13.11.15

DO ALTO DO TALEFE (3) - Mal comparado

Este meu gosto pela escrita! Este meu gosto pela leitura! Este meu gosto pelas estórias! Mas comparado, é como o prazer que um gato sente quando se rebola no chão.
Fazer rodopiar as letras, dançar as palavras, e dos parágrafos sentir a brisa de uma dança de roda!
Mal comparado, é como o prazer que um pardal sente, quando adivinhando a chuva, se banha num covacho de areia.
Ouvir uma estória, contada com o fim de encantar quem ouve, é tão ou mais interessante que ouvir aquele som de acordeão que ressoa na memória da juventude!
Mal comparado, é como o prazer que a carpa sente, quando se esfrega na areia, no tempo da desova.
Ler um livro de fio a pavio, não descolando do enredo, agarrado à melodia e à musicalidade das palavras! Mal comparado, é como o prazer que a adolescente sente, quando percebe que é o centro de atenções dos indivíduos do sexo oposto.
Escrever! Ah! Escrever! É um desalmado de um prazer! Mal comparado, é como o prazer que a mulher sente, quando depois de ter um filho olha pela primeira vez para ele.
Letras pequenas, grandes, redondas, engraçadas, tristes, escritas com máquinas ou simplesmente desenhadas à mão. Juntas na escrita, ou juntas na oralidade, estabelecem a comunicação.
Na escola do Rossio, em tempos que já lá vão, a professora desenhara no quadro negro, duas letras com o imaculado giz branco e virando-se para o aluno indaga, confiante na resposta: Um nê e um u, lê-se:
- Pilacho, senhora professora -, responde de pronto o jovem nisorro, fazendo abanar de contentamento a perna, e simultaneamente a sandália, de grossa sola de pneu.
Alguns anos mais tarde, outro professor, o dr. Abel Monteiro em resposta a uma questão mal respondida por outro aluno, retorquiu:
- Oh, Armando! Vê lá, toma cuidado! Não troques o gerúndio pelo particípio do passado!
Que prazer imenso este, de usar letras e juntá-las. Juntá-las em Português. Mal comparado, é como o prazer que a perdiz sente, quando se passeia ufana com os seus perdigotos, pelos campos floridos do meu Alentejo.
Os afazeres agrícolas e uns achaques próprios deste Inverno, retiraram-me um tempo de convívio com os leitores, mas esta semana ao passar pelo “penôco” do talefe, deu-me uma saudade! Saudade, de juntar as “léteras”, de brincar com elas, de dançar numa “nuve” de palavras. Mal comparado, é como o prazer que o autor quando jovem sentia, quando de pé descalço, corria assobiando, atrás de um arco com uma gancheta na mão.
Perdoem-me os leitores este devaneio de prazer pela escrita. Mal comparado, é como o prazer de um pombo arrulhado àquela espantosa pomba que lhe surgiu no quintal.
Zé de Nisa in "Do Alto do Talefe" - Jornal de Nisa nº 28 (1ª série) 3/3/1999