Este meu gosto pela escrita! Este meu gosto pela leitura!
Este meu gosto pelas estórias! Mas comparado, é como o prazer que um gato sente
quando se rebola no chão.
Fazer rodopiar as letras, dançar as palavras, e dos
parágrafos sentir a brisa de uma dança de roda!
Mal comparado, é como o prazer que um pardal sente, quando
adivinhando a chuva, se banha num covacho de areia.
Ouvir uma estória, contada com o fim de encantar quem ouve,
é tão ou mais interessante que ouvir aquele som de acordeão que ressoa na
memória da juventude!
Mal comparado, é como o prazer que a carpa sente, quando se
esfrega na areia, no tempo da desova.
Ler um livro de fio a pavio, não descolando do enredo,
agarrado à melodia e à musicalidade das palavras! Mal comparado, é como o
prazer que a adolescente sente, quando percebe que é o centro de atenções dos
indivíduos do sexo oposto.
Escrever! Ah! Escrever! É um desalmado de um prazer! Mal
comparado, é como o prazer que a mulher sente, quando depois de ter um filho
olha pela primeira vez para ele.
Letras pequenas, grandes, redondas, engraçadas, tristes,
escritas com máquinas ou simplesmente desenhadas à mão. Juntas na escrita, ou
juntas na oralidade, estabelecem a comunicação.
Na escola do Rossio, em tempos que já lá vão, a professora
desenhara no quadro negro, duas letras com o imaculado giz branco e virando-se
para o aluno indaga, confiante na resposta: Um nê e um u, lê-se:
- Pilacho, senhora professora -, responde de pronto o jovem
nisorro, fazendo abanar de contentamento a perna, e simultaneamente a sandália,
de grossa sola de pneu.
Alguns anos mais tarde, outro professor, o dr. Abel Monteiro
em resposta a uma questão mal respondida por outro aluno, retorquiu:
- Oh, Armando! Vê lá, toma cuidado! Não troques o gerúndio
pelo particípio do passado!
Que prazer imenso este, de usar letras e juntá-las.
Juntá-las em Português.
Mal comparado, é como o prazer que a perdiz sente, quando se
passeia ufana com os seus perdigotos, pelos campos floridos do meu Alentejo.
Os afazeres agrícolas e uns achaques próprios deste Inverno,
retiraram-me um tempo de convívio com os leitores, mas esta semana ao passar
pelo “penôco” do talefe, deu-me uma saudade! Saudade, de juntar as “léteras”,
de brincar com elas, de dançar numa “nuve” de palavras. Mal comparado, é como o
prazer que o autor quando jovem sentia, quando de pé descalço, corria
assobiando, atrás de um arco com uma gancheta na mão.
Perdoem-me os leitores este devaneio de prazer pela escrita.
Mal comparado, é como o prazer de um pombo arrulhado àquela espantosa pomba que
lhe surgiu no quintal.
Zé de Nisa in "Do Alto do Talefe" - Jornal de Nisa nº 28 (1ª série) 3/3/1999