas
viagens e saberes. Jornalista de banca, formado nas redacções dos jornais por
onde passou e que me escuso de mencionar, foi um dos precursores do ensino do
Jornalismo em Portugal, e da qualificação dos seus profissionais, um dos
objectivos por que se bateu e a que se entregou com denodo e entusiasmo. Formou-se
na Escola Superior de Jornalismo de Lille, uma das mais reputadas escolas francesas
de formação de jornalistas e estranhava o facto de nosso país não haver uma instituição
semelhante que formasse e dignificasse a profissão. Amava e admirava Portugal,
país que o acolheu. Estávamos em 1998 e lembro-me disso porque senti na sua
fala, a emoção e orgulho com que nos mencionava e enaltecia dois “feitos”,
portugueses, desse ano: a Expo 98 e a atribuição do Prémio Nobel da Literatura
a José Saramago.
Falava
nisso com inusitada alegria, sincera e espontânea. Socialista e conhecendo as
minhas convicções políticas, mais à esquerda, nunca as diferenças de opinião
constituíram óbice para conversas francas sobre o mundo, a cultura, a política e...
a gastronomia.
José
Lechner, para além da sua grande paixão pelo jornalismo - tinha uma forma muito
peculiar, distinta e prática de ensinar – adorava conhecer novos sabores
gastronómicos e um dia, com a Patrícia, falámos-lhe nos maranhos de Nisa. A própria
palavra, “maranhos”, causou-lhe estranheza e curiosidade. Nunca a tinha ouvido.
Perguntou o que era, à nossa maneira explicámos-lhe como se fazia e ele ficou
com “água na boca”.
No
final do curso e como tinha que fazer a viagem para Lisboa, convidámo-lo a um
“desvio” por Nisa. Assim aconteceu e na antiga sede do Núcleo Sportinguista,
sentou-se à mesa connosco e provou (e repetiu) os maranhos de Nisa.
“Nunca comi nada igual”, disse-nos,
visivelmente satisfeito. Terminado o repasto, cada um foi à sua vida, José
Lechner a caminho de Lisboa e nunca mais ouvi falar dele, até que...
-
Mário, tens ali um postal da América!, disse-me a minha esposa. Era do José
Lechner. Cumprira, finalmente, o sonho de visitar os States e a filha, de que
nos falava amiúde, com muito carinho e saudade. Estudava, graças a uma Bolsa de
Estudos, numa das mais prestigiadas universidades americanas.
No
postal, com a foto da ponte de S. Francisco, as palavras de José Lechner eram
de grande entusiasmo e rematava o texto, assim: Mário, isto aqui é tudo em
grande, fabuloso. Mas, nada que se compare aos maranhos de Nisa! Um grande
abraço.
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Nunca
mais soube do José Lechner, até ao momento de pesquisar na net pelo seu nome.
Fiquei
a saber que foi professor na Escola Superior de Educação do Instituto
Politécnico de Setúbal e que morrera em 2012. A filha, pelo que apurei, é professora na
Universidade de Coimbra.
Não
conhece esta história, mas faço questão de lha dar a conhecer, como forma de
singela homenagem a seu pai, jornalista, professor de jornalismo, cidadão que
muito contribuiu para a qualificação dos jornalistas portugueses e o prestígio
desta profissão, tão desconsiderada por muitos.
Mário
Mendes