27.6.14

NISA: Rancho Típico das Cantarinhas - Efeméride

50 anos a promover as tradições do concelho
O Rancho das Cantarinhas
Onde vai faz sensação
Cumpre bem o seu dever
E tudo gosta de o ver
Rancho do meu coração.
Manuel Carita Pestana – Maio 1966
 Em Junho de 1964, as festas dos santos populares estiveram na génese da criação de um grupo musical e etnográfico que viria a tornar-se num caso sério de sucesso e um dos maiores divulgadores das tradições etnográficas desta "terra bordada de encantos": o Rancho Típico das Cantarinhas de Nisa.
O seu principal obreiro e dinamizador foi Rodrigues Correia, um nortenho, artista amador de teatro que no início dos anos 60 tinha chegado a Nisa com a família, no roteiro de uma itinerância pelo país.
As Maneirinhas
"Nas marchas de Santo António, véspera da Feira das Cerejas, o ti Dionísio Calhabré e a senhora Teodolinda começaram as cantar as marchas", recorda Maria Dinis Pereira, que anos mais tarde viria a ser ensaiadora do rancho.
"Ela cantava e o ti Dionísio tocava o banjo. Deu-se em juntar muita gente. O senhor Rodrigues Correia, que estava em Nisa há pouco tempo e morava na Rua Direita, ouvi-os e juntou os gaiatos que por ali havia e começou a marchar com eles. O Rancho, a bem dizer, começou com uma marcha. Divulgou-se esta iniciativa e começaram a vir crianças de vários sítios da vila. Aí ele pensou em fazer uma marcha. Com a "Nisa Velhinha" e "A Porta da Vila", que são marchas, é assim que começa o Rancho."
Dinis Pereira ainda se lembra de, na véspera da Feira, à noite, os gaiatos andarem a marchar pelo recinto da feira e de o ti Fantocha, que tinha um botequim, começar a dar massa frita e pirolitos às crianças.
Por ocasião da inauguração da Casa do Povo de Nisa, Rodrigues Correia lembra-se de se apresentar com os miúdos trajados a rigor, no acto solene, presidido pelo ministro Gonçalves Proença. No início, o Rancho chamava-se Rancho Infantil de Nossa Senhora da Graça e manteve este nome quando apareceu o das Cantarinhas. Foi uma grande apresentação e a partir daqui as bases da criação do Rancho adulto estavam lançadas.
"No início não havia músicas, nem letras e muito menos recolha de modas tradicionais, explica Maria Dinis e foi o vizinho, senhor Luís Félix que se encarregou de fazer as músicas e ao Dr. José Gomes Correia ficou a incumbência das letras. Foi assim que nasceram "As maneirinhas", Passinhos da Fonte da Pipa", "Bailarico da Senhora da Graça" , "As brincadeiras da Devesa" e "A moda dos estralos" (popular /antiga)".
Nascia assim, na Rua Direita, numa rua de músicos e quase por um feliz acaso, o embrião de um grupo popular e etnográfico que iria divulgar e projectar o nome de Nisa e das suas cantarinhas pedradas pelo país inteiro, exibindo-se com arte e esplendor nos mais conceituados palcos de festas e festivais para que era convidado.
Em poucos meses e mercê da capacidade dinâmica e organizativa de Rodrigues Correia e de vários músicos que emprestaram generosamente a sua disponibilidade e o seu talento a esta causa bairrista, os Ranchos de Nisa (Nossa Senhora da Graça (infantil) e Típico das Cantarinhas (adulto) granjearam tal fama que se tornou difícil responder a tantas solicitações.
Marca indelével de graça e beleza
Foi tal a projecção do Rancho, num tão curto espaço de tempo, que Abel Monteiro, director do “Correio de Nisa” não resistiu a dedicar-lhe um editorial na primeira edição de 1965 (9 de Janeiro) com o título “Progresso”, do qual respigámos algumas nótulas:
“Nisa pode já hoje orgulhar-se de possuir um rancho típico, agrupamento constituído por gente moça da nossa Terra, que tem agido em várias localidades e é, sem dúvida, uma verdadeira embaixada da Corte das Areias, a difundir arte, costumes e tradições duma vila tipicamente alentejana, onde não faltam heranças estéticas do passado que muito a nobilitam.
Gente de acentuada paixão pela música e pelas práticas coreográficas, sabe com desusada mestria, manter um ritmo perfeito entre a epopeia rude do trabalho campestre e o expandir da sua sensibilidade bem portuguesa; entre o arado que rasga a terra e a melodia dos seus cantares que embala corações.
Este “Rancho Típico das Cantarinhas de Nisa” leva consigo a impetuosidade de alma às almas de todos os nisenses que vivem longe da sua Terra-Mãe; e já tem feito brotar lágrimas de amor e de saudade. Por toda a parte, onde o Rancho tem exibido as suas danças tradicionais, deixa marca indelével de graça e de beleza.
E, ainda considerado noutro sentido, é uma forma eficiente de cultura popular e de educação cívica.”
Os ecos dos êxitos dos Ranchos de Nisa chegavam a todo o lado e o entusiasmo mantinha-se até nos ensaios, a que assistia muita gente interessada, numa terra que em termos culturais pouco mais tinha que oferecer. O Rancho Típico das Cantarinhas, as suas actuações e o impacto que gerava à sua volta, funcionou também como uma “pedrada no charco” que agitou o marasmo e a indiferença que imperava na vila.
A direcção e organização de Rodrigues Correia, secundada pelo apoio de José Gomes Correia e de Luís do Rosário Matias (Félix) e de músicos como Adolfo Bugalho, no saxofone e José Augusto Cebola, no flautim, garantiram, numa primeira fase, a existência de um grupo cultural e etnográfico com uma qualidade de que todos se orgulhavam, num tempo em que havia dificuldades e falta de apoios, mas em que sobrava a carolice e um espírito bairrista assinalável. Era este “espírito de grupo” ou como alguém lhe chamou, a “alma nisense”, que conseguia pequenos “milagres”, fosse no arranjo ou aquisição de trajes, na cedência e preparação do espaço de ensaio ou ainda na resolução de outros problemas.
Maria Dinis não resiste a contar um episódio que esteve na origem da criação de mais uma moda.
" O senhor Rodrigues Correia viu que as moças escorregavam no sobrado e lembrou-se de pedir aos seus colaboradores (Luís Félix e Gomes Correia) para lhe fazerem uma música em que dançassem descalços. É assim que nasce o estribilho, muito conhecido de: "Ai, ai eu de Nisa sou / Sapatos não tenho, ao balho (baile) não vou".
Outra curiosidade, residia na florinha que ornamentava os sapatos das raparigas.
"Os sapatos tinham uns pompons, umas bolinhas de lã, porque cá em Nisa dizia-se que quando as cachopas calçavam umas galochas, que era do mais barato que havia, as mães punham-lhe essa bolinha para dar mais graça e importância aos sapatos. No Rancho, usavam-se as bolinhas vermelhas porque destacava no sapato preto e combinava com a cinta do traje masculino."
Brilhantismo no Pavilhão dos Desportos de Lisboa

Os primeiros anos de existência do Rancho Típico das Cantarinhas de Nisa foram anos de grandes êxitos e de intensa actividade. A brilhante actuação no Pavilhão dos Desportos de Lisboa em Julho de 1967 no Festival Nacional de Folclore constituiu, talvez, o ponto mais alto na primeira fase da sua existência. Outras actuações como a da Casa do Alentejo, em Março de 1966 e nas festas populares de S. Pedro (Montijo) ou na Feira de Santiago, em Setúbal, entre muitas outras pelo país, mostraram a popularidade do Rancho e a qualidade dos seus dançarinos e músicos, bem como o trabalho desenvolvido, em autêntico amadorismo e por amor à camisola, a de Nisa.
Os ranchos folclóricos como todas as associações, têm os seus ciclos de vida, mais intensa ou de menor fulgor, conforme os tempos e as circunstâncias. O serviço militar, que mobilizou milhares de jovens ou a procura de melhores condições de vida fora da terra e do país, obrigou o Rancho das Cantarinhas a uma paragem forçada no final dos anos 60. Rodrigues Correia, rumou com a família a outras paragens. Deixou a semente e o fruto, e a vontade de seguir em frente ressurgiu com outros actores, dirigentes, músicos e dançarinos. O nome do Rancho manteve-se, os trajes e as modas também.
Numa terra de músicos, faltavam os instrumentistas, mas acabaram por aparecer, agora com novos instrumentos. As concertinas substituíram o saxofone e o flautim dos primeiros anos do Rancho.
Os tempos são outros. Há ainda carolice, vontade, apoios das autarquias, mas os jovens passaram a ter mil e uma solicitações e “ofertas” de ocupação dos tempos livres. Os ranchos folclóricos como outros grupos, começam a sentir dificuldades no recrutamento de dançarinos ou bailadores.
Nova vida para o Rancho das Cantarinhas
Joaquim Martins Rebelo, actual presidente da direcção do Rancho fala-nos do passado e antevê o futuro deste agrupamento folclórico.
“Estou ligado ao Rancho desde 1978 tendo integrado como tesoureiro a direcção presidida por João Videira Belo e José Luís Palheta Mendes, secretário.
Na altura o Rancho estava parado há alguns anos e resolvemos reactivá-lo, dando resposta a muitos pedidos que foram feitos.
Houve dificuldades mas conseguimos pôr o Rancho de pé, mantendo no essencial o trabalho feito anteriormente.
Em 1986, como presidente da direcção, que integrava António Manuel Bizarro e João Miguéns convidámos a senhora D. Maria Dinis Pereira para ensaiadora e foi por sugestão dela que iniciámos as recolhas etnográficas por todo o concelho de Nisa, com vista a inscrevermo-nos na Federação do Folclore Português, formalidade sem a qual não podíamos participar nem organizar festivais de folclore. Foi um trabalho cansativo mas bastante profícuo que fica para memória futura e com o qual conseguimos o nosso objectivo em 1990. A filiação obrigou-nos, entre outras coisas, a mudarmos, radicalmente, os trajes. O traje antigo, uniforme, composto de saia encarnada e xaile branco bordado, deu origem a um outro, em que sobressai a variedade."
Maria Dinis Pereira lança-se na tarefa de reconstruir o Rancho, como ensaiadora. As marchas e as modas mais antigas, de autores nisenses, vão coexistir com outras que irão aparecer fruto da recolha feita em todo o concelho.
A dinâmica e o entusiasmo levam a direcção a pensar na reactivação de um grupo de antigas tradições e representação original: os Corcovados.
São feitas algumas apresentações na vila de Nisa que suscitam curiosidade e agrado por parte da população. Mas os recursos humanos são escassos e a ideia é abandonada.
Medalha de Mérito Municipal
Actualmente, o Rancho Típico das Cantarinhas de Nisa é constituído por 12 pares (bailadores) um grupo de instrumentistas e um grupo de divulgação etnográfica, que integra uma ceifeira, lavadeira, mondadeira, azeitoneiro e manajeiro. A ensaiadora é D. Joaquina Bizarro Rebelo, esposa do presidente da direcção.
Fundado em 1964, o Rancho Típico das Cantarinhas de Nisa foi agraciado pelo Município de Nisa com a Medalha de Mérito Municipal como reconhecimento pelo trabalho desenvolvido na promoção cultural e etnográfica do concelho e região, ao longo de meio século de existência.
“A medalha de Mérito Municipal é uma distinção que muito nos honra e orgulha, dando-nos mais força para continuar”, reconhece Joaquim Rebelo.
“Temos conseguido com empenho e dedicação, manter o grupo em funcionamento, pesem embora as dificuldades sentidas, pois as nossas actuações são gratuitas e é através de intercâmbios com outros grupos que mantemos a actividade. As despesas vão desde o pagamento aos músicos, calçado, trajes e sala para ensaios. Temos um contrato de comodato com a Câmara que nos cedeu instalações no antigo parque de máquinas e aguardamos que haja algumas obras de beneficiação para podermos aí ensaiar.”
Questionado sobre os apoios que o Rancho recebe, Joaquim Rebelo destaca o que é concedido pela Câmara em transportes e alguns subsídios para pagamentos dos instrumentistas e material, bem como o das Juntas de Freguesia da sede do concelho e alguns comerciantes.
Estamos a comemorar 50 anos de existência e quero aqui publicamente agradecer a todos (homens e mulheres) que durante estas décadas fizeram parte do Rancho Típico das Cantarinhas de Nisa, muitas vezes com grande sacrifício pessoal e familiar.
Agradeço também a todas as entidades que ao longo destes 50 anos ajudaram a manter e a dinamizar este projecto cultural, que procurou desde a primeira hora, engrandecer e levantar mais alto o nome de Nisa, das suas gentes e tradições.”
Mário Mendes in "Alto Alentejo" - 25/6/2014