4.11.15

OPINIÃO: O perigo de sepultar os rios

A ribeira chama-se agora Avenida da Liberdade e nesta metamorfose está a explicação, ou parte dela, do que se passou no domingo em Albufeira. Sepultar um curso de água, ou o local onde em tempos correu um ribeiro, é um ato criminoso. E mais criminoso se torna se feito por quem teria obrigação de não ignorar, de desenvolver os conhecimentos técnicos necessários para avaliar as consequências.A população de Albufeira sabe do que se trata. No domingo, vários populares, ouvidos pela Comunicação Social, apontavam o dedo às obras da sociedade Polis que terão aterrado a ribeira. Aqui a responsabilidade não se atribui a um qualquer autarca inculto, apologista do betão: a obra partiu do Ministério do Ambiente, de quem depende a sociedade Polis. A crer nos relatos vindos a público, na refrega das inundações que deixaram um rasto de destruição e lama na turística Albufeira, na intervenção foram usadas manilhas para as águas pluviais de capacidade inferior às instaladas anteriormente.Aconteceu em Albufeira, no Algarve, poderá repetir-se em qualquer outro ponto do país. Entubar ribeiros, devido a interesses vários, turísticos ou agrícolas, é prática corrente de norte a sul. A solução - perigosa, como se vê - dura até ao dia em que a Natureza mostra a sua força e arrasta nas enxurradas o erro praticado. E, enfim, é tarde para emendar a mão.Emparedar o curso de água, por certo, não será a única explicação para a situação caótica vivida, domingo, na Baixa da cidade de Albufeira. A precipitação foi anormalmente intensa, o solo está impermeabilizado e, é provável, como também já se tornou normal, os bueiros estariam obstruídos, por limpar.Os mesmos responsáveis, lembre-se, que transformaram um rio numa avenida, própria para a circulação de automóveis em vez de água, são os mesmos que subscrevem acordos diplomáticos internacionais com vista a mitigar as consequências das alterações climáticas. Eles têm obrigação de saber, está escrito nesses documentos, o seguinte: "A precipitação tenderá a ocorrer mais sob a forma de precipitação intensa, por exemplo, "superior a 10 mm/dia, amplificando de modo significativo o risco de cheias". Os cenários para as alterações climáticas deixaram de o ser. A realidade está aí - e só não vê quem não quer. E não ponham a culpa em Deus "que nem sempre é amigo", como ontem fez questão de dizer o novo ministro da Administração Interna, numa estreia patética de tão beata.
Paula Ferreira in “Jornal de Notícias”3/11/2015