A ribeira chama-se agora Avenida
da Liberdade e nesta metamorfose está a explicação, ou parte dela, do que se
passou no domingo em
Albufeira. Sepultar um curso de água, ou o local onde em
tempos correu um ribeiro, é um ato criminoso. E mais criminoso se torna se
feito por quem teria obrigação de não ignorar, de desenvolver os conhecimentos
técnicos necessários para avaliar as consequências.A população de Albufeira
sabe do que se trata. No domingo, vários populares, ouvidos pela Comunicação
Social, apontavam o dedo às obras da sociedade Polis que terão aterrado a
ribeira. Aqui a responsabilidade não se atribui a um qualquer autarca inculto,
apologista do betão: a obra partiu do Ministério do Ambiente, de quem depende a
sociedade Polis. A crer nos relatos vindos a público, na refrega das inundações
que deixaram um rasto de destruição e lama na turística Albufeira, na
intervenção foram usadas manilhas para as águas pluviais de capacidade inferior
às instaladas anteriormente.Aconteceu em Albufeira, no Algarve, poderá
repetir-se em qualquer outro ponto do país. Entubar ribeiros, devido a
interesses vários, turísticos ou agrícolas, é prática corrente de norte a sul.
A solução - perigosa, como se vê - dura até ao dia em que a Natureza mostra a
sua força e arrasta nas enxurradas o erro praticado. E, enfim, é tarde para
emendar a mão.Emparedar o curso de água, por certo, não será a única explicação
para a situação caótica vivida, domingo, na Baixa da cidade de Albufeira. A
precipitação foi anormalmente intensa, o solo está impermeabilizado e, é
provável, como também já se tornou normal, os bueiros estariam obstruídos, por
limpar.Os mesmos responsáveis, lembre-se, que transformaram um rio numa
avenida, própria para a circulação de automóveis em vez de água, são os mesmos
que subscrevem acordos diplomáticos internacionais com vista a mitigar as
consequências das alterações climáticas. Eles têm obrigação de saber, está escrito
nesses documentos, o seguinte: "A precipitação tenderá a ocorrer mais sob
a forma de precipitação intensa, por exemplo, "superior a 10 mm/dia,
amplificando de modo significativo o risco de cheias". Os cenários para as
alterações climáticas deixaram de o ser. A realidade está aí - e só não vê quem
não quer. E não ponham a culpa em Deus "que nem sempre é amigo", como
ontem fez questão de dizer o novo ministro da Administração Interna, numa
estreia patética de tão beata.
Paula Ferreira in “Jornal de Notícias”
– 3/11/2015