“Chegada a véspera de Natal, logo
ao princípio do serão, começava a festa familiar. Preparava-se a massa para as
filhós e azevias e, pouco depois, todo o pessoal feminino estava em actividade,
ou tratando da doçaria ou vigiando a preparação da consoada.
Às dez horas, tocava a primeira
vez para a Missa do Galo; às onze, a segunda, e à meia-noite em ponto, o
vigário acercava-se do altar, depois de, à custa de porfiadas diligências, se
fazer calar as inúmeras galinhas (filete de tripa de vaca interposto a dois
pedacitos de cana) com que a rapaziada serrazinava e importunava toda a gente
durante a época e de cujo abuso nem mesmo na igreja se abstinha.
Terminavam as cerimónias cultuais
quando o pároco, de capa de asperges, dava o Menino Jesus a beijar. Então a
confusão e o alarido não havia admoestações que os dominassem.
E, pouco depois, a população – ao
brasido da lareira ou à mesa da consoada – acabava de celebrar em doce
intimidade a santa Festa da Família, cujo último eco se traduzia na garrulice e
alegria da pequenada, quando no outro dia, ao saltar da cama, ia recolher as
prendas que o Menino Jesus lhe deixava nos sapatinhos.
Sem Pai Natal e sem estrangeirice
inclimatada de árvores frias e inexpressivas, o Natal em Nisa – com a
gracilidade dos cristianíssimos presépios – foi sempre e é ainda uma festa
genuinamente portuguesa.”
Figueiredo, José Francisco –
Monografia de Nisa – INCM – CMNisa, 1989